O anúncio, semana passada, causou burburinho. O comunicado divulgado na imprensa destacando a base de 3 mil quartos contratados e a expetativa de atingir 1 milhão de hóspedes nos próximos 12 meses também. Adicionando-se um novo aporte dos investidores na nova empresa surgida com a fusão de Casai e Nomah, nascia ali a maior plataforma de short-term rentals da América Latina. Um golaço, certo? Bem, às vezes as coisas não são realmente como tentam te convencer.

De fato, como dizem os melhores advogados, toda e qualquer história tem sempre três versões: a da defesa, a da acusação e, claro, a verdadeira. Qual delas contaremos a partir de agora, fica a critério do leitor avaliar, mas vamos relatar o que ouvimos de diferentes players da indústria de hospitalidade no Brasil. Ligando as informações que relataremos ao longo do texto, é possível tirar suas próprias conclusões.

Antes de tudo, é importante destacar que Casai e Nomah são marcas reconhecidas no mercado de short-term rentals do país. As duas trilharam trajetórias de expansão marcadas por aportes financeiros de investidores que acreditaram no segmento e na perspectiva de escalar o modelo de negócio de ambas. A plataforma mexicana, por exemplo, levantou uma rodada de financiamento da Série A de US$ 48 milhões em 2020, enquanto a proptech brasileira captou R$ 50 milhões com a Loft no ano seguinte.

Aliás, as duas plataformas têm investidores em comum, o que facilitou – e muito – o M&A (Merge & Acquisition) anunciado na semana passada. São eles: a16z (Andressen Horowitz) e a Monashees, que não investiram diretamente na Nomah, mas na sua controladora Loft. Com a fusão, pelo que foi divulgado e confirmado pelo Hotelier News com fontes próximas à negociação, a nova empresa ganhou mesmo um reforço de capital. Ou seja, tem dinheiro novo no caixa!!

Casai-Six-Stays

Casai adquiriu unidades da Six Stays em São Paulo

Perguntas em aberto

Normalmente, duas questões ficam logo claras para o público após o anúncio de qualquer M&A: quem comprou quem e qual marca prevalecerá (ou sobreviverá) dali em diante. Em relação ao primeiro ponto, até em função dos investidores em comum, isso não ficou totalmente esclarecido no acordo entre Casai e Nomah. Já em relação ao segundo, quando questionados pelo Hotelier News, Nico Barawid e Thomaz Guz, disseram que ainda não há uma definição.

“Pelos próximos meses, trabalharemos no processo de integração das duas empresas e, durante essa fase, continuaremos usando as duas marcas”, revela Guz, um dos fundadores da Nomah. “No curto prazo, nossa maior prioridade durante essa etapa de integração é manter as duas marcas funcionando em paralelo para servir nossos clientes e proprietários parceiros, de forma a garantir que continuem se beneficiando dos nossos serviços”, completou Barawid, cofundador do Casai, destacando que, dentro da indústria de hospitalidade, muitas companhias usam variados tipos de arquitetura de branding, o que é uma verdade.

Para fontes ouvidas pela reportagem, o raciocínio de que apenas uma marca sobreviverá é seguro e bastante possível, e com um nome bem definido para restar: Casai. Para embasar essa teoria, eles alegam que a plataforma mexicana teria um valuation superior, além de maior reconhecimento de marca nos dois mercados-alvos do momento (México e Brasil). Em relação ao outro tema, a dúvida persiste, mas todos concordam em um ponto:

“A transação foi um bote salva-vidas para as duas empresas, e mais ainda para a Casai, que não obteve sucesso na busca por novas rodadas de investimento. A fonte secou no exterior com o aumento da taxa de juros nos EUA, o que impactou todo o ecossistema de tecnologia no mundo, e a empresa se viu obrigada a reduzir de tamanho”, disse uma fonte próxima às negociações, que corroborou o conteúdo de um artigo recente da Bloomberg. “As más línguas dizem até que os investidores deixaram as duas marcas se afogarem para resolver dois problemas de uma vez só”, completou.

Perguntado sobre a dificuldade para escalar o modelo operacional do segmento de short-term rentals, que precisa de escala para se viabilizar mais rapidamente, e o cenário retratado pelo artigo da Bloomberg, Barawid reconheceu que o segmento é desafiador operacionalmente, mas negou as dificuldades retratadas pela matéria do portal norte-americano.

“Primeiro, obrigado por nos deixar contar o nosso lado da história, e esse lado é muito positivo. Nós tivemos resultados excelentes nos últimos 18 meses, com ocupações nunca abaixo de 85% e a diária média crescendo sistematicamente tanto no México, quanto no Brasil. Então, se você olhar para os fundamentos do negócio, estivemos muito bem”, disse. “Além disso, nossos atuais investidores sempre apoiaram nosso crescimento futuro e é por isso que deram suporte também para esse M&A, o que encaro como um selo de confiança no nosso caminho”, completou Barawid.

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Nomah apostou em parcerias com incorporadoras

Problemas de gestão e de expansão

Antes de tudo, confiamos nos dados citados por Barawid, mas, mesmo sendo verdadeiros, eles não são capazes de garantir 100% a sustentabilidade do negócio. Isso porque, segundo fontes ouvidas pela reportagem, a Casai optou por uma estratégia muito agressiva na busca por escala, pautada por aquisições da carteira de concorrentes e por modelos de contrato bastante arriscados. Já a Nomah, buscou uma expansão mais orgânica, buscando parcerias com incorporadoras, mas, mesmo assim, encontrou muitas dificuldades para tornar o negócio rentável.

“Então, enquanto havia dinheiro, o Casai cresceu rápido a base. Quando a fonte secou, as dificuldades vieram à tona”, disse uma das fontes, que preferiu não se identificar. “Além das aquisições, muitos dos contratos fechados foram no modelo de master rentals, que pode ser comparado a um arrendamento, com garantia de receita para os proprietários independentemente do resultado. Se afasta concorrentes com facilidade e garante escala com rapidez, imputa um risco muito grande à operação”, completou.

Essa mesma fonte conta que, hoje, as principais concorrentes do mercado optam por contratos muito similares aos da hotelaria, com remuneração aos investidores a partir de um percentual da receita ou do resultado final. Ou seja, sem tanto skin in the game, como gostam de falar no mercado hoteleiro. Em função disso, as fontes de mercado ouvidas na reportagem duvidam muito do tamanho do inventário da nova empresa, de 3 mil apartamentos contratados, sendo 1,6 mil operacionais no Brasil e no México.

“Recentemente, a Casai perdeu sua maior operação no mundo para a Tabas, que era condomínio Landing Campo Belo, em São Paulo. Só ali são cerca de 200 apartamentos. Em paralelo, a empresa está desesperada tentando se desfazer desses master rentals, o que nos leva a crer que, se o inventário atual é do tamanho que eles garantem, certamente não será muito em breve. Na verdade, a inflada nesses números passa a sensação de que a empresa quer vender um valuation maior para o mercado.”

Então, voltemos ao começo do texto: toda história tem sempre três versões. Não estou garantido a vocês que a nossa é a verdadeira, mas a ênfase dada por Barawid e Guz em suas respostas à reportagem sobre os esforços de integração e melhorias de gestão após a fusão visando à sustentabilidade do negócio deixam claro que, no mínimo, ajustes de rota precisam ser feitos internamente. Vamos acompanhar e ver as cenas dos próximos capítulos.

(*) Crédito das fotos: Divulgação