Nesta semana, ampliamos o debate sobre a expansão do short-term rental e sobre a estratégia por trás das operadoras hoteleiras em investir na modalidade de hospedagem. Agora, qual categoria de hotel tende a sofrer ou se beneficiar mais com a concorrência do aluguel de curta temporada? Qual segmentação de cliente tende a procurar mais esse tipo de opção? Na sessão Opinião de hoje (29), convidamos Maarten Van Sluys, consultor estratégico e sócio da MVS Consultoria, para responder ao nosso questionamento.


Ao longo do primeiro ano da pandemia e concomitante à retração drástica da atividade hoteleira, em especial nas cidades de demanda prioritariamente corporativa, registramos uma feérica busca por parte de todos os players do negócio – redes, investidores, consultores, desenvolvedores de startups e etc – em buscar alternativas viáveis para suprir o enorme gap deixado pela inesperada e repentina crise – e tudo isso no menor prazo possível.

De imediato a primeira alternativa foi transformar unidades habitacionais em espaços office. Vários empreendimentos adaptaram algumas unidades de seu inventário para a modalidade. A aderência foi baixa, afinal precisamos entender que, com as pessoas trabalhando em home office, onde a adaptação técnica e estrutural não seria complexa, por que o usuário iria recorrer a um hotel na própria cidade para trabalhar? Em especial naqueles destinos já suficientemente supridos por coworkings?

Durante o traumático percurso do restante de 2020 surgiram mundo afora, e igualmente no Brasil, as plataformas estruturadas com tecnologia de ponta via aplicativos e portais amigáveis de short-term rental. Maturada a ideia, testemunhamos agora a adesão, em forma de joint venture, diversas redes hoteleiras se inserindo na modalidade. Nestas, a proposta é unir forças entre as marcas hoteleiras e sua capacidade instalada a referidas novas soluções, estas com suas identidades próprias.

Penso que trata-se de uma alternativa adotada com o intuito de promover a sobrevivência de centenas de hotéis e flats hoje pouco demandados e, portanto, com ociosidade de operações. Com absoluta certeza o sucesso de cada projeto está vinculado a características específicas e que se adaptem a possível busca para a locação. Em especial, a localização, características construtivas e a assertividade comercial na busca pelo “novo” cliente. De maneira geral, entendo que vai se torna uma diversificação de negócio interessante para determinado número de propriedades, mas nunca para todos que entrarem no negócio.

O desafio do momento inicial é levar aos proprietários e investidores à compreensão exata do modelo, seus parâmetros comerciais – como taxas cobradas e possíveis investimentos de adequação – e, em especial, a estruturação jurídica do novo negócio. Uma vez vencida esta etapa será preponderante que as redes e hotéis independentes capacitem suas equipes comerciais a vender o novo produto, repensar suas estratégias de CRM (Customer Relationship Management) e esmiuçar os nichos de mercado nos quais poderá estar o futuro cliente para o empreendimento. Em linhas gerais ele, não será exatamente aquele os quais os hotéis estavam habituados a prospectar. A interação junto as corretoras de imóveis, administradoras de condomínios residências e comerciais será uma boa estratégia. Segmentos outrora díspares passarão a atuar em sinergia e, para isso, paradigmas clássicos do setor hoteleiro precisarão ser revisitados.

 

Maarten Van Sluys - fatia do short-term renal_interna

“Desta forma, o segmento mais ofertado da hotelaria, o midscale deverá reunir as melhores condições de adaptação aos modelos em voga, em especial por também estarem em uma espécie de ponto de equilíbrio entre o novo produto ofertado versus valor cobrado pela hospedagem em sistema de locação de curta, média ou longa duração.”

Maarten Van Sluys, consultor estratégico e sócio da MVS Consultoria Hoteleira

 

Entendo ainda que, informalmente, a rede hoteleira em inúmeras cidades, em especial capitais, já adota a locação temporária como alternativa em curso. São muitos os condo-hotéis onde o número de apartamentos pertencentes ao pool de locação caíram significativamente. Nestes casos as unidades habitacionais foram locadas diretamente para moradores temporários predominantemente por prazos médios e longos, sempre em contratos firmados direto com o proprietário, sem maiores burocracias e exigências de garantias substanciais. Os valores dessas locações caíram em relação as que eram praticadas em menor número antes da pandemia. Nesses hotéis, a estrutura de outrora já foram drasticamente reduzidas e os custos adaptados à realidade das receitas possíveis. Felizmente, a hotelaria brasileira é ágil na busca por sua sustentabilidade.

Importante entender como será ainda a coexistência da atividade também com o mercado de locação residencial, em especial no comparativo jurídico e tributário, ante as notórias diferenças entre ambos no entendimento dos órgãos públicos, alvarás, cálculos de valores venais para efeito de IPTU, cobrança de tarifas públicas (como energia, água e esgoto) e também as plataformas já conhecidas de locação por temporadas curtas ou longos, caso do Airbnb. Crescentes as alternativas e nomenclaturas de mercado, restará saber se teremos demanda para todos e, caso sim, em quais quantitativos.

Os hotéis mais procurados são exatamente aqueles situados em locais com atrativos para a moradia, que dispõe da contratação de serviços eventuais (pay per use), apartamentos com metragem mínima necessária, opção de fornecimento de alimentação, boa segurança patrimonial e tecnologia embarcada em nível qualitativo similar ao existente em suas moradias de origem.

Vejo o segmento budget menos atrativo em virtude das normalmente reduzidas áreas privativas e poucas opções de serviços agregados. Para o segmento luxo, na outra ponta, enxergo um problema inverso, já que o alto custo de operação e o capital investido na montagem exercerão pressão sobre os preços dos valores a serem cobrados. Desta forma, o segmento mais ofertado da hotelaria, o midscale deverá reunir as melhores condições de adaptação aos modelos em voga, em especial por também estarem em uma espécie de ponto de equilíbrio entre o novo produto ofertado versus valor cobrado pela hospedagem em sistema de locação de curta, média ou longa duração.

Antevejo ainda que ao longo dos próximos cinco anos, quando pouco a pouco os negócios voltarão algo similar ao “velho normal”, alguns empreendimentos inseridos nas novas plataformas retornem à atividade hoteleira clássica como resultado da própria necessidade de mercado. Dessa forma, entendo que cada novo projeto de adaptação seja profundamente analisado por consultoria e assessoria competente e conhecedora das nuances antes da adoção do sistema e que traduzam aos gestores e investidores de cada hotel a sua perfeita relação de rentabilidade prometida versus rentabilidade factível.

Resumindo minha reflexão a respeito: o novo negócio será bom para alguns, sobrevida para muitos e inócuo para outros.

(*) Crédito da capa: Pexels/Pixabay

(**) Crédito da foto: Arquivo pessoal