O questionamento do título pode parecer contraditório perante os números do primeiro trimestre deste ano. Após um 2022 de pé no acelerador, o turismo nacional registrou ganho de R$ 8,2 bilhões nos primeiros três meses de 2023, crescimento de 25,4% frente ao mesmo período do ano anterior, aponta a FecomercioSP. Agora, o horizonte futuro é mais complexo do que parece e alguns dados indicam uma possível perda de tração no setor nos próximos meses.

Quando divulgou a pesquisa sobre o desempenho do primeiro trimestre, a FecomercioSP apontou que o turismo foi impulsionado, principalmente, pelo setor aéreo, que alcançou o faturamento de R$ 6 bilhões, o mais alto da série histórica, iniciada em 2011.

O trimestre ainda foi beneficiado pela alta temporada de janeiro, que registrou seu melhor resultado desde 2015, com receita de R$ 19,4 bilhões, alta de 19,8% no comparativo anual. O mês de março também foi uma das alavancas do setor, quando uma série de eventos e shows foram promovidos em diferentes capitais do país, com destaque para São Paulo.

Apesar dos feriados prolongados em abril e início de maio, a resposta não veio como o esperado. A sensação é que as famílias não estão com renda para viajar em absolutamente todas as datas. Em conversas informais com a reportagem do Hotelier News, por exemplo, alguns hoteleiros já falam em desaceleração da demanda, com números abaixo do orçado nos últimos dois meses.

Ainda assim, nada de pânico, já que o primeiro trimestre compensou absolutamente tudo até aqui. O que preocupa mesmo é o que está por vir, e vamos aprofundar esse racional a partir de agora.

Dados para ficar de olho

De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o desemprego no trimestre encerrado em abril foi de 8,5%, afetando mais de 9,5 milhões de pessoas. Já informações divulgadas hoje (6) pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) revelam que a classe média está mais endividada e mais inadimplente.

A entidade aponta que o percentual de famílias com dívidas a vencer permaneceu inalterado em maio pelo quarto mês consecutivo, chegando a 78,3%. A expectativa da CNC é que esse índice volte a subir em julho. Os dados da Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor) dizem que, do montante, 18% dos brasileiros se consideram muito endividados – maior percentual desde agosto de 2022.

Turismo - demanda desacelerando

Shows do Coldplay lotaram hotéis de São Paulo

A Peic também apontou estabilidade na parcela de consumidores com dívidas atrasadas em maio, que alcançou 29,1 % do total de famílias (próximo da média trimestral, que é de 29,2%). Por outro lado, entre as famílias inadimplentes, 11,8% afirmaram que não terão condições de pagar as dívidas já atrasadas, o maior percentual desde outubro de 2020.

“A cada cinco famílias inadimplentes, uma afirmou que não conseguirá pagar dívidas de meses anteriores. Os juros elevados dificultam o pagamento da dívida atrasada, pois pioram as despesas financeiras”, pontua Izis Ferreira, economista da CNC responsável pela pesquisa.

O endividamento acontece de maneira distinta entre as faixas de renda na passagem de abril para maio. De acordo com a economista, houve queda na proporção de endividados entre os mais pobres e os mais ricos (0,3 p.p nos dois casos). Por outro lado, o percentual aumentou nas faixas de rendimento médio.

Em maio, 79,6% das famílias que ganham de três a cinco salários estavam endividadas, maior percentual entre as faixas de renda observadas, o que representa aumento de 0,9 p.p. em relação a abril. Já no comparativo anual, a alta é de 1 p.p.. Daquelas que têm rendimentos de cinco a 10 salários mensais, 78% estavam endividadas em maio, expansão de 0,2 p.p. e de 2 p.p., nas mesmas bases de comparação respectivamente.

O padrão se repetiu no que diz respeito à inadimplência, com aumento do indicador na classe média: o contingente de pessoas que recebem entre três e cinco salários mínimos e estão com dívidas atrasadas cresceu 1,9 p.p. em maio; entre aquelas que ganham de cinco a 10 salários, o índice subiu ainda mais: 2,1 p.p. O maior percentual de inadimplência, entretanto, segue entre as famílias com renda de zero a três salários, atingindo 36,3% delas.

Poupança Covid

É fato que o isolamento social trouxe algumas economias para quem não ficou desempregado com a crise. Contudo, a chamada “poupança Covid” está minguando. Segundo divulgado pela Folha de São Paulo, o setor de varejo espera um ano difícil com a queda do poder de compra do consumidor.

No primeiro trimestre de 2023, 10 grandes varejistas registraram prejuízo, como aumento das perdas ou queda de lucro em comparação com o mesmo período em 2022. A situação macroeconômica, com a dificuldade de geração de emprego e renda, taxa básica de juros a dois dígitos, além do endividamento apontado acima, são alguns dos ingredientes para uma receita indigesta.

Para o setor de serviços, a boa notícia é que a tímida alta de 0,2% no consumo das famílias revelada pelo resultado do PIB (Produto Interno Bruto) do primeiro trimestre o beneficiou mais do que o de bens, que dependem de financiamento por parte do consumidor. Ainda assim, toda atenção é necessária.

O retorno à normalidade após o decreto do fim da emergência sanitária pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é motivo de comemoração. Entretanto, para completar o orçamento, muitos brasileiros estão retirando dinheiro da poupança. De acordo com o BC (Banco Central), os saques superaram os depósitos em R$ 6,5 bilhões em abril. Está vendo?

Previsão de demanda hoteleira

Como foi dito, a queda de demanda já pode ser sentida também na hotelaria. Após o boom das revenge travels, muitos empreendimentos se surpreenderam com números mais magros em abril e maio.

O primeiro relatório do Hotel Trends Stats, fruto da parceria entre Hotelier News e OTA Insight, trouxe informações valiosas de previsão de demanda para os próximos 180 dias em sete capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Curitiba e Salvador). O estudo pode ser baixado no link.

Turismo - demanda desacelerando - varejo

Varejo: ano difícil com queda de renda da população

São Paulo, por exemplo, segue com demanda elevada para os próximos 45 dias. Os pontos fora da curva são o festival The Town, que acontece em setembro, e o período de F1. Em linhas gerais, a praça segue os mesmos moldes de 2022.

No Rio, o público de lazer é quem manda, com ocupação hoteleira de previsão aquecida nos feriados. Em Salvador, o cenário é semelhante, com a diferença de que a procura por turistas internacionais é inferior no comparativo com a capital fluminense.

Belo Horizonte e Brasília têm boas projeções para os dias de semana, mas o desafio histórico aos finais de semana se mantém. Já Porto Alegre apresenta um momento mais delicado, com demanda fraca para impulsionar o mercado e dificuldade de elevar preços.

Por fim, Curitiba apresentou uma demanda acima do normal para o Feriado da Independência, mas se enfraquece com a baixa agenda de eventos que costuma movimentar a cidade no segundo semestre.

É verdade que, quando comparado com o varejo, o turismo vem se saindo melhor. O consumidor mudou seu comportamento de compra, priorizando serviços a bens de consumo. A mensagem é que a hotelaria precisa estar em alerta para os próximos meses e manter sua resiliência, sem cair na tentação de derrubar as tarifas arduamente conquistadas em 2022 no caso de quedas bruscas de demanda.

(*) Crédito da foto: gabyps/Pixabay

(**) Crédito da foto: Eduardo Martins/AgNews

(***) Crédito da foto: Valter Campanato/Agência Brasil