Principal assunto da semana na economia e na política brasileira, a Reforma Tributária teve o primeiro round encerrado na madrugada de hoje (7). Em uma vitória para o governo Lula, o texto da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 45/2019, que trata do tema, foi aprovado por boa margem no Congresso Nacional – 375 votos a favor contra 113. A PEC segue para o Senado, onde se espera que haja algumas alterações. Agora, como fica a hotelaria nessa história?

Ainda há muitos rounds nessa longa batalha tributária, mas, de forma simplificada, a hotelaria (e boa parte do turismo) passou por essa primeira etapa sem ferimentos graves. Sim, havia um grande temor de toda indústria de viagens por, no fim da linha, acabar com uma carga de tributos mais alta do que a atual com o desenrolar das novas regras previstas na Reforma Tributária, o que fatalmente limitaria sua competitividade.

Reforma tributária - análise com Alexandre Sampaio - interna

Sampaio: união do trade foi fundamental

Essa preocupação, por exemplo, foi manifestada por diferentes lideranças do turismo em entrevista recente ao Valor Econômico. A articulação desses dirigentes no Congresso para evitar esse cenário, para alegria do turismo, foi efetiva e, ontem (6) à noite, no apagar das luzes, a hotelaria (e outros segmentos) acabaram entrando na lista das atividades que terão tratamento tributário específico. Vamos explicar melhor ao longo do texto o porquê dessa inclusão ser relevante.

“Gostaria de ressaltar o papel da união do trade em prol de um benefício que abraçou quase todo o setor. Conseguimos gerar um pleito junto aos formadores de opinião, não apenas com o relator, mas também ao lado de líderes de blocos e partidos que deram sustentabilidade às demandas”, comentou Alexandre Sampaio, presidente da FBHA (Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação), em entrevista ao Hotelier News.

“Conseguimos sensibilizar o relator de que era muito importante o turismo não ficar de fora do texto. Ainda temos um longo trabalho a ser feito no Senado, pois alguns elos da cadeia ficaram de fora”, continuou Sampaio, acrescentando que os segmentos de bares, agências de viagens e motéis acabaram não entrando da lista das atividades que terão tratamento tributário específico

Próximos passos

Dentro do escopo que baliza a Reforma Tributária, a simplificação do atual regime – formado por um emaranhado de diferentes tributos federais, estaduais e municipais – talvez seja a principal meta perseguida. O estudo Tax Complexity Project, por exemplo, aponta o Brasil como a nação com a maior complexidade tributária do mundo. Essa inglória posição obviamente tira a competitividade da economia brasileira, afastando investimentos e inibindo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).

E, dentro do texto aprovado na Câmara, a criação do IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) talvez seja a personificação máxima desse objetivo. Pela proposta, dois IVAs serão estabelecidos, unificando uma série de tributos em níveis federal e estadual (entenda melhor no infográfico abaixo).

Reforma Tributária - infográfico IVA

“A intenção do governo federal em trazer maior simplificação e transparência ao regime tributário já é algo a ser celebrado”, destaca Alexandre Gehlen, diretor geral da ICH Administração de Hotéis, lembrando que as discussões em torno de uma Reforma Tributária existem há décadas. “Foi a primeira batalha, não se sabe o que vem do Senado, onde provavelmente haverá muitas emendas. Agora, o que foi encaminhado parece positivo.”

E por que foi positivo? Bem, até a votação de ontem os sinais enviados pelo governo federal acerca das alíquotas que incidiriam nos IVAs eram preocupantes. Secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy estimou que a porcentagem do futuro IVA, necessária para manter a carga tributária, seria de 25%. Hoje, por exemplo, a tributação indireta do turismo gira entre 8,65% e 14,25% do faturamento, uma diferença considerável.

O texto preliminar da Reforma Tributária prevê a criação de uma alíquota padrão e outra reduzida, além de isenção para alguns produtos e serviços. Não há indicação, no entanto, do percentual que será aplicado, mas, se confirmada uma porcentagem de 25%, será uma das maiores do mundo. A decisão passará agora pelo Senado, mas entendeu agora a importância da inclusão da hotelaria na lista das atividades que terão tratamento tributário específico?

“Com a reforma, o Brasil passa a ter a implementação completa de um sistema tributário único, sem cascateamento de impostos. O Senado analisará o que foi aprovado e alguns setores terão alíquotas diferenciadas entre 40% e zero (isenção completa), como os produtos de cesta básica”, explica Orlando Souza, presidente executivo do FOHB.

“Vamos seguir com um trabalho contínuo no Senado. A alíquota máxima para a hotelaria, por exemplo, seria um golpe de morte, pois não é possível repassar esses custos para o consumidor final sem perder muita competitividade”, acrescentou.


A importância da inclusão na lista

  • Sem inclusão na lista e alíquota de 25%: carga tributária do setor de turismo e de eventos cresceria 290% e 430% em relação ao patamar atual.
  • Hotelaria: setor hoje paga de 2% e 5% de ISS e 3,65% de PIS/Cofins. Levar a tributação única para 25% representaria um salto de quase três vezes.

Para Sampaio, depois de ontem, a situação da hotelaria é razoavelmente confortável. “É uma vitória que mantém o regime de lucro real presumido em um valor aceitável e compatível com a simplificação tributária”, destacou.

Perse

Vale destacar que, hoje, boa parte da indústria de viagens (incluindo a hotelaria) tem o benefício do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos). Criada como forma de compensação das medidas de combate à pandemia da Covid-19, a iniciativa zera as alíquotas de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), PIS/Pasep e Cofins para as empresas contempladas até o final de 2026.

Nas articulações com o congresso em relação à Reforma Tributária, as lideranças do turismo também tinham a manutenção do Perse como uma meta. “Trabalhamos duas vertentes em Brasília, destacando que nosso setor é intensivo em mão de obra e não pode ser onerado com alíquotas de imposto maiores do que as que pagamos hoje. Outra questão era o Perse, para que as isenções sejam preservadas no período de transição”, explicou Souza.

Reforma tributária - análise com Alexandre Gehlen - interna

Gehlen: reforma ainda tem debates relevantes

Quando fala em período de transição, o dirigente do FOHB se refere ao intervalo entre a aprovação da Reforma Tributária e sua entrada em vigor definitivo. Pela proposta aprovada, informa o G1, esse processo ocorrerá de 2026 a 2032, quando os cinco tributos existentes atualmente (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) serão gradativamente substituídos pelo novo modelo IVA dual.

A substituição começa pelos impostos federais. Em 2027, haverá extinção de PIS e Cofins e redução a zero das alíquotas do IPI. Em 2029, tem início o prazo de transição do ICMS. Todo esse processo termina em 2032 e, no ano seguinte, o antigo sistema de tributação (PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS) estará extinto.

“O Perse será mantido, vigorando até 2026 com suas isenções ativas. Não acredito que o programa será retirado, mas tudo vai depender de como o Ministério da Fazenda vai calibrar as contas de arrecadação”, comenta Sampaio. “O Perse é de fundamental importância hoje para o nosso negócio e para a hotelaria como um todo”, complementou Gehlen, da ICH.

“É importante lembrar ainda que haverá discussões sobre tributação de dividendos dentro da reforma do Imposto de Renda e isso, além de complexo, também trará impacto para a hotelaria. Vamos aguardar e, enquanto isso, celebrar essa conquista inicial, que simboliza a união do setor de turismo e reforça o legado positivo deixado pela pandemia neste sentido”, conclui.

* Colaborou Nayara Matteis

(*) Crédito da capa: Divulgação/Câmara dos Deputados

(**) Crédito das fotos: Divulgação

(***) Crédito do infográfico: G1