Lembra do filme A grande aposta? Lançado em 2015 e baseado em fatos reais, o longa relembra a crise financeira de 2008, que ficou marcada pela falência do Lehman Brothers. Com Christian Bale, Ryan Gosling e Brad Pitt no elenco, a produção conta como um grupo de investidores percebeu o colapso do mercado financeiro antes de todo mundo e decidiu lucrar com essa situação apostando contra os empréstimos subprime, que eram o principal causador da bolha imobiliária formada nos EUA. Por que estou falando isso? Passados 12 anos, hedge funds tentaram agora fazer o mesmo, dessa vez mirando o turismo – e se deram muito mal!

Para falar a verdade, se a tentativa era mesmo lucrar apostando contra empresas da indústria de viagens listadas em bolsa, o movimento fazia sentido. Afinal, o turismo atravessou a pior crise de sua história durante a pandemia, e nem precisamos relembrar o quão difícil foi. De volta ao assunto, dados da S3 Partners mostram que esses hedge funds perderam mais de US$ 6,4 bilhões ao montarem posições contra empresas dos setores de hospedagem e de cruzeiros marítimos, conta o NeoFeed.

Os números da S3 Partners têm como base o desempenho de papéis de companhias como Royal Caribbean e Carnival, cujos preços das ações mais do que dobraram na bolsa norte-americana desde o início de 2023. Enquanto a primeira está avaliada atualmente em US$ 26,5 bilhões, a segunda atingiu valor de mercado de US$ 22,3 bilhões. Outros dois importantes players na indústria de viagens que viveram altas expressivas foram o Airbnb e Booking.com, que tiveram valorização de 66% e 50% desde janeiro, respectivamente.

Essa valorização foi na contramão do que acreditavam os fundos de hedge, que investiram pesado em uma estratégia de short selling para lucrarem na derrocada desses players da indústria de viagens. Nesse tipo de operação, os investidores consideram que um determinado ativo tende a se desvalorizar no curto prazo e fazem o que é conhecido no mercado financeiro como venda a descoberto. Após a desvalorização, ele compra a papel e fica com o spread, ou seja, a diferença entre o preço de compra e venda.

Obviamente, o spread obtido em uma operação de poucos dólares não gera um grande volume financeiro para  um investidor individual. Aqui, contudo, estamos falando de fundos (investidores qualificados) aportando algumas centenas de milhões nessas transações.



Um caso exemplar

Para quem deseja entender melhor o que são essas operações de short selling, vale a pena assistir ao documentário GameStop contra Wall Street. A série, disponível em três episódios no Netflix, conta o alvoroço provocado nos Estados Unidos pela disparada das ações de uma loja de jogos de videogame à beira da falência (a GameStop).

A história se passa em janeiro de 2021 e narra um caso similar ao movimento feito em 2023 pelos fundos de hedge contra empresas da indústria de viagens, só que em uma proporção MUITO maior.

A minissérie documental dá voz a pequenos investidores para que eles expliquem o sentimento que os levou a caçar grandes investidores da Bolsa de Valores de Nova York. Sim, para os entrevistados os hedge funds simbolizam as artimanhas dos donos do dinheiro no mercado financeiro para lucrar em qualquer situação, mesmo em uma crise que venha a tirar o trabalho e a casa de milhões.

O documentário mostra como e o porquê da união desses pequenos investidores para simplesmente trollarem os chamados lobos de Wall Street.



No documentário GameStop contra Wall Street (saiba mais acima), Jason Mudrick, fundador do hedge fund Mudrick Capital, ilustra didaticamente como funciona o short selling, ressaltando ainda como a operação pode ser lucrativa. “Eu alugo a sua ação da IBM por US$ 10 e a vendo [pelo mesmo preço]. No mês que vem, ela vale US$ 8. Eu compro essa ação da IBM e te devolvo. Para você está tudo igual. Você tem a sua ação da IBM, mas eu gastei só US$ 8”, explica.

Ou seja, ele ganhou US$ 2. Agora, como citado anteriormente, pense em centenas de milhões investidos pelos hedge funds e entenderá o lucro obtido em caso de sucesso nesse tipo de transação. 

Setor resiliente

Diferentemente da GameStop, que precisou de investidores individuais dispostos a pregar uma peça nos lobos de Wall Street para “sobreviver”, a indústria de viagens teve que ser resiliente e mostrar sua força para sair de situações delicadas financeiramente como consequência da pandemia. A Carnival, por exemplo, aumentou sua dívida de US$ 10 bilhões para US$ 35 bilhões entre o fim de 2019 e o primeiro trimestre deste ano, informa o NeoFeed.

turismo - nunca aposte contra - interna

Viajar está no topo da preferência de consumo

No segundo trimestre, contudo, a empresa de cruzeiros reportou resultados positivos. Além disso, a companhia conseguiu reduzir as perdas em 78% na comparação ano a ano. Os balanços das principais OTAs desde o ano passado, bem como das redes hoteleiras internacionais, são outros exemplos claros da resiliência da indústria de viagens.

Não se pode deixar de considerar também a mudança de comportamento do consumidor neste mundo pós-pandemia. Em entrevista exclusiva ao Hotelier News este ano (releia aqui), Geoff Balotti tocou nesse assunto, comentando como as pessoas vêm alterando suas preferências de compra – e beneficiando diretamente o turismo. 

“A Covid-19 alterou a maneira como as pessoas desejam gastar seu dinheiro. Várias pesquisas mostram que os consumidores estão priorizando novas experiências, desejam descobrir novas culturas e conhecer outras pessoas, algo que foi tirado delas durante a pandemia – e que nunca havia acontecido antes. Viajar permite tudo isso”, disse o CEO global da Wyndham Hotels & Resorts.

De fato, essa nova prioridade de consumo está ajudando a salvar a Carnival das garras desses abutres de Wall Street (talvez essa seja uma descrição melhor do que lobos). Protege também a Wyndham, a Accor, a Marriott, a Gol, a Azul e a CVC, entre tantos outros players da nossa indústria. Um viva às viagens!!

(*) Crédito da capa: reprodução de internet

(**) Crédito da foto: tookapic/Pixabay