O cronômetro está ligado e em apenas quatro meses as sanções da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) entrarão em vigor. Apesar da proximidade do aval de início das penalidades, tanto o setor jurídico, quanto os consumidores, ainda não estão alinhados às regras estabelecidas pela lei que passou a valer em setembro do ano passado.

De acordo com o Censo Jurídico 2021, desenvolvido pela empresa de tecnologia ProJuris e publicado pela Febraban, 60% dos profissionais da área jurídica têm pouco ou nenhum envolvimento com a nova lei. Já outros 20% acreditam que o tema é uma tendência que merece atenção por parte da categoria.

A quarta edição do Censo contou com a participação de mais de 1 mil profissionais brasileiros, que responderam a questões sobre assuntos como rotina, comportamentos, previsões e desafios para 2021, entre os dias 1º e 28 de fevereiro deste ano.

Para Jonathan Y. Ando Nelson, advogado especialista em privacidade e proteção de dados do escritório Ando Advogados, a falta de alinhamento por parte do setor jurídico se dá pelo tradicionalismo da profissão e pelo fato da LGPD ser uma lei recente em vigor. “Os advogados são tradicionais e a grande maioria já possui uma especialização. A LGPD, por ser uma área nova, não só jurídica, mas multidisciplinar, ainda carece de um conhecimento mais aprofundado, pois tem uma estrutura diferente. Por outro lado, profissionais que atuam com direito digital estão entendidos e preparados para atender os clientes”.

LGPD - pesquisa - jonathan

                       Nelson: Brasil não possui a cultura de proteção de dados

LGPD: uso de tecnologia no setor

Outro fator que colabora com a falta de envolvimento por parte da categoria é o uso de tecnologias na área jurídica. De acordo com o Censo, mais de 60% dos respondentes afirmam não utilizar softwares para monitorar as publicações, o que aponta que a forma de tratar essas informações ainda é manual e obsoleta.

“Muitos advogados não possuem um conhecimento aprofundado em ferramentas e novas tecnologias, mas têm a opção de se adequarem à lei e realizarem programas de conformidade, pois os escritórios também tratam dados de clientes, funcionários e prestadores de serviços”, pontua Nelson.

O advogado também ressalta que profissionais que possuem maior entendimento sobre a LGPD podem oferecer serviços, pois todas as empresas precisarão realizar as devidas adequações. “Vejo que a maioria não está a par principalmente pela lei estar relacionada a tecnologia. Trouxemos o modelo europeu para o Brasil e nos falta cultura quanto ao assunto de proteção de dados”.

O lado do consumidor

Enquanto o setor jurídico tenta conquistar maior proximidade com a LGPD, os consumidores parecem estar ainda mais distantes. Em um estudo desenvolvido pela Boa Vista, empresa de informações sobre crédito, mais de 70% da população não sabem do que se trata o texto. A pesquisa ouviu mais de 500 entrevistados entre os meses de agosto e setembro do ano passado.

Em fevereiro deste ano, outro levantamento, desta vez promovido pela Open Text, aponta que 84% dos brasileiros não checam como as empresas tratam seus dados pessoais. “O maior desafio é promover a disseminação da cultura de privacidade, mostrar como ela é importante e despertar a consciência do direito dos dados pessoais. Quando o Código de Defesa do Consumidor saiu, houve uma revolução na consciência do consumo e hoje as pessoas vão atrás. Acredito que com a LGPD será um processo semelhante, quem sabe até mais rápido”, prevê Nelson.

Impacto da pandemia na lei

Com a chegada da crise, a prioridade de grande parte do empresariado brasileiro passou a ser a sobrevivência dos negócios, o que jogou a LGPD para escanteio. Apesar das sanções começarem em agosto deste ano, Nelson acredita que, em um primeiro momento, setores específicos estarão na mira de fiscalizações.

“Nada impede que as pessoas exerçam os seus direitos perante o Judiciário e órgãos de defesa do consumidor. As multas começam em agosto, porém mesmo não tendo claramente definidas as formas de atuação, acredito que empresas de marketing digital, tecnologia, farmácias e o setor de saúde como um todo podem estar mais visados”, aposta o advogado.

No caso da hotelaria, que compartilha informações com outros players da cadeia turística, pode ser um deles. “Se trata de um dos setores mais afetados pela crise e não me parece que seja um segmento de alta prioridade. Por outro lado, na Europa algumas empresas já foram multadas”.

Vale ressaltar que empresas que ainda não fizeram as adequações devem se apressar. Perante um cenário de crise e caixas minguados, uma multa por descumprimento das normas definitivamente não é bem-vinda. “Existe um teto de multa de 2% sobre o faturamento da empresa no Brasil e limitado a R$ 50 milhões por infração. Entretanto, é sempre bom lembrar que existe todo um processo administrativo, direito de defesa e processos legais”, finaliza Nelson.

(*) Crédito da capa: geralt/Pixabay

(**) Crédito da foto: arquivo pessoal