De acordo com levantamento da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), o segundo trimestre de 2023 começou com estabilidade no percentual de endividamento das famílias. Em abril, o indicador 78,3% delas disseram estar endividadas, repetindo o percentual do mês anterior e do primeiro trimestre, de forma geral.

Desse total, 17,3% das famílias consideram-se muito endividadas, indicador que voltou a crescer após duas quedas, devido aos juros elevados. Em outubro do ano passado, o endividamento dos consumidores havia caído consideravelmente e voltou a crescer entre janeiro e fevereiro, por conta dos orçamentos apertados e despesas típicas de início de ano, se mantendo estável em março e abril.

Dados inéditos da CNC projetam que, a partir de julho deste ano, a proporção de endividados deve voltar a crescer e encerrar 2023 com nova máxima histórica. O percentual de pessoas com dívidas atrasadas há mais de três meses, no entanto, deve diminuir somente no fim do ano, em um cenário sem programas de regularização de dívidas atrasadas entre os mais pobres.

“O estudo do endividamento e inadimplência feito há mais de dez anos pela CNC atinge novo grau de importância no panorama econômico brasileiro, com a possibilidade de projetar a evolução do índice para os meses subsequentes”, explica José Roberto Tadros, presidente da entidade. Para ele, essa é uma “ferramenta potente no planejamento não apenas dos empresários do setor terciário, mas também dos próprios consumidores e dos tomadores de decisão no campo político”.

Inadimplência cresce na classe média

O levantamento da CNC mostra também que a redução do endividamento ocorreu de maneira distinta entre as faixas de renda em abril. Nos dois extremos (abaixo de três e acima de dez salários mínimos), houve ligeira alta na proporção de endividados, enquanto nas faixas de rendimento médio (de três a cinco salários mínimos e de cinco a dez), houve retração do indicador.

Por outro lado, no quadro anual, o endividamento cresceu em quase todas as faixas de renda. O índice aumentou 0,6% entre os mais pobres e atingiu 79%. Já no grupo que recebe entre três e cinco salários, a alta foi ainda mais evidente: 1,2%, chegando a 77,8%. Para aqueles com renda acima de dez salários, o incremento foi de 0,8%, com o índice chegando a 75,3%. Apenas o grupo de famílias com renda entre três e cinco salários apresentou ligeira queda, de 0,1%, fechando abril com 78,7%.

O quadro de inadimplência piorou entre as famílias de renda média. Cresceu mais o contingente de pessoas que ganham entre três e dez salários mínimos com dívidas atrasadas e sem condições de quitar débitos de meses anteriores, tanto no recorte mensal, quanto no anual. Dos inadimplentes que recebem entre três e cinco salários, o crescimento foi de 1% entre abril de 2022 e abril deste ano, atingindo 27,3%. Para o grupo com rendimentos entre cinco e dez, a ampliação foi de 2,1%, com o indicador chegando a 22,6%.

Apesar de a inadimplência estar 0,4% acima em relação ao ano passado entre os mais pobres, houve redução de 0,6% no índice mensal, e a taxa ficou em 36,3% em abril. Izis Ferreira, economista responsável pela pesquisa, destaca que os valores mais altos do Bolsa Família e as contratações formais de pessoas de menor nível de escolaridade têm auxiliado as famílias de renda mais baixa no pagamento de dívidas. “São elas também o principal foco das renegociações, mas o risco da inadimplência se acirrou na classe média”, afirma.

11% da população não tem como pagar dívidas

A melhora da renda disponível com a evolução positiva do mercado de trabalho e alívio da inflação atenuaram a proporção de consumidores que atrasaram dívidas em abril. O indicador caiu 0,4%, com trajetória descendente pelo quarto mês consecutivo, representando 29,4% do total de famílias e ficando abaixo da média trimestral, de 29,7%.

Porém, a proporção de consumidores sem condições de pagar dívidas atrasadas dos meses anteriores chegou a 11,6% do total de famílias brasileiras no mês, aumento de 0,1% em relação a março. Na comparação com a média trimestral, esse é o maior nível desde novembro de 2020.

“Quem tem dívidas atrasadas há mais tempo segue enfrentando dificuldade de sair da inadimplência em função dos juros elevados, que pioram as despesas financeiras”, diz Izis. Isso porque, conforme ela, dados do Banco Central apontam que a taxa média de juros em todas as operações de crédito com recursos livres às pessoas físicas chegou a 58,3% ao ano em março, 8,7% a mais do que no mesmo mês do ano passado.

Inadimplência superior a três meses tem alta

A pesquisa da CNC mostra também que o volume de pessoas com dívidas atrasadas por mais de 90 dias segue em tendência de crescimento. A cada 100 consumidores inadimplentes em abril, 45 estavam com atrasos por mais de três meses. O menor índice dos últimos 12 meses foi registrado em outubro de 2022, quando eram 41 pessoas a cada 100.

Assim, muitos consumidores têm apelado para o crédito pessoal, modalidade em que os juros tiveram menor crescimento (média de 42% ao ano, com alta de 1,3% em um ano até março), para pagar dívidas mais caras, como a do cartão rotativo, por exemplo.

Do total de consumidores endividados, 86,8% têm dívidas no cartão de crédito (alta de 0,6% no mês), enquanto 9% (crescimento de 0,4% em abril) contrataram crédito pessoal. O uso do cartão de crédito é o maior em um ano, enquanto o do crédito pessoal supera os últimos seis meses.