A diferença salarial entre homens e mulheres é uma realidade antiga no Brasil e, no setor privado, não poderia ser diferente. Segundo o 1º Relatório de Transparência Salarial divulgado ontem (25) pelos ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego, elas recebem 19,4% a menos os homens nas maiores empresas do país, refletindo em menor representatividade no mercado de trabalho. Na hotelaria e turismo, por exemplo, as profissionais ocupam apenas 7% dos cargos de liderança.

De acordo com o documento, a diferença de remuneração entre homens e mulheres em cargos de dirigentes e gerentes chega a 25,2%. O levantamento foi feito com 49,5 mil estabelecimentos do setor privado com 100 ou mais empregados, até março deste ano. Segundo o governo, a maioria das empresas que enviaram os relatórios (73%) têm 10 anos ou mais de existência. Juntas, elas somam quase 17,7 milhões de colaboradores.

A exigência do envio de dados consta na Lei de Igualdade Salarial entre homens e mulheres, sancionada em julho do ano passado. A regra estabelece que as empresas que descumprirem as normas de igualdade salarial terão que pagar multa equivalente a 10 vezes o valor do salário da pessoa discriminada. O texto também aponta tratamento igualitário em razão de raça e etnia, revela o G1.

Outros dados

A pesquisa aponta que o salário mediano de contratação de mulheres negras (R$ 1.566,00) corresponde a 82% da média (R$ 1.901,00), enquanto o dos homens não negros era 19% superior. Enquanto a remuneração média de uma mulher negra é de R$ 3.040,89, correspondendo a 68% da média, a dos homens não negros é de R$ 5.718,40, 27,9% superior.

As mulheres negras ganham 66,7% da remuneração das não negras. De modo geral, a remuneração média das mulheres (R$ 3.041,00) equivale a 68% do valor médio (R$ 4.472,00), e o salário dos homens não negros era 27,9% maior que o valor médio. No recorte por região, no Distrito Federal e no estado de São Paulo estão os maiores salários medianos de contratação (R$ 2.901,68 e R$ 2.012) e as maiores remunerações médias (R$ 6.045,01 e R$ 4.736,62), respectivamente.

O Distrito Federal, por exemplo, é a unidade da federação com menor desigualdade salarial entre homens e mulheres: elas recebem 8% a menos que eles, em um universo de 1 mil empresas, que totalizam 462 mil ocupados. A remuneração média é de R$ 6.326,24. Os estados de Sergipe e Piauí também apresentaram pequenas diferenças salariais, com elas recebendo 7,1% e 6,3% menos do que os homens, respectivamente.

Porém, ambos os estados têm remuneração média menor: R$ 2.975,77 em Sergipe e R$ 2.845,85 no Piauí. São Paulo, por sua vez, é o estado com maior número de empresas participantes (16,5 mil), e maior diversidade de situações. As mulheres recebem 19,1% a menos do que os homens, praticamente espelhando a desigualdade média nacional. A remuneração média é de R$ 5.387,00.

Entre as empresas que enviaram dados, 32,6% têm políticas de incentivo à contratação de mulheres. O número é ainda menor quando se consideram grupos específicos: negras (26,4%), com deficiência (23,3%), LGBTQIAPN+ (20,6%), chefes de família (22,4%), vítimas de violência (5,4%). O relatório aponta, ainda, que 38,3% declararam que adotam políticas de promoção de mulheres a cargos de direção e gerência.

Critérios remuneratórios

De acordo com o relatório de igualdade salarial, 51,6% das empresas possuem planos de cargos e salários ou planos de carreira. Grande parte delas adotam critérios remuneratórios de:

  • proatividade (81,6%)
  • capacidade de trabalhar em equipe (78,4%);
  • tempo de experiência (76,2%);
  • cumprimento de metas de produção (60,9%);
  • disponibilidade de pessoas em ocupações específicas (28%);
  • horas extras (17,5%).

Questionamentos

Na semana retrasada, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) entraram no SFT (Supremo Tribunal Federal) com uma ação contra trechos da Lei que obriga o pagamento de salários iguais para homens e mulheres na mesma função.

As entidades afirmam que não estão questionando a isonomia prevista na norma, mas que a norma desconsiderou “hipóteses legítimas de diferenças salariais fundadas no princípio da proporcionalidade”, como a antiguidade na empresa.

“Observe-se que, no caso, a diferenciação imposta pela expressão aqui reputada inconstitucional não encontra respaldo nos critérios constitucionais de busca pela isonomia material ou formal, uma vez que alinha, de forma abstrata, os valores dos salários (ignorando as circunstâncias de equidade que atrairiam e justificariam, concretamente, as desequiparações)”, diz o texto.

No mesmo período, foi divulgada um nota técnica do Cade (Departamento de Estudos Econômicos do Conselho de Administração de Defesa da Concorrência), sugerindo que um dispositivo da Lei de Igualdade Salarial entre homens e mulheres não seja aplicado.

De acordo com o documento, a recomendação é para que a regra, contida na lei, que determina que empresas com 100 ou mais empregados publiquem relatórios de transparência salarial para comparar a remuneração entre homens e mulheres, seja suspensa ou cancelada.

Segundo análise do Departamento, a obrigação de publicação de relatórios com dados sobre remuneração dos trabalhadores pelas empresas “pode configurar a publicação de dados concorrencialmente sensíveis e, dessa forma, contribuir para a adoção de condutas concertadas anticompetitivas, como a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes, ou mesmo, formação de cartéis”.

Na ocasião, Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego, questionou a nota técnica do Cade. “Não há disposição nenhuma nossa de não divulgar o relatório da igualdade salarial, para dar transparência. Não vejo nenhum prejuízo que as empresas, empresários e que especialmente as entidades empresariais vêm falando”, pontuou.

(*) Crédito da foto: Mapbox/Unsplash