O pedido de recuperação judicial da 123 Milhas foi aceito na última quinta-feira (31), pela Justiça de Minas Gerais na 1ª Vara Empresarial de Comarca de Belo Horizonte. A exposição do documento, entretanto, trouxe novos detalhes sobre a real situação da empresa, sua extensa lista de credores, além de uma trajetória minuciosa de como a OTA chegou onde está. 

De acordo com especialistas em reestruturações de empresas, a crise da companhia foi plantada em solo de aposta inocente em um futuro cenário positivo, sem manter um fluxo de caixa operacional saudável, segundo divulgado pela Bloomberg. A lista de credores, que foi tornada pública no processo de recuperação judicial, apontou mais de 700 mil pessoas, em sua maioria consumidores.

A 123 Milhas revelou números muito piores que o esperado, e a companhia é alvo de 16 mil ações judiciais cujo valor de causas que, juntas, somam R$3,8 milhões.  “A empresa vendia uma passagem aérea com um preço abaixo do mercado (Programa Promo 123), ficava com o dinheiro e comprava esta passagem (com milhas de outros clientes) 10 dias antes da sua viagem, correndo o risco de pagar um preço maior ou menor”, disse Júlio Damião, presidente do IBEF-MG (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de Minas Gerais), em post no LinkedIn. “Em finanças, isto se chama especulação (opções de ações); em negócios, se chama ‘não fazer hedge’ (fazer importação sem ‘travar’ o dólar, apostando que a cotação não vai subir até o dia do pagamento)”, explicou o especialista.

O “descasamento” de caixa chegou a R$ 2,3 bilhões, valor apontado da causa no pedido de recuperação judicial. O presidente do IBEF-MG destacou que a 123 Milhas “financiou a sua operação ineficiente através de juros de recebíveis a 0,3% ao mês, e, quando passou para 1,5% ao mês, a água começou subiu no pescoço”.

A compra da concorrente MaxMilhas, no início do ano, reduziu ainda mais o caixa da empresa. “Tentaram fazer o que as fintechs em dificuldades fizeram, buscar um investidor ou fundo para conter a sangria do caixa, e ofereceram 30% da empresa a R$ 100 Milhões”, escreveu Damião. Mas não obtiveram sucesso.

Expectativa x realidade

De acordo com a empresa, os estudos de implementação do programa Promo123 apontaram que, ao adquirirem passagens aéreas por valor promocional, os clientes consumiriam, também, outros produtos no site, como hospedagens e traslados. Isso não aconteceu, conforme aponta o artigo da Bloomberg.  “Nesse contexto, a 123 Milhas se viu impossibilitada de emitir passagens aéreas, pacotes de viagem e seguros adquiridos pelos clientes do Programa Promo123, especialmente nos prazos contratados, motivo pelo qual entendeu por bem retirar o Programa Promo123 do ar e buscar, por meio do presente pedido de recuperação judicial, cumprir tais obrigações de forma organizada”, apontou a companhia no documento.

A 123 Milhas citou também uma expectativa frustrada na redução dos preços das passagens após a pandemia. “Houve um aumento significativo da demanda (muito maior do que a oferta) por voos nacionais e internacionais, aliado ao aumento do preço do combustível de aviação, ocasionado pela queda do real em relação ao dólar e a alta da inflação, fez com que o preço das passagens e pacotes se elevasse, fazendo com que a 123 Milhas não conseguisse adquirir tais produtos nos termos contratados com seus clientes”, destacou a OTA. 

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