A UE (União Europeia) mantém os esforços para criar um ambiente digital mais justo e competitivo dentro da região. Ontem (4), por exemplo, o bloco divulgou uma lista de empresas que seriam capazes de usar sua posição e poder no mercado de forma a impactar outros setores e reduzir a competição. Gigantes da tecnologia estão entre elas, mas as principais OTAs da indústria de viagens ficaram de fora – pelo menos por enquanto.

A lista definida pela UE abrange os chamados gatekeepers, ou seja, plataformas que podem controlar o acesso a conteúdos e serviços online. Mecanismos de buscas, redes sociais e lojas de apps podem ser definidos como tal, uma vez que conseguem decidir quem pode ou não ficar facilmente acessível aos usuários. Com suas listagens gigantes de hotéis e poder de alcance, as OTAs também têm essa capacidade, mas acabaram não se enquadrando nos critérios do DMA (The European Digital Markets Act) – saiba mais abaixo.

O DMA é uma proposta de legislação da UE que visa regular as plataformas digitais. Mais ainda, aborda preocupações relativas ao domínio de mercado, práticas desleais e potenciais danos à concorrência e ao bem-estar do consumidor. Na lista divulgada ontem estão Alpha (Google), Meta (Facebook), Apple, Amazon, Bytedance (Tiktok), Microsoft e Samsung. Agora, essas organizações têm uma lista do que fazer e não fazer que devem cumprir em suas operações diárias para se enquadrarem às novas normas jurídicas.

E as OTAs?

Antecipando-se à publicação da lista da UE, a Booking.com emitiu um comunicado sobre o tema recentemente. “Estamos envolvidos em discussões construtivas com a Comissão Europeia sobre a aplicabilidade do DMA e esperamos continuar esse diálogo. Como resultado do impacto do COVID-19 em nossos negócios, não atendemos aos limites quantitativos do DMA para o período associado ao prazo de envio de julho de 2023″, informou a empresa.

OTAs - regulação digital - Glenn Fogel

Fogel: há competitividade na Europa

“Estamos alinhados nisso com a Comissão Europeia. No entanto, esperamos que esses limites sejam provavelmente atingidos no final deste ano, caso em que esperamos notificar a Comissão Europeia desse fato dentro dos prazos exigidos”, complementou o comunicado da Booking Holdings.

Ou seja, como está citado no título, por ora OTAs como a Booking.com podem ficar tranquilas, mas provavelmente não será por muito tempo, já que essas empresas devem atingir os parâmetros estabelecidos no DMA. Vale destacar que, no passado, Airbnb e Booking.com, que têm forte atuação nos países da União Europeia, foram apontados como potenciais gatekeepers.

Em 2020, contudo, Glenn Fogel discordou dessa avaliação em entrevista à imprensa. Segundo o CEO da Booking Holdings, a indústria de hospitalidade na Europa é aberta e competitiva e que, portanto, seria errado qualificar a OTA que comanda como tal. Seguindo mesmo caminho, o Airbnb disse que tampouco acredita que a plataforma, bem como os setores em que opera, levantem qualquer tipo de preocupações para o The European Digital Markets Act.


Critérios
Para atingir o limite que consideraria uma empresa como gatekeeper, a UE estabelece três critérios cumulativos principais:

  • As empresas precisam ter alcançado um faturamento anual de € 7,5 bilhões ou mais nos últimos três exercícios financeiros anuais. Devem também fornecer serviços em pelo menos três países membros da UE.
  • Ter gateway voltado para o consumidor final e empresas, o que significa somar mais de 45 milhões de usuários ativos mensais na União Europeia e mais de 10 mil clientes corporativos ativos anuais na região no último ano financeiro.
  • Se uma empresa atende aos dois critérios acima, a UE a qualifica como uma organização que tem “uma posição consolidada e durável”.

Por que isso é importante?

Antes de explicar a relevância das medidas criadas pela UE, é importante dar um passo atrás. Isso porque o bloco europeu é um pioneiro global nas discussões ligadas ao ambiente digital. Um bom exemplo é a  GDPR (General Data Protection Regulation), legislação voltada para proteção de dados e privacidade que entrou em vigor em 2018 e que inspirou a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) no Brasil.

Ou seja, vários países costumam replicar as normas da UE posteriormente. Com isso, legislações digitais voltadas para controlar práticas desleais e potenciais danos à concorrência e ao bem-estar do consumidor pode também chegar ao Brasil, a exemplo da GDPR.

Isso potencialmente impactaria a atuação dessas empresas no mercado brasileiro. No caso das OTAs, Booking.com e Airbnb detêm participação relevante no mercado e, potencialmente, os ajustes feitos para adequá-los a uma futura norma destinada ao controle de práticas desleais e de potenciais danos à concorrência poderia abrir espaço para outros players.

Agora, sim, tudo isso é um exercício de futurologia, quando se pensa em Brasil. Quando a GDPR foi sancionada, por exemplo, a LGPD demorou quase cinco anos até entrar em vigor no país. A ver as cenas dos próximos capítulos (na Europa e por aqui).

(*) Crédito da capa: Chickenonline/Pixabay

(**) Crédito da foto: Paul Miller/Bloomberg