Apagão de mão de obra é um assunto em voga na hotelaria. Em algumas posições, já não se fala nem mais da ausência de trabalhadores qualificados, mas de postulantes às vagas. Do ponto de vista dos empregados, pelo que a reportagem do Hotelier News já ouviu no mercado, os baixos salários e a jornada seis por um estão entre as principais causas desse fenômeno. Enquanto mudanças no primeiro ponto envolvem uma série de questões, como a melhora consistente dos resultados dos hotéis, no segundo talvez os ajustes necessários sejam mais viáveis. A matéria é longa, mas vale a leitura!

Certo é que, enquanto a hotelaria debate uma eventual mudança na escala de trabalho, migrando para um modelo cinco por dois, empresas de diferentes setores no exterior já testam um regime de apenas quatro dias por semana no batente. Na Espanha, em consequência dos efeitos da pandemia, a Telefónica inaugurou a prática em meados de 2021. Outras organizações no país também aderiram, conta reportagem da Folha de São Paulo, não sem gerar inúmeros debates no país ibérico.

Jornada - mudança para 5 x 2 - interna

Na Espanha, jornada melhor vem sendo testada

Em entrevista ao jornalista Ivan Finotti, da Folha de São Paulo, Ana Arroyo conta que um dos principais benefícios da implementação da jornada quatro por três foi a melhoria do clima de trabalho. “Estamos convencidos de que um trabalhador feliz é um trabalhador mais produtivo e, portanto, fará a empresa crescer”, avalia a executiva, responsável pela seleção e desenvolvimento de pessoas na Delsol, uma fabricante de software com 180 funcionários baseada na cidade espanhola de Mengíbar, na Andaluzia.

Se o percentual de turnover é um dos primeiros indicadores que empregadores analisam para começar qualquer debate sobre mudança na jornada de trabalho, produtividade é outro. Isso porque ambos dão uma boa visão sobre o clima organizacional. Ana conta, entretanto, que a Delsol vem observando outros índices. “A produtividade nem sempre é diretamente observável. Os melhores indicadores para conhecer nossa produtividade têm sido o faturamento anual, que cresceu quase 30% referente ao ano de 2021. Outro é a pesquisa de satisfação de nossos clientes, que fazemos anualmente, na qual a pontuação média tem sido 8,91 em 10”, revela.

Ana esclarece ainda que, mesmo com essa nova escala, o escritório da Delsol continua funcionando normalmente de segunda-feira a sexta-feira. Em resumo, o que a empresa espanhola fez foi distribuir os dias de trabalho de cada colaborador, com todo mundo folgando em um dia na semana. “Implementamos um rodízio de folgas e todos os dias temos uma redução de 15% do quadro de funcionários. Isso é difícil de gerenciar quando eles precisam tirar licença médica ou qualquer tipo de ausência fora desse rodízio”, afirma a executiva da Delsol, acrescentando que outro desafio é o time fazer o mesmo nível de entrega com menos gente.

Modelo permanente?

Outros países também têm implementado o modelo com bons resultados. Segundo a Folha de São Paulo, pesquisa recente de um grupo de universidades norte-americanas e europeias mostrou que, entre 33 companhias que assumiram jornada quatro por três, nenhuma planejava voltar à escala antiga. Em paralelo, de acordo com o estudo, muitas dessas organizações apresentaram ganhos de produtividade e crescimento de faturamento.

Agora, não há como não se questionar sobre uma coisa: funcionários de empresas como a Delsol estão trabalhando menos e ganhando a mesma coisa? Na Espanha, por exemplo, a jornada de trabalho máxima permitida por lei é de 40 horas semanais, embora exista espaço para horas extras. Então, com a redução da jornada para quatro dias, abrem-se três opções para empregados e empregadores:

  • Dividir as 40hs semanais por quatro dias, em vez de cinco, com manutenção dos salários. Força de trabalho atuaria por 10hs diárias, em vez de 8hs.
  • Trabalhar quatro dias semanais, com redução da carga horária semanal e do salário de maneira proporcional.
  • Trabalhar quatro dias semanais, sem redução da carga horária diária e sem mexer na remuneração.

A Delsol, por exemplo, decidiu reduzir a jornada sem mexer no bolso do colaborador. “A implementação da medida foi muito bem recebida pela força de trabalho, porque eles foram trabalhar menos horas por semana, mantendo o mesmo salário. Sempre consideramos isso como um reinvestimento”, diz Ana Arroyo à Folha de São Paulo.

No caso do país ibérico, para todas essas opções, um acordo coletivo com os sindicatos seria suficiente para colocar em prática qualquer uma das alterações. Independentemente da escolha, María José López Álvarez, Professora de Direito do Trabalho da Universidade Pontifícia Comillas, em Madri, coloca uma questão importante para que as empresas se abram à possibilidade de reduzir a jornada: produtividade.

Para ela, ainda não está claro se todas as organizações conseguem manter a entrega reduzindo as horas de trabalho sem mexer no bolso dos colaboradores. “As horas poderiam seguramente ser reduzidas se os trabalhadores pudessem ser mais produtivos, mas para isso teria de haver progressos em uma mudança de cultura”, avalia María, que tem certeza de uma coisa: “Os trabalhadores não veem com bons olhos a redução de seus salários, mesmo que seja em troca de trabalhar um pouco menos”, completa.

E na hotelaria?

Ao trazer exemplos e a experiência de outros países e setores, a intenção era debater com maior profundidade uma possível redução na jornada de trabalho na hotelaria. Obviamente, não se fala em um modelo quatro por três, até porque os hotéis são dos poucos estabelecimentos comerciais que funcionam 24h por dia e 365 dias por ano. No entanto, não há dúvidas que a resposta da pergunta do título da reportagem é sim.

Coordenador da Capih (Comissão de Administração de Pessoal da Indústria Hoteleira), Daniel Battistini também acha possível. Além disso, concorda com a professora espanhola de que uma mudança de cultura é fundamental. “Sabemos da existência de projetos pilotos na hotelaria brasileira. Pelo que ouvimos, foram processos de mudança complexos. Os hotéis que tiveram sucesso na implementação da escala cinco por dois colheram resultados positivos, como queda da taxa de turnover e maior satisfação do colaborador”, conta.

Jornada - mudança para 5 x 2 - Daniel Battistini

Battistini: hotéis brasileiros já fizeram pilotos

Segundo Battistini, os hotéis que tentaram implementar a escala cinco por dois seguiram uma das três opções “espanholas”. “A mudança não alterou as 44hs semanais trabalhadas, sendo feita uma mudança na metodologia da escala”, explica. Ou seja, o colaborador manteve seu salário e trabalhou mais horas por dia. “Em vez das 7hs diárias, um pouquinho mais: um total de 8h14 para compensar a segunda folga semanal”, acrescenta.

O representante da Capih diz que essa adaptação no número de horas trabalhadas gerou resistências em alguns setores do hotel. “Algumas pessoas estão acostumadas a sair em um determinado horário. Mais ainda, organizam seus compromissos pessoais, como pegar os filhos na escola, para isso. Por isso a resistência”, explica Battistini.

“É uma questão de cultura interna”, continua o profissional, acrescentando que, para implementar essa mudança, não há necessidade de acordo coletivo com os sindicatos. “É uma decisão que envolve apenas o empregador e seus empregados”, completa.

O outro ponto crítico envolve uma decisão das empresas, e pode esbarrar no aumento de custos: produtividade. No caso dos hotéis, talvez seja necessário ampliar o quadro de funcionários, já que a contratação de extras pode impactar na entrega final ao consumidor. “Ou seja, para que o modelo cinco por dois funcione, é preciso que a escala seja muito bem gerida para não gerar aumento de quadro”, afirma o coordenador da Capih.

Novamente, é possível colocar em prática esse modelo? Sim, mas uma mudança de cultura é necessária dos dois lados da equação. O empregador tem que entender que o novo modelo de escala traz mais benefícios para a operação, mesmo que implique inicialmente em aumento de custos. Já o empregado deve compreender que, para manter seu salário e folgar mais um dia, é necessária se adaptar a uma nova rotina de trabalho, porque poucos tendem a querer ver seus rendimentos caírem.

E você? Está disposto a tentar?

(*) Crédito da capa: Peter Kutuchian/Hotelier News

(**) Crédito da foto: antonytrivet/Pixabay

(***) Crédito da foto: Divulgação/Capih