Como já era esperado pelo mercado financeiro, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central reduziu ontem (20) a taxa Selic em mais 0,5%, de 11,25% para 10,75% ao ano, aponta a Folha de São Paulo. Em decisão unânime, o colegiado também alterou o trecho do comunicado que sinaliza os próximos passos da autoridade monetária, aguardado com grande expectativa pelo mercado.

Nesse ponto, o texto passou a sinalizar um corte da mesma intensidade apenas na próxima reunião. Isso significa que o Copom prevê nova redução de 0,5% na Selic no encontro agendado para maio, abandonando o plural usado nos comunicados anteriores, ou seja, deixando de se comprometer com um corte dessa magnitude nas próximas reuniões.

Dessa forma, o comitê ganha mais liberdade para mudar o ritmo de corte à frente. “Em função da elevação da incerteza e da consequente necessidade de maior flexibilidade na condução da política monetária, os membros do comitê, unanimemente, optaram por comunicar que anteveem, em se confirmando o cenário esperado, redução de mesma magnitude na próxima reunião”, escreveu o colegiado.

Na avaliação do Copom, essa é a condução apropriada para manter a política monetária contracionista, que visa conter o processo inflacionário. Por outro lado, “moderação” e “serenidade” continuam no repertório do comunicado. “O comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional estão mais incertas, exigindo cautela na condução da política monetária”. Para a hotelaria, a redução e um possível ciclo futuro de mais cortes é um cenário positivo, visto que recursos mais baratos favorecem a perspectiva de novos projetos.

Expectativas

O tom do discurso do Copom pode significar possível redução no ritmo de corte a partir de meados deste ano. Contudo, o comitê reiterou que a magnitude total do ciclo de flexibilização de juros ao longo do tempo irá depender da evolução da trajetória da inflação, entre outros fatores.

Desde agosto do ano passado, a Selic teve seis reduções consecutivas de 0,5%. Com isso, a taxa básica de juros chegou ao menor patamar desde fevereiro de 2022, quando estava em 9,25% ao ano. Para Andrea Damico, economista da Armor Capital, a mudança na orientação futura não significa alteração no plano do colegiado do Banco Central no curto prazo.

Além disso, ela espera que o ritmo atual seja mantido em mais duas ou três ocasiões e projeta que, ao término do ciclo, a Selic atinja 8,75% ao ano. “Acreditamos que o Copom vai continuar nesse ritmo de 0,5%, porque vemos a retomada da tendência de desinflação de serviços subjacentes e de núcleos, que retiram da análise itens mais voláteis para observar melhor a tendência de preços”, diz.

Uma eventual desaceleração de cortes da Selic é esperada pela economista apenas no fim do ciclo. Na visão dela, isso não acontecerá em junho porque os juros ainda estão em patamar bastante restritivo (acima da taxa de juros neutra, aquela que não estimula nem desestimula a economia).

A expectativa da economista é de de que na ata, que será divulgada no dia 26 de março, os membros do colegiado qualifiquem quais são as incertezas observadas, sobretudo pelo fato de não ter alterado a mensagem no balanço de riscos para a inflação.

Entre os motivos que puxariam os preços para cima, mencionou maior persistência das pressões inflacionárias globais e maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função do hiato do produto —margem que a atividade tem para crescer até atingir sua capacidade máxima— mais apertado.

Na contramão desse cenário, entre os riscos de baixa, o comitê citou desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a estimada e os possíveis impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global.

Nas últimas semanas, os dados mostraram um cenário de atividade econômica mais forte. Também persistem dúvidas quanto à trajetória da inflação de serviços subjacentes —que refletem a dimensão de alta de preços relacionada ao mercado de trabalho e a reajustes salariais.

Cenário macroeconômico

Outro ponto que pode ter contribuído para a mudança de tom do Copom foi o aumento da incerteza quanto ao início do ciclo de cortes de juros nos EUA, o que poderia recomendar maior cautela do Banco Central na condução da política monetária doméstica.

“A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, expectativas de inflação com reancoragem apenas parcial [convergência parcial em direção às metas] e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária”, pontua o comitê.

No acumulado de 12 meses até fevereiro, a inflação oficial do Brasil, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), atingiu 4,5% , teto da meta perseguida pelo Banco Central. A partir deste ano, a meta de inflação definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5% para mais ou para menos. Isso significa que o objetivo será considerado cumprido se oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).

“A inflação cheia ao consumidor manteve trajetória de desinflação, enquanto as medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes”, diz o Copom. No cenário de referência do comitê, as projeções de inflação para este ano e para o próximo se mantiveram em 3,5% e 3,2%, respectivamente. O colegiado reconheceu que o cenário base não se alterou consideravelmente.

Ambas as projeções estão abaixo da mediana das expectativas dos agentes do mercado financeiro, coletadas pelo boletim Focus para este ano e o próximo: 3,79% e 3,52%, respectivamente. Rodolfo Morgato, economista da XP, destaca que o Copom trouxe uma visão um pouco mais benigna para inflação de preços livres, visto que manteve suas projeções para a inflação cheia em um cenário de aumento nas expectativas quanto aos preços administrados.

Aind assim, ele considera que o colegiado adotou um tom mais duro ao indicar a busca por maior grau de liberdade. “Não mudamos a projeção de 9% de Selic até o final deste ano, mas reconhecemos uma simetria para cima, algum viés de alta [na estimativa] aos olhos de hoje”, diz.

O Santander, por sua vez, entendeu a mudança na comunicação como um indicativo de que o colegiado ficará mais dependente dos dados, tanto para futuras decisões sobre a Selic, quanto para a orientação dos movimentos seguintes. “Acreditamos que há espaço para flexibilização no mesmo ritmo [0,5 ponto] para as próximas reuniões, mas reconhecemos que a decisão de hoje [quarta] aumentou o viés no sentido de uma redução no ritmo dos cortes em 2024”, afirma o banco em relatório assinado pela economista-chefe Ana Paula Vescovi.

Apesar da mudança no tom do comunicado, o banco continua projetando taxa Selic de 8,5% ao fim de 2024. O Copom volta a se reunir os dias 7 e 8 de maio. Na semana passada, o presidente Lula voltou a fazer pressão sobre Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, afirmando que a autoridade monetária mantem a taxa de juros alta “por teimosia”, contribuindo para o “atraso no desenvolvimento econômico” do país.

(*) Crédito da foto: Pedro Lareira/Folhapress