Como já discutido anteriormente aqui no Hotelier News, a gastronomia segue como o maior desafio para a sustentabilidade hoteleira. A questão é que, para reduzir o impacto ambiental da operação das cozinhas e restaurantes, é necessário criatividade e compromisso. Por este motivo, nossa reportagem conversou com hotéis e especialistas da área para reunir 6 dicas para evitar o desperdício de alimentos, ponto central da problemática.

Mas antes, vale entender que decisões como as que vamos apresentar aqui não apenas salvam o planeta, mas também aumentam a eficiência do departamento de Gastronomia e a atratividade dos empreendimentos.

“Fora economizar nos custos de produção, os clientes também são atraídos por empreendimentos que apoiam a nobre causa”, afirma Vasco Pinheiro, gerente geral do Cana Brava. “Além disso, o hotel também acaba atendendo a alta demanda por alimentos saudáveis e de qualidade, gerando a necessidade imediata dos hotéis adaptarem seus cardápios”, acrescenta.

Para Reila Criscia, é tudo uma questão de consciência dentro da cozinha e reconhecimento da cadeia produtiva. “Todo produto passa por um complexo processo de produção e logística, basta observar por quantas mãos aquele alimento teve de passar para chegar na mesa. É necessário ter maior respeito e reverência pelo alimento, daí parte a sustentabilidade”, pontua a CEO da Anagrama.

6 dicas para evitar desperdício de alimentos

A seguir, você confere seis dicas para evitar o desperdício de alimentos nas cozinhas e restaurantes dos hotéis e resorts.

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Uso integral dos alimentos é essencial, diz Traldi

Cardápio inteligente e uso integral dos alimentos

A primeira e mais importante dica é sem dúvidas o uso integral dos alimentos. Como indica o professor e consultor de Gastronomia hoteleira, Marcelo Traldi, não adotar essa prática é desperdiçar dinheiro. “Se eu compro camarão com casca e cabeça e uso apenas a carninha, estou encarecendo o produto em até 20% do ingrediente total. Só se deve descartar aquilo que não pode ser utilizado em outro prato”, pontua.

“Da cabeça posso fazer um tempurá, e da casca, um caldo. Secando os restos do caldo, eu faço um pó de camarão, que pode ser usado para aromatizar massas, como tortas, croquetes ou coxinhas de camarão”, exemplifica Traldi. “Vale dizer que esta prática pode ser realizada com vários outros ingredientes, incluindo legumes. Basta apenas um pouco de criatividade”, continua.

Reila complementa esta ideia, indicando que é importante desenvolver um cardápio inteligente, no qual cada prato utiliza partes de um mesmo ingrediente. “Do peixe, a única parte que não se utiliza é o rabo. Além das sobras poderem criar um caldo, a pele pode servir de tempero para arroz. Enquanto as aparas das batatas, servidas com as postas de bacalhau, podem se tornar um bolinho”, acrescenta a CEO.

“A flor do brócolis também pode ser utilizada para fazer um arroz, assim como o talo pode incrementar na textura de molhos e cremes. O mesmo vale para todos os tipos de talos e até para o miolo de abóboras congênitas – que também podem ser raladas para refogadinho e outros pratos”, lista Reila. “Essa técnica deixa os cremes e molhos mais saudáveis, reduzindo o uso de manteiga e creme de leite”, pontua.

Práticas de apresentação

Intrinsecamente ligada à primeira dica, esta revela o quão simples e criativas pode ser a prática de reduzir resíduos. Diversos ingredientes, como limão e a abóbora citada por Reila, podem ser ralados no prato para a apresentação. Além disso, a própria forma como o cozinheiro pica um ingrediente pode evitar desperdícios desnecessários, como usar um tubo de PVC para cortar bolos em formas redondas uniformes para reduzir o tamanho das aparas.

Descarte correto

A ideia por trás da sustentabilidade é buscar menos recursos ambientais, reduzindo não só o impacto ambiental, mas também o econômico. Antes de jogar no lixo, por exemplo, Traldi relembra que há ainda a etapa de compostagem, que permite transformar sobras de ingredientes em elementos produtivos para a planta. Esses podem ser utilizados pela horta do empreendimento, se houver, ou pelos fornecedores. Com isso, se cria um ciclo virtuoso que aproveita ao máximo tudo que o produto tem a oferecer.

Fora isso, nesta etapa é fundamental que haja um controle do que é descartado. Carlos Jacobina, gerente geral do Novotel Itu – que tem reforçado as medidas de sustentabilidade da Accor –, conta que o empreendimento investe bastante no gerenciamento do lixo.

“Verificamos e pesamos toda a comida que retorna e todo lixo que é descartado, para termos uma noção do desperdício gerado por cada área do resort. A partir disso, podemos implementar soluções para reduzir os descartes e impactos. Afinal, a única maneira de fechar o ciclo é se esse lixo virar composto orgânico ao retornar para a natureza”, pontua Jacobina.

Chef Eduardo Lage

Lage: boa seleção de fornecedores evita desperdício

Seleção e compra local

Um ponto que poderia ser desconsiderado como forma de evitar desperdícios é a seleção e compra de produtores locais. “Além de apoiar a economia regional, ao comprar de produtores locais, você reduz perdas na cadeia produtiva”, comenta Eduardo Lage, chef do Le Canton. “De bônus, você ainda acaba oferecendo produtos mais frescos e de maior qualidade, incrementando a experiência dos hóspedes e clientes”, acrescenta.

Para isso, também é importante fazer uma boa seleção dos fornecedores, escolhendo aqueles que utilizam de práticas sustentáveis na produção e transporte dos alimentos. Ou seja, como elucida Jacobina, o controle do desperdício vem bem antes da cozinha, desde a escolha dos parceiros.

Trabalhar com a sazonalidade

Outro ponto interessante a se considerar é a sazonalidade dos ingredientes. Com um menu menos rígido e adaptável, é possível trocar frutas no café da manhã e sobremesas. Fora a melhor qualidade do produto, ingredientes que estão em sua época de colheita tem menor chance de serem descartados.

Análise de consumo e gestão de estoque

Todos os últimos pontos não valem se seu hotel não realiza uma boa análise de consumo. “É necessário muito cuidado na seleção de compra e na hora da produção sobre a questão das quantidades que vamos produzir, analisando os perfis de consumo dos hóspedes”, infere Lage. Por exemplo, quando vem mais crianças, ou mais corporativo. Quando sabemos para quem estamos produzindo em detalhe conseguimos atender a demanda evitando desperdícios.”

Thiago Pacos, gerente geral do Meliá Campinas, aponta ainda que, caso um prato não esteja com uma venda satisfatória, deve ser removido do cardápio. “No café da manhã, que é especialmente onde temos um maior desperdício de comida, analisamos quais itens têm uma maior saída e quais não tem. O que sobra é reaproveitado, enquanto os restos dos pratos dos hóspedes são enviados para compostagem”, conta.

Muitos hotéis e resorts oferecem a opção de rechauds para minimizar o consumo exagerado em all inclusives, que costumam gerar maior desperdício. “No caso do Le Canton, trabalhamos com um perfil muito variado. Mesmo tendo cuidado com o consumo, sempre pode variar bastante em buffets. Por isso, desenvolvemos estações em que o alimento é produzido na frente da pessoa. Isso evita desperdício, pois você só prepara aquilo que está para ser servido”, compartilha Lage.

Vale destacar também que é importante ter uma boa gestão de estoque. Além de avaliar ingredientes que são mais ou menos utilizados, é possível mitigar desperdícios, evitando que os produtos passem da validade. “Minha recomendação é o sistema agora chamado de Suflex, que ajuda bastante a gerenciar a validade dos produtos. Inclusive, acabou de entrar no ecossistema de processo de gestão indicado pela Unilever”, finaliza Traldi.

(*) Crédito da capa: simon peel/Unsplash

(**) Crédito das fotos: Divulgação