A hotelaria nacional teve um 2022 positivo, recuperou os níveis pré-pandemia e, mesmo diante de alguns desafios, tem perspectivas otimistas para 2023. No entanto, a despeito de uma inauguração aqui, outra acolá, o mercado atualmente “descarrega” hotéis concebidos antes da crise sanitária. Sim, as incertezas políticas e econômicas globais vem se refletindo no interesse de desenvolvedores imobiliários em investir no setor e, por isso, o sujeito da foto acima terá que realmente procurar um bocado até encontrar novos projetos greenfield no país.

Vale destacar que esse contexto não é exclusividade do Brasil, embora por aqui as coisas sejam sempre mais complexas. Dados recentes da STR mostram que o pipeline global fechou o quarto trimestre de 2022 em queda, no terceiro recuo consecutivo na pesquisa. Numa análise regional, apenas o Oriente Médio/África encerrou o período de outubro a dezembro com crescimento no total de hotéis contratados. Quando se analisa o número de projetos em planejamento, Europa e Américas são as regiões com o maior decréscimo frente aos três meses anteriores, com variação negativa de 3,6% e 13,6%, respectivamente.

Em contato com a reportagem do Hotelier News, executivos de Novos Negócios de operadoras nacionais e alguns dos principais consultores do país referendaram essa visão. Segundo eles, o momento atual de incertezas econômicas e políticas tem afugentado investidores, que vêm preferindo assumir riscos em outras classes de ativos imobiliários. Managing director da JLL Valuation & Advisory Services, Ricardo Mader acredita que o contexto atual ressaltou ainda mais um traço marcante do mercado brasileiro.

“Dificuldade de funding para projetos hoteleiros no país sempre existiu. O mercado se virava e crescia com os condo-hotéis. Agora, esse contexto global de juros altos fez o capital em bancos praticamente secar para novos negócios, que naturalmente imputam mais riscos”, observa Mader. “Vale ressaltar também que, no Brasil, os desenvolvedores imobiliários têm uma percepção de risco maior em relação à hotelaria comparado a outros ativos. Então, hoje, eles depositam suas fichas em outros produtos com menor exposição, em vez de condo-hotel, que era o veículo de financiamento mais usado”, completa.

Avaliação

Executivos que estão permanentemente em contato com investidores e desenvolvedores imobiliários, João Cazeiro, da Atrio Hotel Management, e Sérgio Bueno, da ICH Administração de Hotéis, corroboram as palavras de Mader. Segundo ambos, o mercado está com baixíssimo apetite para novos hotéis neste momento. Projetos greenfield de condo-hotel então… “Esse tipo de produto não está sendo lançado porque, com a Selic no patamar atual, o dinheiro do investidor rende melhor em outro lugar”, resume bem Cazeiro.

Projetos greenfield - matéria desenvolvimento hoteleiro - cristiano vasques

Vasques: custo de obra cresceu e é um fator a mais

“Em alguns lançamentos recentes, os preços de venda dos quartos estavam mais altos do que no mercado secundário, em hotéis já operando. Isso não faz sentido, por melhor que seja o produto”, acrescenta o diretor de Desenvolvimento da ICH. “Em praças terciárias onde não há hotéis de rede e esse produto é uma novidade para os investidores locais, ainda se ouve alguma coisa, principalmente no formato de obra a preço de custo”, completa o diretor de Desenvolvimento de Novos Negócios da Atrio.

Sócio da HotelInvest, Cristiano Vasques concorda com a análise de Cazeiro sobre a atratividade de condo-hotéis em praças terciárias, mas pondera que há poucas praças no país com esse potencial. Ele destaca ainda que outro dificultador para novos projetos hoteleiros no macroambiente econômico atual é o custo de obra.

“No ano passado, o custo de construção cresceu 40% frente a 2019, bem acima do IPCA. Enquanto isso, o RevPar começa a chegar aos padrões de 2019 em termos reais”, comenta Vasques. “Ou seja, o custo de construção cresceu, mas a receita dos hotéis está praticamente igual. Isso é um cenário muito ruim para novos projetos hoteleiros, porque a primeira análise do desenvolvedor é sobre o valor total do projeto, seu retorno de investimento e quanto custa repor”, acrescenta.

Vasques destaca que o patamar atual da Selic torna o ambiente ainda mais desafiador para novos projetos, sobretudo porque outros investimentos estão mais atrativos. “A conta da hotelaria está pior, o que dá uma travada no mercado”, observa. “Ainda assim, estamos bastante ativos na consultoria, mas com uma diferença. Se, no passado, de cada 10 trabalhos que entravam aqui nove eram de projetos novos e um de reavaliação de algo já existente, hoje está meio a meio”, completa.

Lazer x corporativo

Especialista em investimentos hoteleiros, Pedro Cypriano acredita que o cenário atual não é novidade, mas é preciso separar essa análise entre projetos de hotéis corporativos e de lazer. “No primeiro caso, independentemente da taxa de juros, já não tinha tanta coisa ocorrendo em função da perspectiva de desempenho desses empreendimentos”, observa.

“Em 2020, esperava-se que a performance do setor aceleraria depois de um 2019 positivo, com ocupações perto do teto e perspectiva de ganhos na diária média, mas aí veio a pandemia. Então, hoje, um ciclo mais parrudo de investimentos em hotéis corporativos só acontecerá quando o setor melhorar a performance de forma mais consistente”, completa.

Em praças primárias, e mesmo nas cidades de perfil mais corporativo, Cypriano vê um ambiente mais propício para o lançamento de propriedades de luxo, e por uma razão simples: a conta fecha mais fácil. “Basta ver como a diária média desse perfil de hotel subiu desde 2021. Se os projetos ainda contarem com branded residences, a estruturação de capital fica ainda mais viável. Neste formato, investidores institucionais estão de olho, mas é um pouco mais fora da curva”, avalia.

Greenfield - matéria desenvolvimento hoteleiro - Ricardo Mader

Mader: Brasil precisa crescer para ter novo ciclo

O Fasano Itaim é um exemplo recentes desse tipo de produto e do interesse de investidores institucionais. Já Mader cita o Westin São Paulo. “Sim, tem casos pontuais no segmento de luxo, mas acredito também que há muita relação com o perfil do investidor”, comenta o diretor da JLL em referência a Jayme Canet, fundador da Hotéis Deville, que vai operar a propriedade, lançada em outubro de 2021.

Já no segmento de lazer, pondera Cypriano, o cenário foi um pouco diferente, mesmo durante a pandemia. “Houve uma enxurrada de projetos nos últimos anos, a esmagadora maioria via multipropriedade. Agora, neste segmento, juros realmente importam em função do custo da dívida das emissões feitas para viabilizá-los. Ou seja, com esse novo ambiente macroeconômico, é muito provável que haja dificuldade maior para que esse mercado continue crescendo na mesma velocidade”, avalia.

Em resumo, o cenário atual – com juros e custos de obra altos, além de performance em recuperação – torna o apetite por novos projetos hoteleiros tradicionais mais complexo. “Ainda assim, não significa que não haverá”, diz o especialista. Um bom sinal, avaliam todos as fontes ouvidas, é que o desempenho do setor está melhorando, e essa é uma parte vital da equação. “O momento agora é de aceleração de desempenho e valorização dos ativos”, acrescenta.

“Hotel é um negócio de longo prazo. O importante é que, com a recuperação do segmento após a eclosão da pandemia, os fundamentos estão melhorando e continuam bons”, pondera Bueno. “O que estamos animados é que o desempenho melhorou, mas novos projetos não têm benefício do Perse. Então, para estimular um novo ciclo, incentivo fiscal seria fundamental”, complementa Mader.

Para ele, independentemente do cenário e dos desafios, uma coisa nunca mudará na lógica de construção de um hotel. “Para ser bom, o negócio precisa ser bem localizado, ser feito por uma empresa com governança, que não vai morrer no meio do caminho e que por isso conseguirá captar recursos”, afirma Mader. “Projetos assim sempre vão se viabilizar, mas serão em número pequeno. Então, até o Brasil resolver questões macroeconômico, obter rating e ter linhas de financiamento sólidas para o setor hoteleiro, um ciclo forte de construção não acontece.”

Mercado de capitais

Sim, como Cypriano mencionou com precisão, o patamar da Selic influencia bastante, mas, mesmo com a taxa básica de juros no país em dois dígitos, empresas de diferentes setores continuaram apostando em emissões de títulos de dívida no mercado de capitais. Em 2022, segundo números da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), as operações deste tipo de instrumentos de renda fixa somaram R$ 457 bilhões, alta de 6,6% sobre 2021.

Principal título utilizado por desenvolvedores imobiliários do segmento de multipropriedade, os CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) foram grande destaque, movimentando R$ 50,3 bilhões em 2022, expansão de 48,5% na comparação anual. Ao todo, foram 677 operações, contra 623 em 2021. Agora, se o mercado de dívida movimentou tanta grana no ano passado e os CRIs também, por que esse volume não se refletiu na indústria de propriedades compartilhadas? Que tipo de ativos, então, essas transações financiaram?

Projetos greenfield - matéria desenvolvimento hoteleiro - Neto

Neto: condições atuais para emissões estão ruins

Levantamento produzido pela consultoria Quantum Finance aponta que, até agosto de 2022, os CRIs mais negociados do país eram voltados para hospitais, plantas industriais, centros logísticos e residenciais. No entanto, a liderança do ranking cabia a ninguém menos do que o Beach Park, que levantou R$ 282,5 milhões em 6.468 negócios realizados.

Sócio da Beta Advisory e ex-CEO da Aviva, Francisco Costa Neto acredita que o cenário de juros em dois dígitos será permanente para os próximos anos, e não apenas para 2023. Diante disso, algumas classes de produtos terão dificuldade em acessar o mercado de capitais, incluindo multipropriedade.

“O pay back na hotelaria tradicional já era, em média, acima de 10 anos. Neste cenário, portanto, será cada vez mais difícil esse levantamento de capital”, comenta. “No setor de multipropriedade, que vem crescendo acima de 20% nos últimos três anos, as taxas de CRI restringiram a perspectiva do empreendedor. As taxas de emissões atuais inviabilizam muitos lançamentos”, pondera Costa Neto, acrescentando que o segmento de multipropriedade está endividado, o que preocupa.

Na avaliação de Costa Neto, pela forma como os instrumentos de CRI estão estruturados, o risco de não recebimento é baixo, podendo haver negociações. “O maior problema está quando as empresas fazem dívidas e os empreendimentos não trazem experts para analisar as vendas. Na fase de obras, tudo é avaliado, mas nessa outra importante ponta do negócio ninguém se preocupa, mas deveria”, avalia.

Cazeiro segue a mesma linha e acredita que o cenário atual vai ajudar no amadurecimento do mercado de multipropriedade. “O segmento está entrando numa fase de entrega dos projetos lançados antes da pandemia. Só em 2023, a Livá terá cinco inaugurações. Agora, muitos desenvolvedores vão entregar saudavelmente, outros sofrendo mais”, comenta. “Então, hoje, a impressão é que o desenvolvedor que deseja acessar o mercado de capitais precisa ter estudos de viabilidade muito bem estruturados”, comenta. “Para novos projetos, a Selic vai fazer uma peneira natural para os lançamentos”, acrescenta Cypriano.

Novas alternativas

Se o apetite pela hotelaria tradicional está baixo e a multipropriedade tem desafios à frente em um cenário de maior endividamento das empresas e juros altos, como o mercado turístico imobiliário continuará crescendo? Uma das apostas são empreendimentos como o Beyond The Club (BTC), que tem previsão de inauguração para 2025, em São Paulo, e estimativa de R$ 1 bilhão em investimentos.

Idealizado por um grupo formado por BTG Pactual Asset Management, KSM Realty e a Realty Properties, o complexo de lazer inclui pista de skate indoor, simulador de ski, arenas de e-sport, área para lutas, spa, alta gastronomia, hotelaria para sócios e coworking, além de uma moderna piscina de ondas, ocupando a área de 70 mil m² onde funcionava o Transamerica São Paulo, na Marginal Pinheiros.

Projetos greenfield - matéria desenvolvimento hoteleiro - Beyond

Com abertura em 2025, BTC terá R$ 1 bi em investimentos 

 

Costa Neto, por exemplo, diz que na Beta Advisory alguns clientes têm o procurado para projetos similares. Mais ainda, no médio prazo, ele vê esse modelo como o caminho mais viável para a hotelaria de lazer continuar expandindo. “Atrelar a hotelaria e entretenimento em modelos similares a esse será uma das poucas soluções para o setor de lazer. Você recebe antes e entrega depois. Contudo, precisa existir uma responsabilidade, com propósito dentro dos projetos”, acredita.

“Estamos com quatro projetos desenhados para as classes A1 e A2 que devemos iniciar em 2023. É um conceito novo que visa viabilizar o entretenimento em regiões que não comportam parques aquáticos tradicionais”, explica. “Vejo muito potencial por uma série de fatores, entre eles a carência de entretenimento em diversas regiões do país que são polos de desenvolvimento econômico. São praças onde o investimento é mais rápido e seguro”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Olga_Fil/Pixabay

(*) Crédito das fotos: Divulgação