Em relação à Reforma Tributária, como diz o antigo provérbio, o turismo precisa ficar com um olho no peixe e outro no gato. Aprovada na Câmara dos Deputados em julho, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) segue em análise no Senado, onde deve ser votada nos próximos dias. Incluída na lista das atividades que terão tratamento tributário específico, a indústria de viagens tem como objetivo “se manter onde está no texto final”. Como isso não é uma certeza absoluta, apesar do lobby em Brasília, é bom o hoteleiro acompanhar os desdobramentos em relação ao futuro IVA (Imposto sobre Valor Agregado).

Em se tratando do mercado hoteleiro, segundo estudo feito pela Resorts Brasil, o setor tem hoje uma carga tributária na casa de 16%. Pelo que o Ministério da Fazenda já manifestou em diversos pronunciamentos, a porcentagem do futuro IVA necessária para manter o patamar de tributos atual precisaria chegar a 25%. Ou seja, a hotelaria teria elevação de 67% na base de impostos caso não seja mantido no regime em que os deputados o colocaram. Importante mencionar que, quanto maior for o número de atividades com algum tipo de benefício fiscal, maior será a alíquota final do imposto agregado que será criado.

“Diante disso, nosso objetivo no momento é a manutenção do turismo na lista com regime tributário específico. Em 2024, será outra batalha, desta vez para definir a alíquota que incidirá sobre o setor”, explica Marcelo Picka, presidente da Resorts Brasil, em entrevista ao Hotelier News. “Nossa retórica de convencimento com os parlamentares tem ido por um caminho: não queremos benefício fiscal, apenas manter a carga tributária atual”, completa.

Segundo ele, as principais entidades do setor encomendaram uma estudo com um grande consultoria nacional para mostrar o impacto da indústria de viagens na economia brasileira. “O levantamento está muito bem estruturado e mostra a contribuição da indústria de viagens tanto na geração de emprego e renda, quanto na sua importante capilaridade econômica por todo o país. Ou seja, nossa cadeia de negócios beneficia várias cidades Brasil afora, e poucos setores conseguem isso.”

Em paralelo, o trade turístico também aposta em outras linhas de argumentação complementares:

  • Arrecadação federal: o turismo é uma indústria relativamente pequena perto de outras na economia como um todo. Portanto, uma alíquota diferenciada para o setor na Reforma Tributária geraria pouco impacto na arrecadação total de impostos do governo.
  • Exemplo internacional: a indústria de viagens tem desconto de alíquota nas principais economia que utilizam IVA entre os nos países da OCDE. Na lista estão potências turísticas como França, Alemanha, Espanha, China e Tailândia, entre outros.
  • Competitividade: em um setor muito intermediado e com margens de lucro apertadas, o aumento considerável de impostos afetaria significativamente sua competitividade.

Relembre o que está em jogo

Uma das principais atribuições da Reforma Tributária em curso no congresso é a simplificação do sistema de impostos brasileiro. A criação do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) talvez seja a personificação máxima desse objetivo. Pela proposta, dois IVAs serão estabelecidos, unificando uma série de tributos em níveis federal e estadual. Entenda melhor no infográfico abaixo.

Reforma-Tributaria-infografico-IVA


Olho no gato

Se o turismo não for mantido na lista de tratamento tributário específico, o hoteleiro precisa entender os desdobramentos atuais em relação ao texto final da PEC atualmente analisada no Senado. Segundo estudo do movimento Pra Ser Justo, que analisou as 310 propostas apresentadas pelos senadores para alterar a Reforma Tributária aprovada na Câmara, quase metade (46%) delas prevê exceções que aumentam a alíquota geral.

De acordo com o movimento, 66% das emendas possuem teor negativo, pois prejudicam o funcionamento do novo sistema tributário. Na outra ponta, 7% (apenas 22 propostas) foram classificadas como positivas. Outras 27% tratam de questões políticas, como, por exemplo, considerações a cerca do desenho do Conselho Federativo de estados e municípios, informa a Folha de São Paulo.

Ainda segundo o Pra ser Justo, entre as emendas feitas por senadores que podem melhorar o texto da reforma estão as que tratam da avaliação de benefícios fiscais e do cálculo de impacto para inclusão de novos itens na alíquota reduzida. Na avaliação do movimento, a única proposta mapeada até o momento que reduz benefícios e contribui para reduzir o percentual geral do imposto agregado é a do senador Weverton Rocha (PDT-MA).

Nela, três eixos centrais chamaram atenção do Pra ser Justo:

  • As exceções teriam alíquota reduzida em 50%, não 60%, como aprovado na Câmara.
  • Exclusão de “bens e serviços relacionados a segurança e soberania nacional”, como armas e munições, da lista de beneficiados.
  • Reinclusão do termo “público” na exceção para o regime referente a transporte coletivo.

Na contramão dos interesses da hotelaria, o Pra Ser Justo defende a exclusão dos “serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, bares e restaurantes e aviação regional” da lista de exceções. Para o movimento, os três eixos acima, somado à retirada do trade turístico dos setor com regime específico, ajudariam a reduzir mais de um ponto percentual a alíquota do futuro IVA.

Os partidos com mais senadores que apresentam mudanças no texto que elevam a lista de atividades beneficiadas são o Republicanos, o PP e o Podemos. “Essas propostas vão no sentido de piorar o funcionamento do IVA, de gerar complexidade, falta de transparência, cumulatividade, custo mais alto”, destaca Renata Mendes, diretora e cofundadora do Pra Ser Justo, em entrevista à Folha de São Paulo.

“Por mais que os senadores digam que é muito importante reduzir a carga, simplificar a vida das empresas e das pessoas, na prática, o que eles estão apresentando vai no sentido oposto, de piorar a qualidade da reforma”, complementa a executiva.

Marina Thiago, gerente de Relações Governamentais e cofundadora do Pra Ser Justo, destaca que alguns senadores apresentam pedidos de exceções e, ao mesmo tempo, emendas para limitar a alíquota do IVA.

Reforma Tributária - Marcelo_Picka

Picka: alíquota de 25% seria fatal

“Vemos alguns posicionamentos que são díspares. É impossível que as duas coisas aconteçam ao mesmo tempo. Para cada exceção que é colocada no texto, a alíquota base vai aumentar”, comenta a executiva, em uma falsa muito próxima à dita por Mauricio Oreng, economista do Santander, durante o Hotel Trends Orçamentos 2024, promovido pelo Hotelier News em agosto.

O desfecho disso tudo sairá em breve. Relator da PEC, o senador Eduardo Braga (MDB-BA) confirmou para 24 de outubro a apresentação do relatório final, informou a Agência Senado. Ele confirmou também uma conversa com o relator da Reforma Tributária na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), antes da votação da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para garantir a aprovação das mudanças feitas pelo Senado. A previsão é que o texto seja votado em 9 de novembro.

“Não estamos pleiteando a criação de uma jaboticaba. Só queremos a manutenção da carga tributária atual. Agora, no fundo, estamos defendendo a sobrevivência do turismo”, reitera Picka. “A elevação da carga tributária do jeito que está se desenhando a alíquota do IVA acabaria por completo com nossa competitividade internacional e até mesmo doméstica, pois ficará mais barato viajar para o exterior do que internamente”, finaliza.

(*) Crédito da capa: stevepb/Pixabay

(**) Crédito do infográfico: Reprodução/G1 

(***) Crédito d foto: Bruno Churuska/Hotelier News