Com a inegável queda na qualidade dos serviços hoteleiros, chegou a hora de arregaçar as mangas. Depois de entender quais os motivos que levaram o setor ao cenário atual e buscar novos caminhos para recuperar a satisfação do hóspede, a terceira matéria da série sobre o tema produzida pela reportagem do Hotelier News aborda iniciativas práticas que as redes hoteleiras adotaram para oferecer uma entrega condizente com a expectativa dos clientes.

Fatores como a pandemia e a consequente falta de mão de obra contribuíram diretamente para este panorama. Às redes hoteleiras, resta “correr atrás do prejuízo” e criar soluções para reverter esse quadro. Mas, de fato, o que está sendo feito?

Em entrevista ao Hotelier News, Paulo Mélega, vice-presidente de Operações da Atrio Hotel Management, ressaltou o principal ponto dessa discussão: a qualidade percebida pelo cliente interfere no negócio de várias maneiras, refletindo na ocupação dos empreendimentos, nas notas, avaliações, reputação da propriedade, diária média, entre outros fatores cruciais.

“O cliente está disposto a pagar mais caro por uma qualidade percebida como mais alta. É estratégico vender mais e mais rápido. Na Atrio, tivemos várias iniciativas pós-pandemia para elevar os indicadores. Estamos fazendo isso de maneira extremamente coordenada e minuciosa, pensando em cada detalhe”, diz o executivo.

Hiram Della Croce, diretor regional de Operações da Wyndham Hotels & Resorts para o Brasil e Bolívia, reforça que dois fatores catalisaram a queda na entrega: enxugamento de custos e expectativa pelo serviço ofertado. “A queda mais perceptível foi de 2019 em diante, período em que o setor sofreu com a crise. Obviamente, todos os hotéis tiveram que reduzir seus serviços forçosamente. A falta de mão de obra também afetou a satisfação do cliente”.

Sobre os dias atuais, Della Croce salienta que o aumento da diária média, como foi citado anteriormente por especialistas, era inevitável para equilibrar custos. Entretanto, consequentemente os produtos se tornaram mais caros. “Hoje, a diária média é superior a 2019, logo, o hóspede espera um serviço proporcional, que quando não é entregue, leva a uma avaliação negativa”.

Para entender com profundidade suas falhas operacionais, o Grupo Tauá de Hotéis faz um acompanhamento minucioso das avaliações com o uso de filtros e indicadores. “Independentemente da avaliação ser negativa ou não, observamos que ela está mais criteriosa, com mais detalhes sobre a experiência”, analisa Felipe Castro, diretor de Operações da rede mineira.

Da teoria à prática

Mélega destaca que, entre as principais iniciativas da Atrio para elevar a qualidade dos serviços, está o programa UAU (Um Atendimento Único), criado com o objetivo de oferecer recompensas rápidas para a base de funcionários dos hotéis.

“Essa iniciativa tem cinco indicadores de qualidade: check-in, café da manhã, atendimento dos funcionários, performance geral e qualidade do quarto. A ideia desse programa é mostrar em quais indicadores e a equipe precisa se concentrar. Assim, traçamos metas muito claras por hotel e criamos recompensas para as equipes que as atingem”, explica.

“No UAU, pagamos a recompensa semestralmente aos colaboradores. Antes fazíamos isso a cada 15 meses. Isso traz para essa geração mais imediatista de colaboradores um horizonte mais visível de que o que ela fizer terá recompensa”, acrescenta, salientando que, pela primeira vez em três anos, a Atrio percebeu aumento relevante nos indicadores de qualidade dos hotéis.

Seguindo o raciocínio, Mélega afirma que o engajamento a partir disso foi muito forte, e devido a essa resposta, a empresa lançou em janeiro o programa BeAtrio, focado em bem-estar. Ele visa, literalmente, cuidar do colaborador, já que o bem-estar da equipe reflete diretamente na qualidade do hotel.

Qualidade - Paulo_Mélega

Mélega aponta qualidade como prioridade

“É uma iniciativa voltada para o indivíduo. A empresa quer que ele esteja sempre bem, porque isso o fará performar melhor no ambiente profissional. Assim, fizemos parcerias importantes, como a GymPass, que oferece uma rede academias aos nossos líderes. Além disso, revitalizamos as salas de descanso dos funcionários, além de oferecermos consultoria de finanças, apoio psicológico e outros benefícios para nossas equipes”, complementa.

Atualmente, os colaboradores também contam com o dia da família, no qual levam seus familiares para visitar as unidades hoteleiras, vivenciar a gastronomia dos hotéis, entre outras experiências. Eles também podem se desenvolver por meio da parceria firmada pela empresa com a Fluence Academy, que oferece cursos de inglês sem custos.

Já na parte da experiência do cliente, a Atrio lançou o Hosptech, programa de inovação que visa desburocratizar alguns processos da jornada, o que tem impacto direto na qualidade.

O Tauá desenvolveu uma série de ferramentas, além do programa Eleva, com auditorias internas e consultorias para medir a satisfação do cliente. “Produzimos relatórios operacionais no detalhe para conseguirmos dar passos à frente em problemas simples que geram críticas. Além, é claro, de treinamentos de equipe”, pontua Castro.

Hiram Della Croce

Wyndham orienta franqueados, diz Della Croce

A rede mineira procura atuar com critério e não de forma generalista, além de apostar na criação de novos produtos e experiências para os clientes. “Nos últimos quatro meses, abrimos quatro restaurantes à la carte, candy stores e cafés. Investimos na experiência não apenas nos períodos de alta temporada. Também aumentamos nosso quadro de funcionários CLT desde 2022, quando colocamos R$ 1 milhão a mais na contratação de pessoas do projetado”, afirma o diretor.

O desafio das franquias

Com um extenso portfólio de hotéis franqueados, o desafio de manter a qualidade da Wyndham é ainda maior. A rede realiza auditorias uma vez por ano, mas caso a nota da unidade seja abaixo do padrão, o procedimento pode ser repetido. “Em 2021 e 2022, 100% dos empreendimentos foram auditados pela equipe de qualidade”, explica Della Croce.

A Wyndham possui um sistema universal de acompanhamento, obrigatório em todas as suas operações. “Trabalhamos o NPS dos hotéis de acordo com os comentários e plataformas. O sistema faz um apanhado geral dos reviews em pesquisas de check-out, comentários no Google, TripAvisor, Booking, etc. O departamento de Operações que cuida desse procedimento e, caso o NPS fuja do padrão, focamos na busca por melhorias daquela determinada unidade”, enfatiza o diretor.

Della Croce destaca que a Wyndham possui dois importantes projetos no Brasil, além de outro de nível mundial de qualidade dos hotéis. As propriedades passam por uma check list, onde são cobradas auditorias periódicas com os franqueados para orientar como atender seguindo os brand standards da marca.

“Lançamos um projeto pioneiro para franqueados, dando suporte operacional. Convidamos de maneira gratuita para eles estarem conosco em cross training em unidades gerenciadas por nós para propagar os padrões nos hotéis franqueados”, salienta Della Croce. “E eles estão extraindo bons aprendizados disso”, complementa.

Reforçando o atendimento

Com as áreas mais mal avaliadas, o atendimento ao cliente se tornou o calcanhar de Aquiles da hotelaria. E nada mais natural do que ir na raiz do problema para mudar o cenário. Na Wyndham, o investimento em mão de obra tem sido uma das prioridades para elevar a qualidade dos serviços.

“Temos investido forte no plano de formação de colaboradores, pegando profissionais do zero para capacitar de acordo com os nossos valores. A Wyndham teve êxito formando pessoas em casa ao invés de trazer funcionários de fora”, explica Della Croce.

Tão importante quanto a formação, a Wyndham também aposta em iniciativas para aumentar seu poder de retenção de talentos. “Estamos relizando uma série de estudos para melhoria de salários e condições de trabalho. Essa geração que está chegando é nova, com outra cultura, e é preciso entender os anseios dessas pessoas, com feedbacks constantes”, complementa o diretor da rede.

Ainda falando de pessoas, Della Croce ressalta que as lideranças precisam tomar a frente da entrega. “Não adianta ficar atrás do computador desenvolvendo relatórios. É preciso ter o hands on com as gerências das áreas, acompanhando o atendimento dos hóspedes”.

No Tauá, Castro revela que a dor da formação é real, mas que o grupo também vem buscando soluções para o problema, trazendo as lideranças para perto. “Acredito que falta um olhar mais analítico e amplo do negócio. As pessoas estão vivendo o problema e não olhando de cima. Como entregar um serviço de qualidade sem o suporte do alto escalão e sem supervisão até a base? Isso afeta diretamente o cliente. Quem se diferencia são aqueles com uma cultura forte, atendimento e entrega”.

Castro pondera que a mão de obra é um desafio, mas que não pode ser uma muleta para não entregar os serviços ofertados. “Temos que entender quais as áreas de baixa retenção e atuar diretamente, com programas de valorização e pesquisas internas. Nossos emocionadores são amigos dos clientes e acho importante essa troca”.

Líderes devem dar suporte, avalia Castro

Virando o jogo

Mark Campbell, diretor executivo de Produtos e Serviços Técnicos da Atlantica Hospitality International, diz que a empresa superou os níveis pré-pandemia devido às iniciativas adotadas para recuperar a qualidade dos serviços.

“Aqui, olhamos a qualidade em três perspectivas: atividade e planejamento, mensuração e ação. No planejamento, uma das coisas que fazemos antes do ano começar é reavaliar os KPIs. É importante que a empresa defina quais são os indicadores de avaliação, entender quais avaliações o hóspede faz, o overall score, a reputação, entre outros pontos”, analisa.

“Com esses indicadores, é possível gerir tudo individualmente e estabelecer metas. Todos os gerentes gerais da Atlantica têm compromisso com qualidade, porque sem ela, os hotéis caem de rendimento a médio e longo prazos”, completa.

Entre as soluções adotadas, está a mudança na ferramenta de avaliação da empresa, que migrou para o Medallia. Isso garante um dashboard completo para os gerentes, além de dados quantitativos. O app foi um verdadeiro game change para a companhia, que consegue saber quais notas foram dadas para cada um dos departamentos.

O executivo diz que o Medallia foi uma ação nova que ajudou na tomada de decisão. Ainda no campo de mensuração, a Atlantica normalmente faz auditorias nas propriedades, checando apartamentos e áreas públicas. Assim, qualquer propriedade que tenha queda de qualidade será analisada de perto pela empresa por meio de um comitê.

“Por fim, na parte de ação, em 2022 tomamos a decisão de colocar um executivo dedicado à qualidade em cada região. Assim, fazemos o acompanhamento em diversas frentes, analisando planos de investimento, promovemos treinamentos e promovemos uma mudança geral de cultura”, finaliza.

*Colaborou Nayara Matteis 

(*) Crédito da capa: Peter Kutuchian/Hotelier News

(**) Crédito das fotos: Arquivo Pessoal