Quando a transação foi anunciada, em outubro passado, nossa reportagem brincou ao noticiá-la que a cadeia hoteleira internacional líder no país deveria ficar preocupada. Afinal, com a compra da mexicana Hoteles City Express, a Marriott entrava de vez na briga pelo segmento econômico, perfil dominante dos hotéis no Brasil. Sim, a transação ainda está sob escrutínio de autoridades reguladoras no México, mas a expectativa da gigante norte-americana é, a partir do segundo semestre, começar a “vender” a marca pela América Latina – e o Brasil é um mercado prioritário.

“Até lá (segundo semestre), continuaremos trabalhando na definição da estratégia de expansão e na identificação de possíveis leads, mas o Brasil é um mercado com um fit muito grande com a marca e de grande potencial no Cone Sul”, afirma Bojan Kumer, vice-presidente de Desenvolvimento da Marriott para América do Sul e Caribe, em entrevista exclusiva ao Hotelier News. “Acho que eles (Accor) deveriam começar a olhar o que vamos fazer”, brincou Kumer, quando questionado se a rede francesa deveria mesmo começar a se preocupar.

Mesmo ainda definindo melhor como será o plano de expansão da marca econômica por aqui, Kumer já antecipou alguns caminhos. Por exemplo, é certo que a franquia será o modelo utilizado, o que obriga a Marriott a não só trabalhar na identificação de leads potenciais, como também de operadoras parceiras para administrar muitos dos empreendimentos. E, claro, com o mercado de desenvolvimento em ritmo lento no Brasil, especialmente de projetos greenfield, as conversões são o foco em um primeiro momento, a despeito dos obstáculos impostos pelo Perse.

Kumer também disse que o Brasil é visto como um mercado prioritário não só para a City Express, mas para as demais marcas da Marriott na América Latina. “Diria que, hoje, o Brasil é o terceiro mercado mais ‘quente’ da região, atrás do México e da República Dominicana, que têm os segmentos de resorts e de all inclusive muito movimentados, bastante atrativos e com tarifas e ocupação neste momento acima de 2019”, comenta o executivo.

“Estamos otimistas em crescer por meio de conversões no Brasil, mas nossos concorrentes também estão de olho nisso. No entanto, temos marcas com padrões muito flexíveis, caso da Delta by Marriott, além de ter flexibilizado o de outras bandeiras até mesmo de luxo, como da Le Meridien. Há ainda nossas coleções de hotéis, que facilitam bastante a entrada de propriedades em nossa base”, afirma Kumer. “Estamos agressivos nas negociações para fechar mais contratos”, acrescenta.

Luxo

Se há grande potencial para crescer por meio de conversões e com a City Express no Brasil (por meio de franquia em ambos os casos), Kumer avisa também que o mercado de luxo é outra grande prioridade. “E aqui vamos sempre com contratos full service”, destaca o executivo. E, de fato, as assinaturas mais recentes da Marriott no Brasil reafirmam essa visão, e a lista é considerável.

Marriott - entrevista Bojan Kumer - Maraey

Complexo Maraey é uma das assinaturas recentes

Nela estão o Westin Porto de Galinhas (PE); o Westin São Paulo, numa dobradinha com a Hotéis Deville e único contrato de franquia da lista; o W São Paulo; o JW Marriott São Paulo, conversão do antigo Four Seasons; o W Escapes Gramado; e duas unidades dentro do complexo Maraey, em Maricá (RJ), que envolve outro JW Marriott e a estreia da bandeira Ritz-Carlton Reserve na América do Sul. Vale destacar também que o mega empreendimento nas cercanias do Rio de Janeiro conta ainda com uma terceira propriedade, que será o primeiro hotel temático do Rock in Rio e integrará o portfólio da Autograph Collection.

Em comum (as únicas exceções são hotel do Rock in Rio e o Westin Porto de Galinhas), essas propriedades contam com branded residences, classe de produto imobiliário que vem ganhando espaço no Brasil. “É muito atrativo para os desenvolvedores, com um retorno de investimento mais rápido. Nos últimos cinco anos, o número de assinaturas no mercado de luxo no Caribe cresceu 40% e, em 80% desses projetos, existem branded residences”, afirma Kumer. “E, veja, nossas bandeiras agregam muito ao projeto, elevando em até 30% os preços das unidades nesses projetos do Caribe. É um bônus para os incorporadores, além de gerar um ganha-ganha para todos”, completa.

Agora, se a Marriott tem várias prioridades no Brasil, Kumer aproveitou a entrevista para deixar claro também o que não é. E, apesar de crescer em dois dígitos há pelo menos três anos, a multipropriedade está nesta lista. “Analisamos alguns projetos, mas no momento não temos interesse. Na verdade, até passamos algumas oportunidades”, revela.

Pipeline

Em 2022, segundo Kumer, a Marriott fez 27 assinaturas (cerca de 5,3 mil apartamentos) na região sob sua responsabilidade, nenhuma no Brasil. Para ele, a empresa cumpriu as metas traçadas em mercados estratégicos como México e Caribe, mas reconhece que ficou faltando algo na América do Sul. “Na região, há questões políticas e econômicas influenciando, casos da Argentina, Peru, Colômbia e Chile, onde temos uma presença forte. Aliás, fizemos uma conversão recente importante em Santiago, onde vamos abrir o único Le Meridien da América do Sul”, revela.

Ele revela também que a América Latina tem tido papel importante dentro do plano de expansão da Marriott globalmente, mesmo com o pipeline global desacelerando no mundo. “A região nos ajudou a compensar as quedas observadas na China, em função das medidas impostas pelo governo para conter a pandemia, e na Rússia, onde não operamos mais”, conta Kumer. “Agora, realmente está havendo uma desaceleração global no desenvolvimento de novos projetos, à exceção do Oriente Médio”, diz.

Quando esse ciclo de desaquecimento do desenvolvimento de novos projetos hoteleiro se encerra? Kumer preferiu não opinar, mas a boa notícia é que, a despeito do aumento da taxa de juros no mundo todo e da instabilidade política em várias partes do planeta, a indústria de viagens recupera seus fundamentos após atravessar a pior crise de sua história. O balanço dos principais players do setor, como o da própria Marriott, mostra uma performance próxima ou já superior aos padrões pré-pandemia.

Agora, é só esperar mais um pouquinho que os investimentos voltam – e que bom que uma gigante como a Marriott coloca o Brasil entre seus focos.

(*) Crédito da capa: Divulgação/Hoteles City Express

(**) Crédito das fotos: Divulgação/Marriott International