No começo de 2024, a fatia de renda das mulheres que é comprometida com o pagamento de dívidas bateu recorde. De acordo com levantamento da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) para avaliar o endividamento desse grupo, 30,5% do orçamento mensal das mulheres estava destinado a quitar empréstimos no primeiro mês do ano, aponta o Valor Econômico.

Essa é a maior proporção entre as mulheres endividadas desde o início da série para esse dado, em maio de 2021. Para o turismo, por exemplo, isso traz um ponto de atenção: considerando que as mães, além de serem chefes de muitas famílias, também atuam muitas vezes como decisoras das viagens, e esse cenário pode comprometer a demanda do setor. A fatia de renda comprometida com dívidas também é ligeiramente superior a dos homens, de 30,3%, e da média nacional, de 30,4%.

Apesar de o endividamento atingir homens e mulheres praticamente na mesma proporção, houve, no caso das mulheres, crescimento mais evidente. Desde meados do ano passado, a proporção de mulheres endividadas vem crescendo acima dos homens, atingindo parcela recorde em janeiro. Izis Ferreira, economista da CNC responsável pela pesquisa, afirma que o levantamento não costuma ter grandes saltos percentuais no recorte mensal.

Ela avalia, ainda, que para mensurar tendências é importante identificar mudanças na primeira casa decimal. Por isso, diz, a diferença na fatia entre homens e mulheres, embora pequena, é bastante significativa. A pesquisa é um recorte por gênero da Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor), da CNC, realizada com aproximadamente 18 mil consumidores, em todas as capitais e no Distrito Federal.

Outros dados

Também na Peic a parcela de mulheres endividadas aumentou de 78,3% em dezembro para 79% em janeiro. Foi a mais elevada entre as mulheres desde setembro do ano passado (79,1%) e a maior da série para meses de janeiro. No caso dos homens, a parcela de endividados também acelerou, mas de forma menos intensa: de 76,9% para 77,2% entre dezembro e janeiro.

De acordo com especialistas, os números refletem uma “tempestade perfeita” no orçamento da mulher brasileira nos últimos anos. Ao mesmo tempo em que as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens, elas tomaram para si mais despesas da casa. Isso ocorreu porque houve crescimento de domicílios chefiados por mulheres, especialmente sem cônjuge.

Essa mudança já tinha sido destacada em estudo de Janaína Feijó, pesquisadora da FGV (Fundação Getulio Vargas), antecipado ao Valor ano passado, e feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No trabalho, ela alertou que a participação das mulheres como responsáveis, no total de domicílios, saiu de 35,7% para 50,9% entre 2012 e 2022, enquanto a dos homens caiu de 64,3% para 49,1%. A quantidade de lares com mulheres responsáveis pela família, com remuneração mais alta do domicílio, subiu 72,9% entre 2012 e 2022, e passou de 22,2 milhões para 38,3 milhões de residências.

A necessidade de fazer frente às despesas da casa, com ganhos menores, faz com que a mulher seja mais vulnerável financeiramente e mais propensa a contrair dívidas, acrescentou Izis. “Temos mais mulheres na informalidade, sendo responsáveis por seus lares, pelo sustento das famílias. E isso se reflete em maior endividamento e maior comprometimento [da renda] com dívidas”.

Vale lembrar que cerca de 80% dos brasileiros planejam reduzir gastos em 2024, com despesas de mercado e energia elétrica aparecendo como prioridades no corte de custos.

(*) Crédito da foto: Pixabay