Os melhores manuais de negociação alertam que o componente cultural deve ser sempre levado em consideração. Exemplo: latinos gostam de saber com quem estão lidando e valorizam a tática de conhecer pessoalmente quem está do outro lado da mesa. Já para norte-americanos, o contrato é o balizador (quase) único da relação. Além disso, nunca os deixe esperando em uma sala de reuniões, sob risco de melar qualquer negócio. Mesmo que entrevistas não sejam conversas tão estratégicas como as comerciais, elas podem ser igualmente duras e conflituosas. Por isso, para evitar qualquer tipo de problema, a reportagem do Hotelier News chegou antes do combinado para o bate-papo com Geoff Ballotti, CEO global da Wyndham Hotels & Resorts.

E, como bons latinos, fomos devidamente preparados para estabelecer um contato mais pessoal. Está vendo a camisa que Ballotti aparece feliz segurando em suas mãos? Foi um presente do Hotelier News ao executivo. E pela reação, acertamos em cheio. “Olha, ao longo de mais de 30 anos de carreira, é a primeira vez que ganho um presente de um jornalista. Muito obrigado”, comentou o executivo, que aproveitou a oportunidade para fazer uma brincadeira com o argentino Gustavo Viescas, que estava bem ao seu lado. “Vou usar na cerimônia de abertura da conferência, tudo bem?”, perguntou, com tom provocativo. “De jeito nenhum”, respondeu o CEO da Wyndham para as Américas, às gargalhadas.

Gelo devidamente quebrado, como ensina o manual latino de negociação, era hora da entrevista em si. A tarde já caía em uma das salas de eventos do TRS Yucatán, resort de luxo que integra um complexo do Palladium Hotel Group na Riviera Maya, onde a operadora norte-americana promovia a Conferência Regional 2023 All Green da Wyndham Hotels & Resorts, no mês passado. Antes do Hotelier News, Ballotti já conversara com outros veículos e, após o bate-papo com nossa reportagem, ele continuaria sua preparação pessoal para o discurso inaugural do encontro, que reunia proprietários de hotéis, investidores e parceiros da gigante hoteleira na América Latina.

Vale registrar que, logo após a abertura da conferência, o executivo voltaria correndo aos Estados Unidos. E o motivo não poderia ser melhor: ele iria acompanhar o nascimento de seu primeiro neto. “Sou casado há 40 anos e tenho quatro filhas. Antes de vir para cá, estava em Los Angeles em reunião com proprietários de nossos hotéis. Perguntei à Kara se era mesmo necessário estar presente, e ela me recomendou não perder a chegada do primeiro neto. Fiquei sem opções”, disse Ballotti, com um sorriso no rosto (veja imagem abaixo).

Wyndham - entrevista com Geoff Balotti

Então, sem mais delongas, leia abaixo os highlights da entrevista que o Hotelier News fez com Geoff Ballotti. O texto é longo, mas recomendamos a leitura, pois ilustra como lideranças da nossa indústria veem questões atualmente estratégicas para o setor.

A demanda atual é sustentável?

A despeito das condições políticas e macroeconômicas desafiadoras em diferentes partes do mundo, a demanda por viagens segue aquecidíssima. Um bom exemplo é o próprio balanço da Wyndham no primeiro trimestre de 2023. No período, o RevPar global da empresa cresceu 12% frente igual período de 2022. Agora, esse bom momento é sustentável?

Ballotti acredita que sim e, para ele, a razão do seu otimismo vai além do chamado revenge travel. “A Covid-19 alterou a maneira como as pessoas desejam gastar seu dinheiro. Várias pesquisas mostram que os consumidores estão priorizando novas experiências, desejam descobrir novas culturas e conhecer outras pessoas, algo que foi tirado delas durante a pandemia – e que nunca havia acontecido antes. Viajar permite tudo isso”, avalia.

De volta à macroeconomia, ele destaca outras razões para o otimismo. O executivo lembrou que os níveis de desemprego nunca foram tão baixos em várias partes do mundo, em especial nos Estados Unidos. “Por fim, a pandemia possibilitou um aumento do nível de poupança das famílias nunca visto. Nos EUA, a classe média tem US$ 1,6 trilhão guardado em suas contas bancárias, o que é um recorde histórico” explica.


“Então, essa combinação entre baixo desemprego, elevado nível de poupança e mudança de comportamento do consumidor é o que alimentou o revenge travel. Mais ainda, foi isso que proporcionou nosso resultado recorde em 2022 e mantém a demanda por viagens em patamar alto em 2023. É isso, portanto, que me deixa particularmente otimista para as perspectivas da nossa indústria.” – Geoff Ballotti


Patamares de preço no limite?

O otimismo do CEO global da Wyndham se estende aos preços. Na visão do executivo, a indústria hoteleira tem ainda certo espaço para elevar a diária média. “Tenha em mente que as tarifas, corrigidas pela inflação, estão atualmente no mesmo patamar de 2019. Então, acreditamos que dá para buscar o aumento do RevPar previsto para este ano a partir das diárias. Soma-se a isso o que falamos na pergunta anterior: a demanda segue aquecida em função daquela combinação que mencionei e, neste cenário, o consumidor aceita pagar mais”, acredita.

Ballotti acrescentou que os proprietários de hotéis parceiros estão mais estruturados, determinados e disciplinados em suas estratégias de precificação. “Eles já entenderam, por exemplo, que tarifas promocionais em meio à demanda aquecida não necessariamente trazem mais clientes”, destaca. Agora, isso vale só para os EUA? “Veja, cada mercado tem suas próprias características, mas quando você olha o valor das diárias corrigido pela inflação, acredito que ainda exista espaço para elevá-las”, complementa.

Atratividade das operadoras

Quando a pandemia eclodiu, muitos especialistas do setor imaginaram que os anos seguintes seriam marcados por uma conversão em massa do mercado independente para a hotelaria de rede. Esse movimento se confirmou, mas não na magnitude esperada. Ainda assim, as grandes cadeias internacionais seguem expandindo seus inventários, “vendendo” a proprietários e investidores a força de suas marcas e a grande capacidade de distribuição.

Afinal Ballotti, é só isso mesmo que empresas como a Wyndham ofertam a esses stakeholders? “Acredito que tecnologia é também uma peça fundamental nesta equação”, comentou. “Ao longo da pandemia, por exemplo, investimos pesado no que os proprietários mais necessitam, que é conectividade. Porque, de fato, hotéis precisam de boas plataformas de distribuição, de sites de reserva e apps eficientes e sem fricção”, completa.

Outro fator muito importante, na visão do CEO da Wyndham, é o poder dos programas de fidelidade. “No nosso caso, por exemplo, metade dos check-ins feitos em nossos hotéis nos Estados Unidos vem do programa de fidelidade. Globalmente, um em cada três hóspedes. Então, é outro fator fundamental que ofertamos aos proprietários”, acrescenta.

Wyndham - Geoff Balotti - foto interna

Ballotti conversou com a reportagem do Hotelier News no mês passado

 

Futuro dos programas de fidelidade

A força dos programas de fidelidade é inequívoca. No entanto, as novas gerações se mostram cada vez menos fiéis a marcas. Diante disso, como a Wyndham vê o futuro dessas iniciativas de fidelização de clientes, ainda mais diante do interesse cada vez maior de gigantes como o Google na indústria de viagens?

“Esse é um ponto importante e, de fato, passamos muito tempo analisando dados sobre essa questão. O que temos observado é que nossa base de usuários tem crescido entre as gerações mais jovens. Mais ainda, a participação desse público na geração de ocupação para nossos hotéis por meio do programa também vem avançando”, comentou Ballotti, acrescentando que, em comparação com o período pré-pandemia, a fatia de clientes das gerações Z e Millennials avançou 300 BPS (basis points)*.


“À medida que a base de usuários do nosso programa fica mais jovem e mais ocupação é gerada a partir dela para nossos hotéis, concluo que esse perfil de público segue engajado e fidelizado. E sabe por quê? Porque eles estão procurando o que todo viajante moderno deseja: noites grátis. É isso que o engaja mais do que descontos, café da manhã gratuito ou outros benefícios. Isso fica nítido na forma como eles resgatam os pontos no Wyndham Rewards.” – Geoff Ballotti


Mão de obra

Pessoas são um componente estratégico na indústria de hospitalidade. Com as transformações que o setor passou em função das mudanças comportamentais geradas pela pandemia, hoje os profissionais prezam por maior flexibilidade e qualidade de vida no cotidiano profissional. Esse fenômeno deixou ainda mais clara a crise de mão de obra na hotelaria. Como gigantes como a Wyndham lidam com a questão? Como a empresa age para que seus valores e atributos de marca cheguem à força de trabalho nos quatro cantos do mundo?

“Estou há muito tempo na indústria e já aprendi que o setor gira em torno do papel das pessoas e das lideranças, o que passa muito pelo gerente geral. Internamente, requisitamos a todos eles que passem pelas sessões de treinamento da Wyndham University, que tem como ethos principal nossa filosofia Count on Me”, explica Ballotti. “Esta, por sua vez, é baseada na responsabilidade pessoal, na integridade e em fazer o que os hóspedes esperam na prestação de um ótimo serviço. Ainda assim, como falei no começo, tudo depende da liderança e, em última instância, no entendimento e comprometimento das pessoas a essa filosofia”, continua.

Questionado se empresas franqueadoras como a Wyndham teriam um desafio maior em levar essa mensagem à ponta da operação, o CEO vendeu bem o peixe da empresa. “Acredito ser uma questão de políticas, procedimentos e treinamentos. Nós temos a missão de inspecionar, do ponto de vista da garantia de qualidade, a operação. É algo que fazemos semanalmente ou mensalmente, e isso faz parte do coração da marca”, diz.

“Claramente, se você opera seu próprio hotel e não o franqueia, essa função recai apenas nos ombros do gerente geral. Para nós, como a maior franqueadora de hotéis do mundo, nosso trabalho é garantir a entrega do treinamento necessário, além de manter uma interação constante com nossos proprietários. Por isso que o gerente geral tem papel tão importante. Ele é o coração e alma de toda a nossa indústria”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Vinicius Medeiros/Hotelier News

(**) Crédito da imagem: reprodução de internet

(***) Crédito da foto: Vinicius Medeiros/Hotelier News