Diz o velho ditado que “quando uma porta se fecha, uma janela se abre”. E o turismo experimentou na prática o significado da citação. Quando a crise sanitária eclodiu mundo afora, as viagens foram instantaneamente paralisadas, gerando apreensão por parte do setor em toda a sua cadeia produtiva. Em contrapartida, os lockdowns e restrições de circulação que mantiveram grande parte da população em casa fomentaram o consumo digital, que ganhou proporções ainda mais substanciais para a indústria.

Com potencial expressivo de crescimento no Brasil, o turismo passou a se movimentar de acordo com o aumento da maturidade digital de empresas e consumidores. De acordo com dados da Braztoa (Associação Brasileira das Operadoras de Turismo), até o fim de 2022, o setor deverá crescer 60%, acumulando faturamento na ordem dos R$ 15 bilhões.

Como um setor composto, em sua maioria, por micro e pequenas empresas, o turismo é uma importante fonte de renda para a economia brasileira. Para se ter uma ideia, o segmento representa aproximadamente 8% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, segundo informado pela Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo).

A representatividade do setor também contribui para importantes análises sobre tendências de consumo, perfis de comportamento e avanço das atividades dentro do ecossistema digital. Um estudo da Comscore — empresa multiplataforma de insights — avaliou dados de costumes de compra online referentes a março de 2022, que indicam que estamos nos aproximando dos níveis pré-pandêmicos em relação às compras na internet.

O estudo Indústria de Viagens no Brasil: comportamentos do consumidor online, que apresenta importantes tendências para o setor. Quase dois terços (65,8%) da população digital brasileira visitou algum site ou aplicativo mobile relacionado a viagens em março deste ano. A proporção está abaixo do observado nos EUA, o que demonstra que o mercado não atingiu o mesmo nível de saturação.

“Os EUA lideram o mundo nos diferentes setores econômicos. Enquanto houver mais players no segmento que ofereçam o que as pessoas exigem e adaptem suas ofertas às necessidades, veremos uma indústria em crescimento. As pessoas estão recuperando a confiança em sair de casa e sentem a necessidade de viajar, então, a demanda tem que ser atendida”, comenta Ingrid Veronesi, diretora sênior da Comscore para Brasil.

Ingrid Veronesi

Indústria está em crescimento, diz Ingrid

Impacto socioeconômico e particularidades brasileiras

O levantamento da Comscore aponta que, como um todo, a atividade online do turismo está se aproximando dos índices de 2019, com exceção dos serviços de transporte de trens e navios. “Os números indicam que depende da subcategoria dentro do segmento Viagem. Por exemplo, transporte de carro, OTAs e sites de informações turísticas já superam o registrado em março de 2019”, continua Ingrid.

“Embora hotéis e companhias aéreas não tenham alcançado seus níveis anteriores, estão praticamente nos mesmos patamares. Por outro lado, transportes terrestres e cruzeiros levam um pouco mais de tempo para se recuperarem, mas parece que a confiança das pessoas está voltando e é uma questão de tempo para vermos novas métricas ainda mais positivas”, complementa a diretora.

Apesar da atmosfera de otimismo que permeia o turismo, alguns fatores precisam ser constantemente relembrados. As pressões inflacionárias e a redução no poder de compra da população são, atualmente, os maiores vilões da retomada do setor.

“Na Comscore analisamos os dados sobre o comportamento online e vimos que outras categorias como Varejo e Serviços Financeiros têm uma boa abrangência, maior que o turismo, o que nos faz supor que uma queda no poder de compra do consumidor pode gerar uma mudança no tipo de consumo. Pode haver outros produtos e serviços que são prioritários, mas há um segmento dentro de viagens que está ligado a negócios, logo, enquanto a economia continuar dando sinais positivos, continuaremos a ver o crescimento do setor”, avalia a executiva.

Panorama da hotelaria

Em março de 2022, usuários analisados pela Comscore apresentaram avanço em minutos por visitante para sites e aplicativos de viagens, com destaque para o público feminino. Vale ressaltar que a pesquisa coloca hotéis, resorts, pousadas e casas compartilhadas na mesma categoria — o que inclui plataformas como o Airbnb — um dos concorrentes mais ferrenhos do setor hoteleiro.

“Vemos que é um setor que praticamente se recuperou da pandemia, porém observamos que ambos os serviços atendem diferentes segmentos de viajantes. Há ocasiões em que a mesma pessoa prefere um hotel e outras que prefere se hospedar por meio de um serviço em uma casa ou apartamento”, explica Ingrid.

Para se sobressair frente à concorrência, a executiva pondera que os empreendimentos hoteleiros mirem seus esforços em diferenciais que casas de aluguéis de temporada não entregam.

“O importante é que existem diferentes opções para o viajante. Uma recomendação para os hotéis é focar no que não está incluso ao alugar uma casa, aspectos como atendimento, atenção, reservas com serviço incluso, instalações atrativas, entre outros aspectos que podem atrair um determinado tipo de turismo”, salienta.

O recorte de perfil de usuários por faixa etária também é outro ponto a ser observado. Mulheres entre 25 e 44 anos são as que mais passam tempo navegando pelos sites e aplicativos, gastando mais de 20 minutos nas plataformas da categoria de hotéis.

Thiago Akira, consultor de Marketing Digital no Turismo, afirma que o interesse por faixas etárias mais avançadas dentro do ecossistema digital cresceu consideravelmente durante a pandemia. “Foi um público que interagiu muito com anúncios e campanhas, o que antes não era comum. Esse nicho sofreu uma transformação digital nos últimos anos, quebrando alguns tabus e medos em relação ao uso de tecnologia”.

Para se tornarem mais atrativos para esses consumidores com mais de 45 anos, Akira recomenda que a hotelaria trabalhe ações que estejam em linha com os hábitos de consumo da faixa etária. “Assim, você passa a explorar diferentes benefícios para o cliente. É um público que está ativo, buscando utilizar o poder da internet”.

Thiago Akira

Novos formatos de conteúdo ganharam espaço, pontua Akira

O desempenho do marketing digital

Mesmo antes da explosão da pandemia, o digital já cumpria um papel de destaque na jornada de compra do turista. A adesão de novas plataformas e formatos, como os Reels do Instagram, ampliaram as possibilidades de alcance de clientes em potencial. “Conteúdos em vídeo tiveram um foco muito grande. O audiovisual como um todo sempre fez parte da jornada, mas hoje temos uma quantidade gigantesca de opções de trabalho”, acrescenta Akira.

E os influenciadores são parte fundamental na estratégia digital, com diferentes destinos e empresas adotando parcerias para o engajamento de conteúdos. “Pelo comportamento, cerca de 63% dos brasileiros tomam decisões de consumo pautadas nas redes sociais para depois ir para o Google. É uma população que sabe que um perfil estará mais atualizado do que o próprio site da empresa, além de oferecer formas de contato direto”, complementa o consultor.

Quando as restrições paralisaram a cadeia produtiva do turismo, os hotéis precisaram se reinventar e adotar novas formas de chegar aos hóspedes. E o marketing digital foi a chave-mestra para o alcance de resultados. “Os negócios tentaram entender como vender novamente. Logo, muitos que passaram a gerar conteúdo de valor estão mais maduros, sabendo o que dá certo. Porém, é um ponto de maturidade que ainda precisa melhorar”, avalia Akira.

Leonardo Rispoli, vice-presidente de Marketing, Vendas e Tecnologia da Atlantica Hospitality International, afirma que a rede trabalha conteúdos que mostram a abrangência do portfólio, além de destacar benefícios por meio do calendário promocional. “Com a chegada do programa de fidelidade Let’s Atlantica, estamos nos aproximando ainda mais do nosso hóspede, que se engaja muito com o conteúdo relevante que o programa traz, com temas sobre os destinos mais desejados ou sobre a experiência Atlantica no geral”.

“Neste final de ano, lançaremos o nosso blog, o Let’s Go, que trará informações e dicas de destinos, lifestyle, gastronomia e eventos. O blog será uma das ferramentas de aproximação, pensado com o posicionamento de ser o maior parceiro do hóspede na sua próxima viagem e destino”, acrescenta Rispoli.

Para se conectar ainda mais com seu público, a Atlantica busca maior proximidade com parceiros em todos os canais de distribuição da indústria. Contudo, Rispoli revela que a plataforma de e-commerce é um dos grandes desafios de crescimento da administradora.

“Em conjunto com o nosso site, e dentro da estratégia de canal direto, apostamos no Let’s Atlantica, nosso novo programa de fidelidade, que tem como principal objetivo ser uma ferramenta de relacionamento com os hóspedes, oferecendo benefícios reais”, pontua o vice-presidente.

Leonardo Rispoli

Rispoli adiantou projetos internos da rede

Estratégias e dados

A Atlantica trabalha fortemente no ambiente digital, com site responsivo tanto via mobile quanto desktop. Em 2022, a operadora hoteleira viu seu tráfego por dispositivos móveis crescer, representando hoje mais de 50%. Para abraçar com maior afinco a tendência de consumo digital, Rispoli adianta que a rede prevê a criação de um app similar ao da Atlantica Residences, onde os hóspedes têm acesso a funcionalidades e informações, além de também operar como um canal direto de contato com a equipe.

“O app torna a experiência de hospedagem cada vez mais personalizada, uma vez que os hóspedes poderão optar pela maneira mais conveniente para realizar reservas”, explica o vice-presidente. “Estamos sempre observando o comportamento do consumidor e as inovações do mercado, assim conseguimos nos antecipar para oferecer soluções que vão ao encontro das necessidades dos nossos hóspedes. Dentro do nosso guarda-chuva de transformação digital, temos projetos internos voltados para o aumento da eficiência nos hotéis e externos para melhorias constantes nos serviços ofertados aos nossos hóspedes”, diz Rispoli.

Dentre os projetos internos, o executivo da Atlantica destaca o CSC (Centro de Serviços Compartilhados), que passou por automação de processos e deve encerrar 2022 operando em mais de 40% das unidades da rede. Já o marketplace de sourcing do grupo possibilitará ganho de escala e produtividade ao funcionar como uma plataforma estruturada de compras, disponibilizando cerca de 10 mil itens.

“Só neste ano de 2022, a movimentação deve chegar a R$ 75 milhões, com projeção de atingir a casa de R$ 250 milhões em cinco anos. Pensando no nosso hóspede, estruturamos projetos voltados para a melhoria do nosso canal direto, que passou a funcionar em uma nova plataforma, pensada para oferecer flexibilidade e liberdade de escolha”, acrescenta Rispoli.

Para Akira, a comunicação precisa ser voltada a um contexto de valor dentro da estratégia. Logo, estudar pesquisas e dados que fazem sentido para o público são uma base primordial para bons resultados. “A oferta aumentou no turismo nacional e muitas empresas e destinos estão criando produtos. Com esse avanço, teremos mais produção de conteúdos nas vitrines. Acredito que ainda vamos crescer bastante nesse aspecto pela quantidade de negócios. Não há mais como recuar na escala de compra do consumo digital, pois temos muito mais gente entrando do que saindo por essa janela”.

Setores convergentes

Voltando ao estudo da Comscore, outro dado interessante é o amplo interesse em serviços de turismo e imobiliário. Como dois segmentos que dialogam diretamente, o público consumidor vê certa identificação entre os mercados. E o avanço expressivo dos empreendimentos de multipropriedade apenas reforça essa tendência.

“Durante a pandemia, muitas pessoas também procuraram sair de casa, tudo decorrente do bloqueio e da oportunidade de encontrar lugares mais confortáveis ​​para trabalhar e morar sem estar preso a um escritório. Por isso considero que neste período de análise a relação entre as duas categorias teve uma correlação interessante”, diz Ingrid.

Akira enxerga essa fusão de setores com bons olhos, pois a identificação de interesses oferece maior alcance de público. “É um jogo que se ganha dos dois lados. A relação da busca por viagens, finanças e imóveis implica na experiência como investimento para esse público”.

(*) Crédito da capa: athree23/Pixabay

(**) Crédito das fotos: Divulgação