O ano 2024 traz um alerta vermelho para empreendimentos hoteleiros mais antigos, no que toca à possibilidade de exigir mudanças estruturais para fazer frente às exigências do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) e seu Regulamento (Decreto 9.296/2018). Alternativamente, há um projeto de lei em andamento que pode alterar as exigências em troca de descontos para os hóspedes. Cabe a avaliação de como tais exigências irão se impor.

O conceito trazido pelo Estatuto procura fazer com que a arquitetura dos empreendimentos hoteleiros permita-os receber o maior número de hóspedes, independentemente de sua condição física, sensorial, intelectual ou mental, garantindo, por outro lado, que todos os hóspedes possam desfrutar das comodidades oferecidas.
Embora haja estudos comprovando o valor agregado aos empreendimentos hoteleiros que atendam às necessidades do hóspede com deficiência ou mobilidade, conduzindo à lealdade deste público – que demonstra estar disposto a investir um valor maior para obter um serviço, ou produto turístico acessível –, nem sempre a adequação arquitetônica se mostra possível ou viável economicamente.

Como exemplo, uma pesquisa realizada por Ferst, Souza e Coutinho em dezembro de 2020, buscando analisar meios de hospedagem próximos do Centro Histórico de Manaus, verificou que apesar de 87,50% dos gestores entenderem ser a acessibilidade fator determinante para a escolha da hospedagem para os que dela necessitam, a adequação à época estava longe de se mostrar completa. Dos entrevistados, somente 12,50% dos empreendimentos estavam totalmente aptos, sendo que 62,50% dos gestores consideravam seus negócios parcialmente aptos e 25% dos administradores declaravam seus meios de hospedagem ainda inadequados.
Pois bem. O Art. 45 do Estatuto mencionado veio a exigir que hotéis, pousadas e similares sejam construídos observando-se os princípios do desenho universal e as regras da ABNT, além de adotar todos os meios de acessibilidade na forma da lei. E, para os já existentes, há a obrigação de disponibilizar, pelo menos, 10% de seus dormitórios como acessíveis, em rotas adequadas, sendo no mínimo uma unidade por estabelecimento.

O Regulamento, por sua vez, diferenciou as exigências conforme o tempo de construção, conferindo prazos distintos para seu atendimento:

a) a aprovação de projetos apresentados a partir 3 de janeiro de 2018 exigirá a adequação com os parâmetros das normas vigentes de acessibilidade;

b) empreendimentos já construídos, ampliados, reformados ou cujos projetos arquitetônicos foram protocolados nos órgãos competentes entre 30 de junho de 2004 e 2 de janeiro de 2018, devem oferecer o mínimo de 10% de dormitórios acessíveis, conforme exigido pelo Estatuto, sendo: (i) 5% com as características construtivas e recursos de acessibilidade dispostos no Anexo I do Regulamento (como dimensões de acesso, banheiro equipado, sistemas de tranca, campainha, televisão e telefone com tecnologias adequadas); e (ii) 5% com as ajudas técnicas e os recursos de acessibilidade constantes do Anexo II do Regulamento (ex: vão de passagem mínimo, barra de apoio no box, campainha, tranca, TV e telefone com tecnologias adequadas). Ademais (iii) se solicitados, deverão ser oferecidas cadeiras de roda e para banho, materiais de higiene, cardápio e impressos em braile, relógio e dispositivos para vídeo e mensagem, na forma do Anexo III do Regulamento;

c) os estabelecimentos já existentes, construídos até 29 de junho de 2004, têm até 3 de dezembro de 2024, para se adequar aos percentuais previstos em b) acima; e
restou conferido tratamento diferenciado para microempresas e EPPs.

Existe, contudo, um Projeto de Lei (PL 230/2019) – desde 12/12/2023 com a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania do Congresso – que oferece alternativas para empreendimentos que se encontrem com impossibilidade técnica para adequação por riscos estruturais da edificação (sendo tal inviabilidade justificada mediante laudo técnico). Isso permitiria aos meios de hospedagens que comprovadamente tenham impossibilidade de adequação que não o façam, desde que ofereçam desconto de 10% no valor da diária para pessoas com deficiência e publicamente divulguem tal opção. O Projeto também determina condições excepcionais para empreendimentos tombados, que exigirão aprovação pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Veja-se, de todo modo, que a relevância de noticiar o que é ofertado não só atrai público, mas também gera avaliações positivas ao negócio. Para ajudar pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida a viajarem pelo Brasil com mais autonomia e segurança, existe disponibilidade de pesquisa via Aplicativo Turismo Acessível, oferecido ao público no site gov.br, e por meio de outros aplicativos que permitam tanto a avaliação, quanto a consulta a acessibilidade de pontos turísticos, hotéis, restaurantes e atrações diversas.

Se o PL vier a ser aprovado, poder-se-ia criar uma opção para os viajantes que tenham orçamentos mais restritos, que usualmente não dispõem de tantos mecanismos de acessibilidade disponíveis.

Tal opção pode ser interessante, pois nem todos os empreendimentos hoteleiros têm possibilidade de adequação e ainda se encontram sofrendo com as consequências da pandemia, como bem sabido. Os benefícios a serem ofertados após a entrada em vigor dos regulamentos da Reforma Tributária e após a legislação do PERSE também serão absolutamente relevantes para manutenção da indústria hoteleira.

Vale, portanto, uma consulta aos arquitetos responsáveis pelos empreendimentos hoteleiros de mais longa data, observando que os de pequeno porte poderão ter tratamento diferenciado, sem descuidar-se do acompanhamento do andamento do PL 230/2019, a fim de que haja tempo suficiente para a adequação dos meios de hospedagem.

(*) Ana Beatriz é Sócia do Perez & Barros Advogados, Masters of Laws pela New York University e advogada em NY, Presidente da Comissão de Hotelaria e Multipropriedade do IBRADIM, Membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/RJ e da OAB/SP e Diretora Executiva Voluntária do Núcleo Amazonita do Instituto Mulheres do Imobiliário. Professora dos Cursos de Pós-graduação do CEPED/UERJ, PUC/RJ.

(2) Marklea da Cunha Ferst, Vitor Roslindo Kuhn e Sara Joana Gadotti dos Anjos. Valoração da Acessibilidade na Hotelaria e a Lealdade do Turista com Deficiência. Publicado em 05/07/2023. Disponível em SciELO – Brasil – SciELO – Brasil – ACESSIBILIDADE EM MEIOS DE HOSPEDAGEM: O USO DE PROCESSOS INOVADORES NO ATENDIMENTO DAS NECESSIDADES DO TURISTA COM DEFICIÊNCIA ACESSIBILIDADE EM MEIOS DE HOSPEDAGEM: O USO DE PROCESSOS INOVADORES NO ATENDIMENTO DAS NECESSIDADES DO TURISTA COM DEFICIÊNCIA, acesso em 12/12/2023.

(3) Marklea da Cunha Ferst, Julia Ismar Silva de Souza Helen Rita Menezes Coutinho. Necessidades Do Turista Com Deficiência. Publicado em 11/12/2020. Disponível em SciELO – Brasil – SciELO – Brasil – ACESSIBILIDADE EM MEIOS DE HOSPEDAGEM: O USO DE PROCESSOS INOVADORES NO ATENDIMENTO DAS NECESSIDADES DO TURISTA COM DEFICIÊNCIA ACESSIBILIDADE EM MEIOS DE HOSPEDAGEM: O USO DE PROCESSOS INOVADORES NO ATENDIMENTO DAS NECESSIDADES DO TURISTA COM DEFICIÊNCIA, acesso em 12/12/2023.