Ciro Ribeiro Rocha, CEO da Enredo Brand Innovation, colaborou com Francisco Costa Neto na produção do texto*

Recentemente os mercados imobiliário e de turismo foram surpreendidos com o anúncio de uma nova investida da Disney. Denominada Storytelling, a iniciativa promete desenvolver comunidades residenciais aliando serviços, lazer e comodidades, tudo chancelado pela marca. Na prática, uma espécie de “bairro planejado”. O primeiro empreendimento já tem local definido: o Rancho Mirage, na Califórnia, onde o próprio Walt Disney já teve uma residência.

Apesar do grande alvoroço, que de fato ajuda a posicionar Disney como uma marca vanguardista no mercado global, fica a pergunta: estamos falando sobre um projeto novo ou inovador? Gosto de pensar no conceito de inovação sob o seguinte ponto de vista: o que as pessoas desejam, o que é sustentável para o negócio e o que é viável em termos de implantação ou tecnologia.

Dito isso, volto à questão: estamos falando mesmo sobre um projeto novo ou inovador? Ao meu ver, de inovador apenas sua localização geográfica: Califórnia. Explico:

  • Há mais de 20 anos, em Orlando (FL), o projeto Celebration foi lançado por meio de uma parceria da Disney com um desenvolvedor imobiliário em uma época na qual o Rato estava saindo de uma crise e precisava focar esforços em seus negócios principais. Ou seja, mais uma branded community (ou uma comunidade planejada assinada) como, por exemplo, JHSF Fasano Boa Vista e etc. Nada de novo, portanto.
  • O conceito de branded residences (ou casas assinadas por marcas hoteleiras) já existe há mais de 20 anos. Four Seasons e Ritz Carlton são bons exemplos. Novamente, nada de novo.
  • Um dos grandes atrativos do projeto da Califórnia é a Piscina de Ondas, que já é comum por aqui, tendo sido, por exemplo, lançado pelo Rio Quente (hoje Aviva) em 2009, no mesmo ano em que foi inaugurada a Praia do Cerrado no mesmo empreendimento. Desta data tenho certeza, pois estava lá. Hoje, mais de 10 anos depois, o Brasil conta com inúmeros – e grandes – projetos de surf, piscina de ondas e etc. Então, mais uma, nada de novo.
  • O cartão postal do novo empreendimento da Disney, a Lagoa Artificial é também algo já visto antes. Pioneiros nesse tipo de projeto, os chilenos da Crystal Lagoon já o fazem há mais de 15 anos. Sendo redundante, nada de novo.

Portanto, qual é a notícia aqui? Para mim, começa com o reforço das tendências que vemos em diversos outros mercados, pautados nas transições de comportamentos das pessoas:

  • Residir em qualquer lugar.
  • Trabalhar em qualquer lugar.
  • Viver mais, ou seja, “ser” versus. “ter”.

Todas essas mudanças de comportamento acima, aliadas à tecnologia, gerarão um novo boom no mercado imobiliário de lazer, trazendo serviços, entretenimento, hospitalidade e novos termos que o mundo e o Brasil nunca viram antes. Aliás, o termo imobiliário de lazer pode soar confuso, já que normalmente nos referimos a termos como primeira e segunda moradias.

É exatamente nesse ponto em que se encontram inúmeras novas oportunidades, como, quem sabe, o bleisure, ao misturarmos lazer e negócios em uma só viagem. Ou como chamaremos nossas moradias onde residimos, mas também nos divertimos? Quais novos termos o mercado vai inventar? Que tal, resleisure?

Sim, tudo soa estranho quando falamos pela primeira vez, mas adoro não encontrar algo no Google! Independentemente do termo, nesse novo mundo de resleisure, a capacidade de criar o contexto ou conteúdo é o game changer para projetos vencedores.

A criação de lagos e praias artificiais são essenciais, já que faz bem – e todo mundo quer – estar mais próximos da água e da natureza. E se tiver uma chancela de uma marca tão querida como Disney? Melhor ainda – mas também provavelmente mais caro.

Francisco Costa Neto - artigo Disney_interna

Projeto da Disney prevê branded residences, piscina de ondas e uma lagoa artificial

 

Pessoalmente, acredito muito nesse modelo de desenvolvimento integrando entretenimento + real estate. A Beta Advisory, minha nova empresa, nasceu com esse pensamento traduzido no próprio nome: Brazilian Entertainment Tourism Advisory.

Nesse novo mundo resleisure, acredito piamente que ninguém compra um ingresso, uma hospedagem, uma fração imobiliária ou qualquer real estate sem um fator wow, sem uma atração a mais, sem envolvimento emocional que faça sentido.

Francisco Costa Neto: e no Brasil?

Um dos pontos mais interessantes do novo projeto da Disney é a sua implantação em uma cidade terciária, não turística, que me anima e confirma o caminho que Beta Advisory está pavimentando na América do Sul. Em pouco menos de um ano de operação, estamos assessorando e participando do sucesso de três projetos com conceitos quase idênticos, mas com alma local, que somam mais R$ 400 milhões de investimentos (Obs: sorry, Mr. Mouse, não sabia do seu projeto, só estávamos nos virando aqui com um time incrível de parceiros de criação)

Sim, todos estes projetos estão sendo construídos em escalas adequadas para suas regiões, todos contam com tecnologia de lagoa artificial nacional e todos foram pautados no conceito de entretenimento + resleisure. Mais ainda, em todos eles, buscamos algo a mais: uma rentabilidade ainda maior que o real estate tradicional de lazer, usando o modelo de #multipropriedade e, com isso, aderindo a outra tendência: compartilhamento.

Por fim, é verdade: o Rato sempre inovou, sabe gerenciar de forma brilhante o valor de sua marca em escala global e, agora, aventura-se em um mercado de comunidades planejadas com lagoas, parques e a venda de timeshare high-end. Agora, convenhamos, nada de novo.

Aqui no Brasil, talvez o nosso foco de inovação seja entender como encaixar esses conceitos em um país com tanta diversidade por meio de escalas menores – mas só a escala, não os VGVs (Valor Geral de Venda), e dentro da nova (e crescente) indústria da #multipropriedade. Além disso, como criar maneiras de financiar essa empreitada em uma economia de juro real forte?

Nesses aspectos, sim, acho que temos como contribuir e, de fato, inovar.

A nós e a todos do setor imobiliário, hospitalidade e entretenimento de lazer, fica uma missão: fazer a nossa parte, já que Mr. Mouse não vai fazer por nós. Ainda bem, porque se um dia vier, a chance é de que ele coma o seu queijo inteiro. E, de fato, isso o rato mais famoso do mundo faz melhor do que ninguém.

Francisco Costa Neto é managing partner da Beta Advisory. Mais conhecido como Neto na indústria de hospitalidade, o executivo foi, de 2006-2019, CEO da Aviva, detentora das marcas Hot Park, Rio Quente Resorts e Costa do Sauipe. Introdutor do conceito de timeshare no Brasil, Francisco Costa Neto acumula ainda passagens por empresas de telecomunicações e banco de investimentos.

(*) Crédito das fotos: Divulgação/Disney