A pandemia foi, indiscutivelmente, uma dor em comum. Com a crise no retrovisor, o setor hoteleiro volta a diluir seus desafios, com as redes caminhando de acordo com suas particularidades. É certo que 2023 foi um ano de conquistas e transformações para a hotelaria como um todo, mas conforme o mercado se ajusta aos novos cenários que se desenham, as empresas voltam seus olhos para dentro de casa. Para entender o que será prioridade em 2024, CEOs das principais cadeias de hotéis do país apresentam expectativas convergentes em alguns pontos, enquanto divergem em tantos outros.

Após as explosões de demanda em 2022, aquecimento do segmento de lazer, retomada dos eventos e da difícil recuperação do corporativo, 2024 tem tudo para ser um ano diferente dos anteriores. Se 2023 foi o pontapé para deixar a Covid-19 no passado, o futuro reserva novos desafios.

O retorno à sazonalidade já observado em 2023 ligou o alerta para quem opera com foco no lazer. No business, a expectativa é de números mais animadores, com o ritmo lento em que o setor retoma sua rotina de viagens. As lacunas de mão de obra, ao que tudo indica, ainda tiram o sono de alguns hoteleiros.

O último relatório do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), divulgado em novembro, aponta para incremento dos principais indicadores hoteleiros frente a 2022. Mas como a hotelaria sabe, a tendência de queda é inerente à vontade do setor devido às mudanças nas bases de comparação.

A pedido da reportagem do Hotelier News, CEOs de grandes redes hoteleiras responderam a três perguntas estratégicas:

  • Qual a principal prioridade da sua rede em 2024?
  • Onde você vê o maior desafio para que sua rede bata os resultados orçados?
  • Pensando em 2024, qual recomendação você daria para um hoteleiro independente?

Rentabilidade, expansão, ESG, tecnologia, mão de obra e investimentos são algumas palavras-chave que resumem bem as respostas dos executivos do alto escalão hoteleiro do país.

Chieko Aoki

Blue Tree busca mais eficiência

Prioridades

Não é novidade para o mercado que a Atrio Hotel Management vem mirando seus esforços para ganhar escala. A operadora hoteleira vem em uma trajetória de expansão acelerada ao lado da Accor, mas não se trata apenas de quantidade. A empresa, anteriormente, já havia adiantado a projeção de receita superior a R$ 800 milhões em 2023, com um portfólio de 85 unidades.

Com um modelo de negócios comprovadamente eficiente, a Atrio quer elevar sua demanda em 2024. Segundo Paulo Roberto Caputo, a ocupação está entre as prioridades da operadora, principalmente em praças secundárias. “Ainda há muitas oportunidades de crescimento”, avalia o CEO.

Para equilibrar essa equação, a rede pretende destacar ainda mais a combinação entre a máquina e o humano. “Também iremos incrementar os investimentos em tecnologia e na contratação de novos talentos, inclusive de pessoas vindas de outros setores. Outro desafio do ano é acelerar a renovação dos hotéis e implantar novos conceitos de restaurantes e bares”, acrescenta Caputo.

A visão macro de Chieko Aoki é amplamente conhecida no setor. A líder da Blue Tree Hotels acredita que não é necessário concentrar esforços em poucas prioridades. Para 2024, a meta da rede transita entre diferentes áreas “Automação do backoffice e melhoria do sistema de gestão; foco em vendas na captação de grupos e eventos; investimento nas práticas de ESG, com ações pela preservação do meio ambiente; iniciativas em ações sociais voltadas à educação; além de aprimorar continuamente a cultura, valores e significado da Blue Tree Hotels”, elenca a executiva.

Em 2022, a empresa cresceu 191% em receita frente ao ano anterior. Em comparação com 2019, o incremento foi de 121%. O balanço de 2023 ainda não saiu, mas ao longo dos últimos 12 meses, a Blue Tree vem colhendo bons resultados que indicam um fechamento digno de comemoração.

Falando em nome da B&B Hotels Brasil, Flávia Lorenzetti diz que em 2024 a rede trabalhará a fidelização do público, elevando assim os indicadores dos empreendimentos. “O objetivo principal é agregar valor ao dinheiro empenhado em nossos serviços, oferecendo um preço justo por qualidade”, reforça a CEO da rede.

CEOs - Flávia_Lorenzetti

B&B focará em expansão em 2024

Além disso, renovação também será uma das palavras de ordem para o ano que se aproxima. “Seguimos com o plano de abrir três unidades entre Rio e São Paulo, fortalecendo nossa presença de marca no país”, complementa a executiva, endossando que os pilares em sustentabilidade e o foco em pessoas à frente da marca também serão colocados no centro da estratégia em 2024.

Ao longo de 2023, a companhia francesa realizou um reposicionamento da marca, impulsionando a melhoria na qualidade dos serviços e visando ocupar espaços vazios no mercado, encontrando assim o público-alvo que será trabalhado no ano que vem.

CEO da Hotelaria Brasil, Marcio Lacerda adianta que a rede iniciará 2024 com novos empreendimentos, fazendo com que a atenção aos custos operacionais voláteis seja uma das prioridades, além da reposição de mão de obra nos hotéis, que têm sofrido com a escassez de profissionais.

Para o próximo ano, a rede também lançará a startup Unna Hospitality. “Após concluída toda a fase de implementação, apresentaremos nossas soluções aos hoteleiros independentes”, afirma o CEO da Hotelaria Brasil, que vem dando passos importantes em seu processo de expansão.

“Além disso, temos a preparação para a abertura do Gran Paradiso by Ventura, que é nossa multipropriedade de luxo em Campos do Jordão (SP). O empreendimento está em fase final de construção e deverá ser inaugurado no final de 2024”, pontua Lacerda.

Business Intelligence também faz está nos planos da rede para 2024. O objetivo, segundo o CEO, é manter o investimento no programa de B.I. e unificação dos sistemas, padronizando processos para otimizar a área estratégica de crescimento e desenvolvimento da empresa.

Para a CEO da Nobile Hotéis & Resorts, Renata Rocha, a prioridade é expandir as principais bandeiras da rede. “Pretendemos abrir pelo menos 12 hotéis em 2024 e chegar em algumas cidades que ainda não estamos presentes”, revela. 

O foco da Nobile para o próximo ano também está em garantir a rentabilidade dos investidores e elevar a valorização patrimonial dos empreendimentos. “Para alcançarmos essa meta, estamos sempre atentos às tendências de mercado, inovações, tecnologia, experiência do cliente, treinamento das equipes e marketing digital”, explica Renata.

Já para a WAM Hotéis, liderada por Lucas Fiuza, a resolução do próximo ano se resume em voltar a crescer. “Queremos expandir, mas, naturalmente, o bem-estar do cliente, a valorização dos colaboradores e o retorno dos investidores continuam no nosso foco de atenção”, assegura. 

Para o Grupo Wish, a principal meta é melhorar a experiência dos hóspedes. “Estamos focados em aprimorar cada aspecto da estada. Acreditamos que uma experiência positiva não apenas fideliza os hóspedes existentes, mas também atrai novos clientes, consolidando nossa posição no mercado”, relata Eduardo Malheiros, CEO da rede.

Os desafios pelo caminho

Eduardo Malheiros

Melhorar a experiência é central para o Wish

Para atingir a meta, nem sempre o caminho é fácil. E, para o setor hoteleiro, ele é quase sempre tortuoso. Crescer em ocupação sem perder em diária média é o desafio primordial da Atrio no ano que vem, uma vez que os hotéis travaram árduas batalhas para recuperar preços após uma paralisação quase que total das atividades, somadas ao aumento de custos. “E, tão importante quanto, conseguir a melhora de margem prevista, que já é fruto dos investimentos em tecnologia e pessoas que realizamos nos últimos anos”, diz Caputo.

Neste aspecto, Atrio e Blue Tree não se distanciam. Passado o período de recuperação do setor, a rede paulista espera ganhar eficiência operacional. “Os anos de 2021, 2022 e 2023 foram de recuperação eufórica, com afluência de atividades reprimidas pela Covid-19. Agora, passado o período de recuperação, 2024 será ano de eficiência operacional com tecnologia, rigorosa prudência com os gastos e atenção às oportunidades de vendas e de gestão de receitas para manter o que conseguimos na retomada, o incremento da diária média”, pontua a Sra. Aoki.

Um ponto relevante elencado por Flávia para o ano que vem, e que é uma preocupação compartilhada pela hotelaria como um todo é o menor número de feriados. No caso da B&B Hotels Brasil, a questão é evidenciada nos hotéis do Rio de Janeiro, que foram muito beneficiados pelas datas comemorativas em dias de semana ao longo de 2023. “Esse volume de vendas vai ter que ser substituído por outros meios. Vamos procurar essa demanda com eventos e trazer esse público para perto, fidelizando e aumentando o seu prazo de estada conosco por conta da nossa qualidade”, analisa.

Sobre o que 2024 reserva, o CEO da Hotelaria Brasil e Karol Garrett, CEO da Unna Hospitality, compartilham de um ponto de vista semelhante. Os executivos resumem as preocupações para o ano que vem em dois pontos principais: gestão de receita e controle de despesas.

As duas empresas terão inúmeros desafios, alguns deles relacionados ao governo e sua decisão sobre o tempo de duração do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), cuja manutenção é fundamental para compensação de todos os prejuízos do setor ligados à crise da pandemia do Covid-19.

Ainda na esfera pública, há a expectativa de manutenção de redução da Selic por parte do Banco Central. Ter uma taxa básica de juros ajustada, apontam, é fundamental para crescimento do setor turístico e aumento do poder de compra por parte de clientes e investidores.

Manutenção do crescimento das diárias médias, que em 2023 se encontram quase 20% abaixo da melhor média histórica do setor, registrada em 2013, além do aumento das taxas de ocupação, que atualmente estão na média de 65%. Eles apontam que será preciso evoluir para um patamar de 75%, para que as operações se tornem rentáveis. “Também precisamos melhorar nossas margens de negociação com os grandes players de distribuição como Booking, Expedia, entre outros”, dizem os CEOs.

Sobre o controle de despesas, é preciso reduzir custos em quatro áreas com peso representativo no orçamento dos hotéis, que são: folha de pagamento, tarifas públicas, insumos em geral e contratos com terceiros.
Em relação ao pessoal, os executivos das duas empresas analisam que será preciso ter muito critério, pois a economia não pode

CEOs

Adaptação é essencial, diz Renata

desestabilizar a prestação de serviços nem os planos de carreiras dos profissionais, que estão cada dia mais escassos.

Em relação às tarifas públicas, as duas empresas afirmam estar em busca de formas de negociação de novas relações de consumo com fornecedores de energia elétrica, gás e agua, em algumas situações, sempre buscando a negociação com parceiros terceirizados, a fim de equilibrar a relação e manter o custo sobre controle e sempre pesquisando novos insumos, tendências, períodos de baixa de acordo com a época de produção em larga escala.

O comportamento da economia, nacional e internacional, é um ponto de preocupação comum entre Renata, CEO da Nobile, e Fiuza, CEO da WAM. Apesar de serem modelos de negócio diferentes, o último mais focado em multipropriedade, ambos enxergam no contexto econômico um possível obstáculo para o sucesso.

Fiuza confessa que os desafios são muitos, e que há desafios externos. “Os resultados dependem, também, de como a economia deve se comportar no país. Temos outro desafio, que é expandir e, ao mesmo tempo, continuar realizando no mesmo ritmo, o choque de gestão que ainda está em franco andamento”, comenta. “A companhia é grande e, para identificar e implementar todos os projetos, leva tempo”, destacao CEO.

Vejo como um grande desafio as flutuações da economia mundial e principalmente a brasileira, que têm impacto direto nas condições de mercado, na demanda do consumidor, nos custos operacionais e no acesso ao capital”, declara Renata. “É preciso saber se adaptar”.

A executiva comenta que a falta de mão de obra também representa um obstáculo. “A falta de profissionais é um ponto que impacta diretamente na qualidade dos serviços prestados. Para superarmos essa dificuldade, buscamos engajar o nosso time através de uma cultura forte, capacitação e oportunidades de crescimento”, finaliza. 

Já Malheiros considera a complexidade nas vendas hoteleiras um ponto de atenção. “É  crucial encontrar o equilíbrio ideal entre a taxa de ocupação e a diária média todos os dias do ano. Esse desafio requer uma abordagem estratégica e flexível, adaptando-se às dinâmicas sazonais e às mudanças nas preferências dos clientes”, comenta. “Estamos investindo em estratégias inovadoras de marketing e reforçando parcerias para otimizar nossas operações de vendas e superar esse obstáculo”.

Paulo Roberto Caputo

Atrio planeja aquecer a ocupação

Um conselho para o hoteleiro independente

Para um 2024 mais assertivo, compartilhar informações e trocar experiências são fatores fundamentais. Enquanto grandes redes se beneficiam de suporte, times robustos e capital para investir, o hoteleiro independente, muitas vezes, trilha um caminho ainda mais difícil.

E mesmo com trajetórias distintas, prioridades e desafios diferentes, os CEOs concordam em uma coisa: tecnologia e pessoas são pilares que sustentam a operação. Em seu conselho para o hoteleiro independente, a presidente da Blue Tree reconhece os privilégios de uma cadeia com 21 empreendimentos e destaca ferramentas que facilitam o dia a dia dos times.

“As redes têm acesso a equipes maiores e mais qualificadas porque há diluição dos custos entre os hotéis. O hoteleiro independente conta com menos recurso, sendo importante ficar antenado às melhores mudanças que aconteceram em 2023 e selecionar o que mais atende às metas do hotel, tais como o uso de tecnologias práticas que agreguem valor ao hóspede e otimize os custos”, destaca a executiva.

“Web check-in; atendimento virtual; check-out express; tecnologia que possibilite crescimento da receita com ferramentas como de distribuição e RM; otimizar a informação para tomar decisões com assertividade e velocidade; implementar ações de ESG, importantes para o próprio hotel e na relação com os clientes e fornecedores, sem esquecer de proporcionar experiências encantadoras, diferencial fundamental para hotéis individuais”, complementa a Sra Aoki.

Caputo optou por dividir a sua resposta em três pilares. “Investir em um sistema para precificação dinâmica; não cair em tentação de fechar acordos desvantajosos só em função de volume, e cuidar muito bem de sua equipe”, conclui o executivo.

Ainda falando sobre o menor número de feriados em 2024, a CEO da B&B Hotels Brasil diz que isso também afetará o hoteleiro independente e, por isso, será necessário criar novas demandas. Uma opção, segundo ela, é se aliar a associações locais para criar eventos que movimentem os destinos.

“Também é sempre importante focar na diária média. Para isso, é preciso saber qual tipo de público se recebe no hotel. Assim, o hoteleiro independente consegue personalizar o seu serviço, criar algo mais intimista e que ajude o hóspede durante a sua estada. O cliente busca cada vez mais esse serviço personalizado, que consequentemente fideliza”, acrescenta.

CEOs - Hotelaria_Unna

Karol e Lacerda destacam economia compartilhada

Corroborando com as falas de Caputo e de Chieko, os CEOs de Hotelaria Brasil e Unna Hospitality dizem que, para que um hotel independente consiga competir no mesmo nível de hotéis de rede, é preciso investir de forma “solitária” em equipe especializada e altamente capacitada, tecnologia e fazer boa gestão de todo esse conjunto.

O conselho dos dois é que os hotéis invistam no conceito de economia compartilhada para conseguirem ter acesso aos mesmos recursos que seus concorrentes e tenham paridade de competição com outros empreendimentos.

A recomendação que Renata dá aos hoteleiros independentes envolve fortalecer a presença online, com site profissional e redes sociais bem gerenciadas. “Oferecer um serviço excepcional e personalizado ao cliente, o ‘boca a boca’ e uma excelente reputação online farão muita diferença no resultado do hotel. E neste aspecto, a capacitação de equipes é primordial”, enfatiza a executiva. “Por fim, é importante investir em tecnologia, que proporcionará melhorias operacionais, aprimorando a experiência do cliente e aumentando a eficiência em geral”, conclui a CEO da Nobile. 

Fiuza, por outro lado, foca suas sugestões no gerenciamento de empreendimentos que têm modelos semelhantes ao timeshare. “No que tange a gestão hoteleira, em especial nos empreendimentos que possuem timeshare ou multipropriedade, acredito ser um diferencial competitivo determinante o treinamento focado na abordagem dos clientes durante a estada, para promover os produtos e conectar os clientes com a equipe de vendas de uma forma mais leve”, afirma.

CEOs lucas

Fiuza enfatiza bons treinamentos

“Entretanto, não podemos jamais tirar a atenção do atendimento hoteleiro tradicional, onde a capacidade interpessoal dos colaboradores em bem servir faz toda a diferença na satisfação e consequente fidelização do hóspede”, complementa o CEO da WAM.

Malheiros volta a atenção de seu conselho para os colaboradores. “Em 2024 e sempre, minha maior recomendação para quem está no setor, no que tange a gestão hoteleira e seus desafios, é cuidar bem das pessoas da sua equipe”, enfatiza.

“Reconhecemos que são os membros dedicados da nossa equipe que desempenham um papel fundamental na garantia da qualidade da experiência do cliente. Investir em treinamento, bem-estar e desenvolvimento profissional dos colaboradores é fundamental”, afirma o CEO. “Funcionários motivados e satisfeitos contribuem diretamente para a excelência no serviço e, consequentemente, para o sucesso contínuo da nossa rede de hotéis”, conclui. 

(*) Crédito da capa: iStock

(**) Crédito das fotos: Divulgação