Entre clássicos de Saramago e Garcia Marquez ou de Hemingway e Suassuna, Marcio Lacerda gosta de jogar uma boa peladinha com os amigos para relaxar dos corridos dias do escritório. Ao que tudo indica, contudo, o ano passado foi mais de leitura do que de partidas de futebol. Sem problemas, garante o diretor geral da Hotelaria Brasil, convidado do Hotelier News de hoje (23) na sessão Três perguntas para, que aproveitou o período da pandemia (e de home office) para ouvir coisas músicas e artistas novos.

“Gosto muito de música e tenho aprendido muito com meus filhos sobre novos compositores e outros antigos que não ouvia muito”, revela Lacerda, à frente de uma empresa que detém seis hotéis no portfólio em cinco cidades brasileiras. Na conversa para a sessão, o executivo fez um balanço de 2020, comentou as expectativas para o ano recém-iniciado e deu detalhes sobre novos projetos da Hotelaria Brasil, que vai se aventurar por outro segmento.

“O ano de 2020 foi uma grande surpresa. Estávamos vindo de um período estável de crescimento desde 2019 e nos preparávamos para um grande ano, mas chegou março e, a partir dai, tudo mudou. A parte mais difícil foram as demissões. Em empresas de porte médio, como é o caso da Hotelaria Brasil, todos se conhecem, sabemos das dificuldades de cada um”, revela Lacerda.

“Fato é que estamos em 2021 com o caixa mais fragilizados, com a economia em franca desaceleração, com as famílias mais endividadas e sem acesso às linhas de créditos tão divulgadas, entretanto tão inacessível para a maioria das empresas, emperradas em meio à extensa burocracia governamental, as garantias absurdas exigidas e a falta de recursos financeiros para atender à demanda existente”, analisa.

Três perguntas para: Marcio Lacerda

Hotelier News: Faça um balanço de 2020 para a Hotelaria Brasil? Que foi difícil já sabemos, queremos saber o que se pode tirar de positivo…

Marcio Lacerda: O ano de 2020 foi uma grande surpresa. Estávamos vindo de um período estável de crescimento desde 2019 e nos preparávamos para um grande ano, mas chegou março e, a partir dai, tudo mudou. A parte mais difícil foram as demissões. Em empresas de porte médio, como é o caso da Hotelaria Brasil, todos se conhecem, sabemos das dificuldades de cada um. Nestes caso, o processo de redução de equipe é extremamente doloroso, mas nas condições em que estávamos naquele momento, por mais difícil que tenha sido a decisão, tínhamos que tomá-la. Então, procuramos fazer da forma mais humana possível. Conversamos com todos os colaboradores, explicamos com antecedência quais seriam desligados. Falamos com os que estavam em férias, tudo para evitar que fizessem despesas desnecessária e se planejassem para o período difícil que teriam pela frente. Durante todo o período, apenas em dois empreendimentos os investidores tiveram que fazer aportes, mesmo assim porque em reunião foi aprovado o fechamento temporário dos hotéis. Nos demais, conseguimos equilibrar as contas. No entanto, sentimos a dificuldade, as unidades sofreram bastante, especialmente entre março e maio e à medida que os fundos de reservas iam sendo utilizados, o que nos obrigou a acompanhar o fluxo de caixa futuro diariamente para evitar surpresas. A demora do governo em aprovar o auxilio também contribuiu muito para toda esta dificuldade inicial. A lição que fica é que precisamos nos unir enquanto setor, articular-nos melhor, ter representatividade com os diversos níveis de governo. Assim como outros setores, a hotelaria é muito competitiva, mas, mesmo em meio a esta intensa disputa, precisamos ter algumas metas em comum. Em especial durante toda a pandemia, o FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil) serviu como este intermediador entre o setor e conseguimos grandes vitórias graças à união e engajamento de todos visando ao bem comum. Informações antes privilegiadas foram compartilhadas em um fórum de gestores, negociações foram divididas, a interlocução com o governo foi diariamente acompanhada. Em 2020, ocorreu uma troca tão intensa de informações entre as redes, como nunca tinha ocorrido até então. Esta união do setor ajudou todos a passarem por este período de forma mais leve. Então, acredito que este tenha sido o grande aprendizado: podemos nos desenvolver melhor individualmente quando cuidamos coletivamente do negócio.

HN: E 2021, como será? A luta ainda é pela sobrevivência ou será possível repor perdas de 2020?

ML: Sim, 2021 continua a luta pela sobrevivência. Estamos acompanhando a segunda onda, que chegou mais aguda que a primeira. Não que tenha sido uma surpresa, pois estávamos de olho na evolução nos mercados asiático e europeu. Só que, mais uma vez, nosso governo não se planejou para este período, talvez por ideologia ou mesmo por falta de planejamento adequado. Fato é que estamos em 2021 com o caixa mais fragilizados, com a economia em franca desaceleração, com as famílias mais endividadas e sem acesso às linhas de créditos tão divulgadas, entretanto tão inacessível para a maioria das empresas, emperradas em meio à extensa burocracia governamental, as garantias absurdas exigidas e a falta de recursos financeiros para atender à demanda existente. Para analisarmos quão difícil será repor as perdas, vamos ver um caso prático: um hotel administrado pela Hotelaria Brasil em uma cidade do interior de São Paulo, que em 2014 tinha uma diária média em torno de R$ 321, hoje uma tarifa por volta de R$ 150 e, mesmo assim, não consegue ultrapassar os 50% de ocupação. No período, tivemos sete anos de correção da folha salarial, das tarifas públicas, dos contratos, dos alimentos in natura. E o preço médio cobrado na cidade caiu pela metade. Então, teremos um longo caminho pela frente, primeiro para recuperar os preços médios que caíram muito em função das seguidas crises econômicas e que se acentuou no período da pandemia. Segundo para recuperar a taxa de ocupação média acima dos 60%, nível necessário para um empreendimento hoteleiro conseguir remunerar o capital investido. Se o mercado como um todo não estiver performando, não existe estratégia de yeld management que consiga ser implementada, pois sempre teremos a politica de sobrevivência se sobrepondo ao planejamento de gestão da receita por meio das boas práticas de RM (Revenue Management).

HN: Da última vez que conversamos, a empresa se aproximava cada vez mais do segmento das multipropriedades? Como anda essa história?

ML: Analisando o mercado como um todo, entendemos que alguns conceitos vieram para concorrer com o mercado hoteleiro tradicional. Assim como ocorreu com os táxis, com a chegada da Uber ou com a venda de alimentos processados a partir da criação dos aplicativos de entrega, a hotelaria está em ebulição. Novas formas para explorarmos o mercado chegam a toda hora, quer seja por meio de plataformas de locação de casas e apartamentos, por meio de empresas especializadas em licenciamento de marca e gestão da distribuição online, gestão dos apartamentos com serviços especializados no público jovem, focados em estudantes… só para ficarmos nos exemplos mais comuns. Analisando todas estas novas formas em que estamos envolvidos, escolhemos a multipropriedade para investirmos em paralelo à administração de empreendimentos hoteleiros. Inauguramos nossa primeira multipropriedade em Ubatuba (SP) e estamos no processo de construção de outras duas em Campos do Jordão (SP) e Gramado (RS). Criamos uma empresa nova que se dedicará a este mercado, a Ventura Vacation, e por meio dela estamos fazendo parcerias para a gestão dos empreendimentos. Aliás, essa administração na multipropriedade é completamente diferente. As necessidades dos investidores são diferentes, os clientes chegam com expectativas distintas em relação à propriedade, os canais de comunicação precisam ser altamente eficientes, pois nos comunicamos com uma comunidade de 3 mil a 8 mil pessoas por empreendimento, podendo chegar a 15 mil. Então, gerir este relacionamento, com tantas pessoas ao mesmo tempo, com necessidades diferentes, exige muita dedicação na gestão e eficiência na comunicação.Acreditamos, entretanto, que este mercado, devido a suas características de fomento, será um grande gerador de demandas no futuro próximo.

(*) Crédito da foto: Divulgação/Hotelaria Brasil