Com agendas ESG ganhando mais espaço no setor, medidas de menor impacto como redução do uso de plástico, implantação de painéis solares e reciclagem são as iniciativas mais abordadas na hotelaria. Entretanto, essa é apenas a ponta do iceberg, visto que o desperdício de alimentos e a pegada de carbono dos fornecedores seguem como empecilhos operacionais quando o assunto é sustentabilidade. Tema ainda pouco debatido no mercado, o departamento de A&B (Alimentos & Bebidas) é a maior barreira no caminho dos empreendimentos que buscam alcançar índices menos nocivos ao meio ambiente.

Para mitigar os impactos da gastronomia hoteleira, Marcelo Traldi, professor do Senac que também atua como consultor hoteleiro, traz algumas medidas de gestão de resíduos. “Um dos pontos mais importantes é fazer o aproveitamento integral da matéria-prima, ou seja, usar de cabo a rabo um ingrediente que foi incluído no cardápio”, explica. “Você pagou por todo o produto, além de utilizar de um esforço ambiental para gerá-lo. Portanto, utilizar apenas a flor do brócolis e descartar o talo e a folha é totalmente insustentável.”, exemplifica Traldi.

Gerente de Nutrição Corporativa da Hotéis Deville, Elisangela Casagrande reforça que esse tipo de consciência faz parte da criação dos cardápios. “Não há muito desperdício se há uma ficha técnica do prato com a gramagem dos ingredientes”, afirma. “Além de considerar todo o ingrediente, com a supervisão dos nutricionistas, os chefs dos restaurantes da rede desenvolvem menus reduzidos para evitar que alimentos passem da validade.”

Elisangela também conta que na rede há um controle bastante rígido em relação ao estoque. “Além de evitar a compra de quantidades excessivas de alimentos, é crucial priorizar a safra dos mesmos. Com essa prática, se reduz a quantidade comprando sempre os ingredientes da época, além de garantir uma qualidade maior”.

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Aproveitamento integral dos alimentos é essencial, diz Traldi

Buffets e all inclusives

Alimentos não utilizados na cozinha, quase sempre podem ser armazenados para uso posterior. Contudo, os itens  expostos nos buffets de café da manhã ou de all inclusives não podem ser reaproveitados. “Para mitigar esse desperdício, é importante realizar uma análise de consumo per capita, para montar o buffet considerando a demanda dos hóspedes”, acrescenta Traldi.

“O segundo ponto é utilizar utensílios e elementos de apresentação escalonáveis, ou seja, que ofereçam porções individuais para os clientes, como panelinhas, ramequins, finger-foods, entre outros”, lista o consultor. “Além de reduzir um pouco o consumo exagerado, essa prática também permite maior controle do descarte”.

Quando não é possível reduzir mais o desperdício, ambos os especialistas ressaltam a importância de garantir um bom destino para os resíduos orgânicos. Além da composteira, que retorna insumos para o hotel ou a comunidade local, existem outras alternativas. “Na Deville, recebemos coletores que têm liberação para fazer compostagem, principalmente dos resíduos das cozinhas. Dessa forma, garantimos que o destino não seja aterros sanitários”, conta Elisangela.

Hortas

Os produtos resultantes da compostagem podem auxiliar no desenvolvimento de hortas. Mas afinal, compensa mesmo o hotel plantar suas próprias hortaliças? Segundo Traldi, para produzir um volume suficiente para suprir a demanda, é necessário uma horta muito grande. “Mesmo assim, ter um sistema de alimentação do seu negócio é bastante interessante, nem que seja apenas uma parte ou apenas para a alimentação dos funcionários.”

“É sempre bom ter uma área ou teto verde e fomentar hortas comunitárias, que é algo que está ganhando força no Brasil”, relata Traldi. “Não necessariamente para uso do hotel, mas para criar sistemas produtivos alternativos, locais e participativos, quem sabe permitindo que funcionários e membros da comunidade local utilizem sua área ou teto verde para plantar pés de alface”, complementa.

De acordo com Elisangela, a Deville já realizou alguns testes com hortas em algumas unidades que possuem espaço externo. “Pensamos bastante nisso e, embora não haja nada tão estruturado nesse sentido, está nos projetos para a área de A&B da rede”, alega a nutricionista.

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Deville faz um controle rígido de estoque, revela a nutricionista

Sustentabilidade econômica e social

Vale lembrar que sustentabilidade não se trata apenas de questões ambientais, mas também econômicas e sociais. “Em relação à sustentabilidade social, é importante avaliar o que devolvemos para a sociedade em termos de recursos humanos”, salienta Traldi. “Para isso, é interessante estar aberto a empregar e integrar refugiados, pessoas com diferentes gêneros e orientações sexuais, além de deficientes físicos e mentais”, exemplifica.

Segundo o consultor, também é essencial comprar localmente, pensar pequenos produtores e integrá-los em sua rede de fornecimento. “Muitas vezes é necessário os ensinar a emitir notas fiscais, ou mostrar que eles precisam de uma empresa constituída para se desenvolver e atender melhor suas demandas.”

Essa prática não é só por uma questão ambiental e social, mas também econômica. “Sempre procuramos fornecedores locais, pois além de reduzir emissão de poluentes e fomentar a comunidade local, garante um custo reduzido e maior facilidade logística”, continua Elisangela.

Na Deville, a nutricionista destaca que sempre faz uma avaliação de seus potenciais fornecedores, em especial aqueles que mais utilizam ou que abastecem os hotéis de perecíveis. “Ainda que seja uma questão focada em questões sanitárias e de higiene, conferimos pontos extras por práticas sustentáveis, o que pode ser um diferencial na decisão dos fornecedores”, enfatiza Elisangela.

Outras iniciativas

Aproveitando a discussão, Elisangela trouxe uma série de outras práticas sustentáveis que a Hotéis Deville realiza no dia a dia de seus empreendimentos. Entre eles, está a manutenção preventiva, seguindo as orientações dos maquinários. “Essa medida ajuda a garantir que os equipamentos estejam operando no máximo de sua eficiência, evitando desperdícios de energia, água ou gás”, explica.

Também vale ter um olhar atento ao uso de produtos de limpeza. Segundo a nutricionista, é importante utilizar produtos menos agressivos e mais eficientes. “Para higienizar a cozinha, é necessário detergente e cloro. Antes, utilizavamos os dois produtos químicos e muita água. Agora, fazemos o uso de detergente clorado para lavar com um único enxágue”, revela Elisangela.

Qualquer hortifruti que entre na cozinha deve ser higienizado, portanto, muitos restaurantes utilizam produtos clorados. “Estes necessitam que o alimento fique de molho por 15 minutos e toda a concentração deve ser descartada a cada alimento. Desta forma, passamos a utilizar ácido láctido, que permite lavar sete vezes antes de ser trocado”, ressalta a nutricionista.

“Pela legislação, o descongelamento da carne pode ser realizado em água corrente, ou seja, deixar a torneira ligada por mais de 40 minutos”, pontua Elisangela. “Para reduzir o consumo de água, optamos por nunca fazer isso na Deville. A solução disso está no controle de estoque, pois já sabemos o que precisamos tirar do congelador previamente”, finaliza a nutricionista.

(*) Crédito da capa: Ye Chen/Unsplash