Ruas lotadas, principais atrações com filas quilométricas, restaurantes e lojas de chocolate lucrando horrores… Quem frequenta Gramado (RS) se acostumou com esse cenário, principalmente após a flexibilização das medidas de restrição impostas pela pandemia. Com a alta demanda, a hotelaria obviamente se beneficiou, impulsionando, desde o meio de 2021 com mais força, uma alta nas tarifas que ajudou – e muito – na recuperação das perdas geradas pela Covid-19. O momento atual, contudo, é de autorreflexão e, ao longo do texto, será possível entender melhor o por quê.

Isso porque, nesta reta final de ano, está sendo possível estacionar o carro na Avenida Borges de Medeiros, comprar com tranquilidade tíquetes para as atrações da cidade ou mesmo sentar para almoçar nos restaurantes mais concorridos sem esperar tanto. Surpreendente em plano Natal Luz, não? Um dos destinos mais explorados pela CVC, Gramado historicamente tem como público-alvo as classes B e C. Nos últimos dois anos, com o mercado de viagens internacionais bastante restrito, turistas mais endinheirados passaram a lotar o município da Serra Gaúcha, que passou a receber atenção de viajantes de todo tipo de bolso.

Tal movimento não passou desapercebido pela hotelaria, que de maneira justa e necessária (em função da alta demanda e da inflação) ajustou para cima seus preços. Como o movimento seguia respondendo, as tarifas ficaram onde estavam até setembro, quando começaram a cair. Ocorre, no entanto, que atualmente a hospedagem é provavelmente o item de menor peso no orçamento de viagens das famílias. Sim, em Gramado, as lojas de chocolates são salgadas, os passeios para muitas das atrações e parques temáticos idem, assim como os restaurantes. Tudo isso sem contar as passagens aéreas, que explodiram este ano.

Formou-se, então, uma espécie de “tempestade perfeita” – e logo na alta temporada do Natal Luz. Como os endinheirados voltaram a viajar para o exterior, a demanda naturalmente cedeu um pouco, mas o pior mesmo foi afastar o público cativo, que fez contas (somando os custos das passagens, atrações, alimentação e etc) e viu que o destino estava caro demais. “Essas pessoas seguem viajando, mas estão preferindo outros locais para este final de ano”, afirma Elis Zillis, sócia da Flui Hotelaria, que fez um post sobre assunto nas redes sociais da consultoria (veja ao abaixo).

Gramado - autorreflexão do trade - Flui Hotelaria 1

Ação e reação

De fato, tanto o comércio local, quanto estabelecimentos gastronômicos, vêm relatando queda no movimento. Outro bom termômetro é a comercialização de ingressos e experiências nas diferentes atrações de Gramado. Player importante do segmento na Serra Gaúcha, a Brocker Turismo dá um olhar parecido. “Em novembro, tivemos vendas similares às obtidas um ano antes. Nosso mês de dezembro, contudo, está cerca de 20% abaixo”, informa Carlise Bianchi, diretora do Grupo Brocker. “Eleições, Copa do Mundo, aéreos mais caros e abertura do exterior como opção de destino… Tudo isso impactou nessa temporada”, completa.

Diante dessa nova realidade, a hotelaria também teve que se mexer, e tomando uma atitude que ninguém gosta. Dados obtidos com exclusividade pelo Hotelier News com a OTA Insight mostram que o setor fez um ajuste de rota no tarifário nesta reta final de ano. Segundo números da plataforma de data intelligence para a hotelaria, as tarifas públicas de Gramado cederam 28% para a noite de Natal e 25% para o Réveillon frente aos 30 dias anteriores (veja mais abaixo). Ainda assim, é importante ressaltar que alguns dos principais hotéis da cidade conseguiram manter bons níveis de ocupação, apesar da diária média abaixo de 2021.

“No geral, quando uma praça faz um movimento desses, é muito provável que houve uma falsa expectativa sobre a demanda. Provavelmente, esperavam-se altas ocupações, que pelo visto não vieram. Em consequência, há esse movimento drástico de baixar preços para tentar viagens last minute”, explica Ricardo Souza, Lead Team da OTA Insight na América Latina.

Gramado - dados OTA Insight

Reflexão

Fontes ouvidas pelo Hotelier News acreditam que um conjunto de fatores explica essa reversão de cenário em Gramado. Como adiantado por Carlise, as incertezas políticas e econômicas, a alta nos preços das passagens e até mesmo a falta de novos atrativos turísticos no destino contribuíram para isso. “A grande questão é essa: talvez Gramado tenha que avaliar se consegue sustentar esse nível de preço sem afastar o público que sempre movimentou a cidade”, acrescenta Souza, repetindo avaliação passada pela Flui Consultoria em seu post.

“Com a volta da normalidade e da relação oferta e demanda regendo o movimento do mercado, acho que caiu a ficha da hotelaria de Gramado. Os hotéis estão fazendo promoções, mas, mesmo baixando preço, não está alterando a procura, porque não tem demanda”, explica Gabriela Schwan, CEO da Swan Hotéis que, este ano, abriu uma propriedade na vizinha Canela. “Por aqui, de acordo com dados que tivemos acesso, o movimento está bem abaixo de 2021. Se Gramado estivesse realmente bombando, teríamos reflexos em Canela”, completa.

Presidente do Sindtur Serra Gaúcha, Claudio Souza faz um diagnóstico similar, acrescentando ainda que a região teve aumento considerável de oferta de quartos desde 2021. “Durante o pós-pandemia, surfamos uma onda muito positiva, com boas ocupações e preços mais altos. Agora, temos uma concorrência mais forte, como de destinos no exterior. Por isso, acho que dificilmente devemos atingir novamente aqueles números. Ainda assim, para um ano de eleição, a hotelaria da região mostrou sua força, com receita crescente, mesmo com aumento da oferta”, avalia.

“Nossa realidade atual é cobrar aquilo que se entrega. Quem baixou a tarifa, talvez tenha feito isso porque não entregava dentro da expectativa do turista. Acho que isso é saudável para Gramado”, continua. “Então, quem se preparou para essa realidade, vai sair com boa rentabilidade no Natal Luz. Só não é o número que esperávamos, ao menos estamos dentro da realidade”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Divulgação/Visit Brasil

(**) Crédito da infográfico: OTA Insight