Ainda sentindo os efeitos das transformações catalisadas pela pandemia, a hotelaria se encontra em um movimento de descoberta de novas oportunidades. Com a digitalização do consumo e a demanda por experiências para além da hospedagem, bem como o crescimento da procura por canais alternativos, como o Airbnb, o setor caminha para um futuro híbrido em termos de oferta de serviços.

Grandes redes, como Hilton, Marriott e Hyatt, costumam ditar as tendências que chegarão ao mercado brasileiro. Em 2023, nos deparamos com uma enxurrada de notícias de lançamentos de marcas voltadas para o long stay — elevando a oferta de studios que competem diretamente com o short-term rental.

Em abril, a Hyatt comunicou a chegada do Hyatt Studios, seguida pela Hilton com o Project H3 e, mais tarde, a Marriott, que lançou o StudioRes. Apesar de nenhuma das bandeiras ter previsão de estreia por aqui, a hotelaria brasileira já sente os sinais para fazer seus próprios movimentos de mercado.

Atrair hóspedes individuais e clientes de extended stay  (30 noites ou mais) abre mais uma camada de um segmento que tem a complexidade em sua natureza. E mesmo sem as propriedades de marcas de grandes para estadas prolongadas em território nacional, alguns hoteleiros brasileiros que olham para um futuro híbrido de demanda saíram na frente.

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Hotéis são hubs por si só, diz Gabriela

Hibridização em camadas de negócios

CEO da Swan Hotéis, Gabriela Schwan é um exemplo de uma nova leva de hoteleiros que entenderam o recado. Sob sua gestão nasceu o Swan Generation — empreendimento híbrido localizado em Porto Alegre. O Gen, como é conhecido internamente, foi inaugurado com uma proposta inovadora de hospedagem, long stay, coworking, gastronomia, tecnologia e eventos.

Para a executiva, a hibridização do setor não se limita à oferta de hospedagem. Vai muito além disso. “Não se trata apenas do tempo de permanência. Acredito que as grandes redes estão colocando essa hibridização em partes. No Swan Generation, temos um negócio de muitas camadas, pois entendemos que um hotel por si só já é um hub”.

As vivências da CEO fora do Brasil foram pontos essenciais para a mudança de mentalidade sobre o que é e como fazer hotelaria. Em sua passagem pelos EUA, Gabriela entendeu que o modelo híbrido mais cedo ou mais tarde chegaria em terras tupiniquins.

“Sabia que levaria tempo para a hotelaria brasileira adaptar sua cultura, com áreas compartilhadas de serviços e plataformas de vendas de uma semana de permanência mínima. É um futuro que nasceu com os flats que trouxe para o Gen junto com o coworking e a pandemia validou essa tendência para se tornar realidade”, conta a executiva.

Daniel Guijarro, consultor da GR Associados, concorda que a hibridização já está presente no mercado brasileiro, impulsionada por mudanças de compra do consumidor. “Com a pandemia, a demanda caiu para todos. Contudo, houve uma transformação não só do hóspede, mas do processo de reserva”.

O consultor prevê que esse modelo híbrido de oferta deve aumentar exponencialmente na hotelaria nacional. “A hotelaria tradicional pode ter problemas se não perceber isso. É preciso acordar para uma nova realidade de comportamento de compra e oferta. Muitos hotéis já têm desafios por não se atualizarem”.

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Público está de olho no digital, pontua Guijarro

Do outro lado do balcão

O crescimento da oferta de short-term rental em grandes capitais, como São Paulo, expõe ainda mais os motivos de um caminho híbrido para a hotelaria. Bairros de perfil corporativo, como Faria Lima e Berrini, estão recebendo constantemente novos projetos que enchem os olhos também de quem pretende investir.

“São projetos que vem muito mais como investimento do que como moradia. As pessoas compram e colocam no Airbnb, acabando na mão de administradoras. E essas acomodações vão parar em OTAs, como a Booking”, salienta Guijarro. “Não deixam de ser hospedagens concorrendo com hotéis, em tese com menos serviços, mas com UHs equipadas”, acrescenta.

E foi justamente acompanhando tendências imobiliárias que a Swan Hotéis se inspirou para desenvolver o Swan Generation. “Junte isso ao comportamento dos Millennials, Geração Z e nômades digitais, que não têm interesse em adquirir um imóvel, mas em viver experiências e curtir a vida. Esses foram os componentes para idealizar o modelo do Gen”, explica a CEO.

A rede gaúcha dividiu a receita do Swan Generation em nichos de negócios, com 20% para o coworking, 25% para eventos e A&B (Alimentos & Bebidas) e o restante para hospedagem, seja ela long stay ou venda por cama.

“A demanda para Porto Alegre aqueceu e hoje estou com mais long stay do que moradores, com estada média de três a seis meses. O Gen se tornou um produto de desejo na cidade que se consolidou em 2022 como um hub de hospitalidade”, avalia Gabriela. “Hoje, somos procurados para long stay por nossa oferta de áreas comuns e valores para todos os gostos e bolsos”.

Guijarro alerta que, antes de promover mudanças, cada hoteleiro precisa olhar para sua realidade de mercado. “É uma necessidade ou oportunidade? Digo isso porque muitas pessoas alegam que o segmento corporativo vai cair em demanda e eu não acredito nisso. O que pode acontecer é que a demanda não aumente proporcionalmente à oferta. Existem mercados e mercados, nem todas as cidades são como São Paulo, por exemplo”.

Um novo perfil de público

Nos corredores do Swan Generation, é possível ver executivos, porto-alegrenses, nômades digitais, entre outros perfis de hóspedes. “Muitas pessoas solteiras preferem morar aqui do que em um short-term rental, pois proporcionamos eventos, conexões, música e encontros que o outro segmento não tem”, revela Gabriela.

Para a CEO da Swan, o lifestyle não pode ser mais definido apenas por uma decoração moderna, mas sim por seu trabalho com gerações distintas, condições financeiras e camadas de negócios. “É surpreendente como as pessoas não querem mais o tradicional, exceto raras exceções”.

E a mudança para atender a esse novo perfil de público passa também pela equipe. Guijarro pontua a necessidade de um trabalho mais informal, mas sem perder a qualidade. “Existe sempre a oportunidade de se atualizar em relação ao novo comportamento da demanda de mercado. Não se trata apenas de uma nova composição de apartamento”.

O consultor ressalta que essa fatia de consumidor tem um forte olhar para o digital, sendo amplamente impactado por conteúdos de vídeos em redes sociais. “A presença de investimentos em marketing em plataformas como Tik Tok, Instagram, etc ganham uma relevância ainda maior. É uma clientela que está surgindo em busca de novidades”.

“O que está forte hoje pode não estar amanhã. E, eventualmente, o dia de hoje poderá ser um grande gerador de demanda. Temos que ter em mente que este é um momento de aumento na oferta de formas de hospedagens”, conclui Guijarro.

(*) Crédito da capa: Unsplash

(**) Crédito da foto Gabriela: Peter Kutuchian/Hotelier News

(***) Crédito da foto Daniel: Divulgação