Ana Beatriz Barbosa PonteAna Beatriz é sócia do Perez & Barros

 

Há tempos os Organismos Internacionais de proteção aos Direitos Humanos, as organizações não governamentais, os grupos da sociedade civil e institutos de pesquisa vêm alertando para existência de “epidemias” de violência contra mulheres na maior parte dos países do mundo. 

O isolamento social necessário neste período de pandemia traz algumas agravantes para essa situação: o maior tempo de convivência entre vítimas e agressores, o afastamento das vítimas de sua rede de apoio (ou seja, amigos, familiares e agentes públicos), a dificuldade em realizar denúncias com presença do agressor no domicílio, a vulnerabilidade econômica gerada pelo impedimento à mulher de retornar ao mercado de trabalho diante do fechamento das escolas e creches e a exacerbação de fatores de estresse, como da sobrecarga doméstica, bem como de comportamentos abusivos e  consumo de álcool e drogas, por parte dos agressores.

No Brasil, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e a Ouvidoria dos Direitos Humanos divulgaram um aumento de 14% nas denúncias realizadas através do Disque 180, destinado a denúncias de violência doméstica contra mulher. A Justiça Estadual do Rio de Janeiro divulgou que foram registrados 50% mais casos de violência doméstica a partir do início do isolamento social e confinamento. 

Diante disso, o Projeto de lei nº 2185/2020 está em fase de sanção do governador do Estado do Rio de Janeiro desde 18/06/2020. O Projeto autoriza o Poder Executivo a requisitar administrativamente propriedades privadas, tais como hotéis, motéis e pousadas em todo território do Estado para o acolhimento e proteção de mulheres vítimas de violência doméstica e seus dependentes, enquanto perdurar a emergência em saúde pública decorrente do novo coronavirus – Covid-19. 

O Projeto ainda prevê que serão disponibilizados pelos estabelecimentos de hospedagem serviços de lavanderia, alimentação, telefonia e internet, sendo que a requisição administrativa será  fundamentada e o estabelecimento terá direito ao pagamento posterior de indenização, incluindo as despesas com remunerações, encargos previdenciários e provisões trabalhistas, com base em tabela a ser divulgada pela Secretaria de Estado de Fazenda em conjunto com a Secretaria de Estado de Turismo.

Já tivemos a oportunidade de comentar, em outro artigo publicado no Hotelier News, a aprovação pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro do Projeto de Lei nº 8770/2020 que também autorizava a requisição administrativa de hotéis, pousadas, motéis e demais estabelecimentos de hospedagem, com intuito de viabilizar o cumprimento de quarentenas, isolamentos e tratamentos médicos não invasivos, enquanto perdurar o Plano de Contingência previsto na norma. 

Em relação àquele projeto, a Associação Brasileira de Hotéis estadual (ABIH-RJ) havia requerido que o governo conferisse preferência aos meios de hospedagem que não estivessem funcionamento.²

Nesse sentido, poderá vir a ser frutífera a iniciativa do atual Projeto de lei nº 2185/2020 se vier a aumentar a taxa de ocupação dos meios de hospedagem do Estado do Rio, desde que observadas algumas recomendações.

Primeiramente, os empreendimentos devem ser vistoriados a fim de confirmar se preenchem os requisitos mínimos urbanísticos e regulatórios para que seja possível garantir a conformidade com as exigências de habitabilidade (seja o mínimo de tamanho, a existência de cozinha ou outros requerimentos para estadias de maior prazo).3

A indenização, que será estabelecida posteriormente, deverá ser para justa4 e considerar o caso concreto para compensar a quantidade de pessoas e tempo de utilização dos quartos, os serviços obrigatórios a serem oferecidos (lavanderia, serviço de alimentação, telefonia e internet) e quaisquer danos que venham a ser causados ao imóvel, mobília e equipamento (FF&E).

Por fim, vale notar que ao considerar que as tabelas a serem divulgadas pela Secretaria de Estado de Fazenda em conjunto com a Secretaria de Estado de Turismo, ao considerarem o reembolso de despesas com remunerações, encargos previdenciários e trabalhistas, devem observar as exigências de proteção ao empregado adicionais criadas para o período de e pós pandemia.

Por exemplo, a Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 8.859/2020, determinou o fornecimento de máscaras de proteção aos empregados durante todo o período de jornada de trabalho (podendo ser descartáveis ou reaproveitáveis, mas com troca periódica).

Outras sugestões que exigirão adaptações ao funcionamento e, inegavelmente a custos relacionados, envolvem medidas de recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), incluindo distâncias interpessoais de 1,5m entre colaboradores, disponibilização de álcool em gel,  água e sabão, equipamentos de proteção individual (EPI) e lixeiras com tampa, especificamente para o descarte de máscaras e luvas de proteção.

É interessante que as entidades de classe venham a acompanhar os projetos de lei e antecipem as medidas necessárias para a reabertura em andamento nos diversos estados brasileiros.

1 O artigo foi escrito em coautoria com SAMIRA PEREIRA, advogada, graduada na Universidade Federal de Pelotas, Mestre em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal de Rio Grande, fundadora do escritório Samira Pereira & Associadas Advocacia para Mulheres.
2 A Associação Brasileira de Hotéis-RJ já havia reportado a expectativa de fechamento de diversos hotéis em vista da taxa de ocupação inferior a 10% e requerido que o governo conferisse preferência aos meios de hospedagem que não estivessem funcionamento. Fonte: https://vejario.abril.com.br/cidade/coronavirus-hoteis-rio-vao-fechar/ Acesso em 23/03/2020
3 Por exemplo: a Lei Complementar nº 108/2010 da Cidade do Rio de Janeiro prevê que quartos de hotéis precisam ter um compartimento habitável e um banheiro, enquanto os de hotel-residência devem ter pelo menos dois compartimentos habitáveis, um banheiro e uma cozinha ou cozinha aberta, com área útil mínima de trinta metros quadrados).
4 art. 5º, XXV da Constituição federal “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.

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Ana Beatriz Barbosa Ponte é sócia do Perez & Barros, Masters of Laws pela New York University, Membro da Comissão de Hotelaria e Multipropriedade do IBRADIM e da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/RJ.

(*) Crédito da foto: divulgação/Ana Beatriz Barbosa