O aperto monetário demorou mais do que costumava para afetar os volumes de crédito da economia. Agora, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central está analisando se o impacto não vai ser mais forte do que o esperado para conter o consumo, em meio a altos índices de endividamento das famílias.

A preocupação foi mencionada na última semana por Diogo Guillen, diretor de Política Econômica do Banco Central, em uma apresentação para investidores organizada pelo Bradesco BBI. Por ora, isso aparenta ser apenas mais um componente do balanço de riscos do Copom, que se reúne na próxima semana para deliberar sobre a taxa básica de juros.

“O endividamento das famílias é importante porque é algo diferente do aperto monetário anterior. Temos famílias mais endividadas e empresas menos endividadas que no período anterior”, disse Guillen. Questionado por Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe do Bradesco, se havia alguma medida mais palpável dos possíveis impactos do excesso de endividamento, ele respondeu que não havia nada “quantitativo”. “Mas acho que é algo que precisamos ficar de olho”, completa Guillen, em entrevista ao Valor Econômico.

Análise

Segundo dados mais recentes divulgados pelo Banco Central, o endividamento das famílias com o sistema financeiro representava em março 48,5% da renda acumulada nos 12 meses anteriores. Está cerca de 10 pontos percentuais acima do ciclo de aperto monetário anterior, iniciado em 2013. Ele provoca, ao longo do tempo, redução da renda disponível das famílias. Em termos práticos, isso significa que as famílias têm menos dinheiro no bolso para consumir bens e serviços porque devem fazer pagamentos maiores para os bancos.

Quando o aperto monetário começou, em março de 2021, os serviços com juros afetavam 7, 24% da renda das famílias. Dois anos depois, já tinha subido 9,64%. A amortização teve alta de 15,64% para 18,06%. Do outro lado, o alto endividamento das famílias fez os próprios bancos ficarem restritos na concessão de crédito.

“O crédito às pessoas físicas segue o ambiente desafiador, onde o maior comprometimento de renda e o elevado nível de endividamento das famílias se traduzem, na margem, em critérios mais conservadores de concessão”, destaca o Relatório de Estabilidade Financeira do BC, divulgado em maio, com dados relativos até dezembro de 2022. A situação é um pouco mais difícil nos cartões de crédito. As taxas nessa modalidade, que tem prazo mais curto, respondem mais rapidamente ao ciclo de aperto, e também a um ambiente de maior inadimplência.

O relatório apresenta dados que mostram que a participação do cartão de crédito no comprometimento de renda das famílias saltou de cerca de 20% em março de 2021 para 29,3% em dezembro de 2022. De fato, com o início do aperto monetário, a inadimplência no crédito livre às pessoas físicas subiu de 4% para 6,2%.

Como esse cenário afeta o consumo das famílias? Guillen destaca que é algo a ser observado. Dessa forma, o Copom alerta que a interação do endividamento com o consumo parece ser, pelo menos até o momento, mais um risco do que um desfecho negativo que já tenha se materializado no cenário básico.

(*) Crédito da foto: stevepb/Pixabay