Pandemia, falta de demanda, demissões em massa e apagão de mão de obra. Os últimos anos formaram um cenário propício para gerar uma “tempestade perfeita” no setor hoteleiro. É verdade que os hotéis já enxergam o arco-íris, mas algumas sequelas da crise ainda podem ser sentidas. Os cortes de pessoal e enxugamento de custos, por exemplo, levaram a um cenário generalizado de recuo na qualidade dos serviços, com reclamações crescentes nas principais plataformas de avaliação.

Com a performance do setor em viés de alta, essa questão passa a ser ainda mais estratégica para operadoras, hotéis independentes e pousadas. Sim, estamos diante de um problema que precisa ser resolvido urgentemente, sob risco das conquistas recentes – em termos de desempenho – serem afetadas. Então, em busca de uma solução, é vital darmos uns passos para trás e se perguntar: que outros fatores levaram à queda de qualidade?

Antes, alguns números ajudam a confirmar a tese inicial deste texto. Dados da TrustYou, por exemplo, mostram que, no recorte nacional, o índice geral de qualidade da hotelaria teve queda de 1,61% entre 2019 e 2022. A avaliação do serviço entregue pelo setor, por sua vez, cedeu 1,45%. Parece pouco, mas é preciso levar em consideração que os consumidores estão mais exigentes. Mais ainda, piores reviews podem ser o fator decisivo para o seu hóspede voltar ou não – e muitas vezes sabemos que é.

“Essa queda pode ser atribuída, pelo menos em parte, ao impacto da pandemia. A indústria da hospitalidade enfrentou desafios sem precedentes durante esses tempos, incluindo fechamentos temporários, redução de pessoal e mudança de protocolos de segurança”, comenta Emmanuel Richter, Senior Key Account & Business Development manager da TrustYou, em entrevista ao Hotelier News.

“Apesar dos enormes esforços feitos pelos hotéis para se adaptar e oferecer um ambiente seguro para os hóspedes, o índice geral de qualidade foi afetado, caindo de 85,32 pontos em 2019 para 83,96 em 2022. Muitas das vezes, essa insatisfação acontece pela expectativa versus realidade de serviços recebidos, em comparação aos preços cobrados pela hotelaria”, completa o executivo.

Para Carolina Haro, sócia da Mapie, a pandemia fez muitos hotéis abrirem mão de recursos humanos importantes, com equipes treinadas e amadurecidas que sabiam lidar com os processos. “Os colaboradores que chegaram se depararam com um momento diferente. Como o segmento é pautado pela força de trabalho humana, trata-se de um fator de extrema importância a ser considerado”, avalia.

E tal esvaziamento gerou um efeito dominó. Com profissionais capacitados longe dos hotéis, absorver novas pessoas se tornou um desafio ainda maior. Com escalas pesadas de trabalho e salários minguados, as gerações mais jovens parecem não estar nem um pouco interessadas em tapar os buracos deixados pela crise. “É uma questão que precisa ser repensada. Em empreendimentos de lazer, a demanda já alcançou os níveis de 2019 e os hotéis precisam de pessoas para entregar um serviço de qualidade”, afirma a sócia da Mapie.

Analisando o cenário

Richter pontua que, com todas as mudanças que aconteceram durante e depois da pandemia, uma que é vista com bons olhos é o aumento do índice de interação dos hotéis com os comentários escritos online. O indicador subiu de 35% para 40% entre 2019 e 2022. “Isso demonstra que muitos hoteleiros passaram a encarar de outra forma a importância do processo de gerenciamento de sua reputação online. Isso porque houve também uma elevação significativa no número de avaliações negativas”, ressalta.

Hotelaria - Emmanuel_Richter

Richter fala de mudanças positivas no cenário

Em 2019, 12,9% das 807.773 avaliações online recebidas pela hotelaria eram comentários negativos. Em 2022, o total de feedbacks caiu para 788.053, mas o percentual de avaliações negativas teve alta de 15,1%. “Os viajantes estão cada vez mais críticos a respeito da qualidade dos serviços entregues nesse setor e, diferentemente dos outros anos, acabam tendo muito mais acesso à tecnologia e aprendem a pesquisar online por aquilo que realmente lhes interessa”, analisa Richter.

“A boa notícia é que, em 2023, esses números já apresentam sinais de melhora, pelo menos nos quesitos Desempenho e Serviço. Apesar de dar melhores pontos aos hotéis em 2023, os viajantes ainda não enxergaram que os preços cobrados refletem a qualidade do que está sendo entregue a eles durante a estada”, completa.

Até o momento, o desempenho soma 84,68 pontos, já superando os 83,96 de 2022. O quesito Serviço segue a mesma tendência, chegando a 84,41 pontos, ficando acima dos 83 apontados no ano passado. No recorte regional, Roraima foi o estado mais afetado pela pandemia, com queda de 4,51% no desempenho, indo de 84,98 pontos para 81,31 de 2019 para 2022. No item Serviço, a queda foi menos expressiva, de apenas 0,50%. No sentido oposto, o Rio Grande do Sul foi a unidade da federação com retração menos evidente no desempenho, de 0,36%. Com isso, o estado foi de 86,32 pontos para 86,01 no período.

Em relação ao sentimento de grupo, os quesitos que respondem pela maior quantidade de menções negativas nos serviços são Recepção (32%), Profissionalismo do Serviço (11%) e Simpatia no Atendimento (6%). Já quanto ao tipo de empreendimento, os hostels (16%), hotéis românticos (14%) e hotéis resort (10%) têm a maior quantidade de menções.

Os dados mostram que as áreas mais mal avaliadas são aquelas que demandam interação direta com o cliente. Nestes pontos de contato, a queda na qualidade fica mais evidente e geram mais (ou menos) percepção de valor da perspectiva do hóspede. “A governança, por exemplo, sofre com a falta de profissionais, mas a entrega chega. Os empreendimentos precisam qualificar e capacitar os colaboradores dessas áreas em uma reciclagem constante”, analisa Carolina.

carolina haro

Cliente está pagando mais por menos, diz Carolina

Expectativa x realidade

Do ponto de vista do cliente, outro fator de peso para a queda nas avaliações é a percepção de valor. Após amargar diárias médias aquém do esperado, a hotelaria voltou a subir suas tarifas, em um movimento mais do que necessário. Agora, será que o serviço oferecido é diretamente proporcional aos valores pagos pelos hóspedes?

“O cliente percebe uma relação custo-benefício muito menor. Eles estão pagando mais por uma entrega igual ou inferior em qualidade. Os hotéis precisam ter clareza de produto, saber quem é seu público e oferecer serviços específicos e adequados à expectativa”, salienta Carolina.

Ajustar a entrega ao que está sendo cobrado é uma linha tênue entre a fidelização e uma avaliação ruim. Se a diária média subiu, o serviço precisa melhorar, até porque a inflação que “justifica” a alta nos preços das tarifas também afeta o bolso do consumidor. “O cliente percebe que está pagando mais e recebendo menos. Em um cenário tão competitivo, perder uma reserva futura é fácil”, alerta a sócia da Mapie.

Para alinhar os ponteiros, o departamento de RM (Revenue Management) desempenha uma função ainda mais estratégica. O hotel deve saber qual sua proposta de valor frente à concorrência não apenas dentro de sua cesta competitiva primária, mas também em nível nacional.

“O RM deve estar conectado à operação para entender o que é real na entrega. Quando falamos em viagens, principalmente as de lazer, o cliente tem um país inteiro, e às vezes outros países, para escolher onde quer se hospedar. Por isso, é fundamental desenhar o produto certo com o preço adequado para que o valor cobrado faça sentido”, finaliza Carolina.

* Colaborou Lucas Barbosa

(*) Crédito da capa: athree23/Pixabay

(**) Crédito das fotos: Divulgação