Olhe para onde quiser. Brasil, China e Europa ou mesmo hotelaria de rede ou independente: chegou a hora da venda direta, certo? Por diferentes razões, como a busca por mais informações sobre restrições em cada cidade, o consumidor tem buscado mais os canais diretos em detrimento das OTAs (Online Travel Agencies). Agora, seria isso passageiro ou não? Como virar a chave para reduzir a dependência da venda por terceiros? O que os principais players do mercado (Brasil e global) estão fazendo neste sentido?

Bem, vamos começar pelo final. Como mostramos no Hotelier News, Thomas Dubaere, CEO da Accor América do Sul, confirmou que o programa de loyalty – o All (Accor Live Limitless) – é parte central na estratégia para acelerar a retomada. A orientação, obviamente, é global. Em call com investidores, Sébastien Bazin foi ainda mais incisivo no assunto, revelando que a empresa foi bem na tarefa de “proteger a base de clientes diretos” em 2018 e 2019 – e seguirá por este caminho.

E, quando Bazin fala em proteger sua clientela direta, isso passa totalmente pelo ALL. O executivo revelou que, antes da pandemia, o programa ganhava 8 milhões de novos usuários anualmente, aponta reportagem da Phocuswire. No ano passado, em função da pandemia e dos muitos hotéis fechados, esse número que caiu para 4 milhões.

Ainda assim, veja bem, uma base de 68 milhões de pessoas para se relacionar diariamente nunca pode ser desprezada – e não será mesmo! Outro indicativo de que a venda direta é um objetivo na rede francesa são os recentes acordos firmados com Faena e Ennismore. Ambas as empresas têm percentual representativo de hóspedes frequentes (chegando a 75% ou mais em algumas unidades).

Venda direta: e no Brasil?

Entre as redes brasileiras, o cenário não é diferente, mesmo entre quem já faz um bom dever de casa. É o caso do Grupo Ferrasa, que detém 65% das vendas por meio de canais diretos (call center e e-commerce). “Agora, há duas questões importantes para mencionar sobre o assunto. Primeiro, a importância do correto direcionamento da mídia. Hoje, 100% de nossa mídia paga é online e, destes, 80% tem link de conversão para nossos canais diretos”, revela Heber Garrido, diretor de Vendas & Marketing do grupo paulista, já passando dicas para quem deseja “virar a chave” de sua propriedade.

“O segundo ponto tem a ver com a gestão de inventário dos canais. Aqui no Grupo Ferrasa, temos como estratégia fechar por último o canal da central e do e-commerce (site). Com isso, até em função das limitações de oferta que muitas cidades estão vivendo em função de medidas restritivas impostas pelos governos estaduais e municipais, conseguimos garantir maior controle da oferta em cima do teto de disponibilidade”, recomenda.

Já a ICH Administração de Hotéis busca uma estratégia de fidelização similar à Accor, muito focada no programa de loyalty. “Ter um relacionamento direto com a base de clientes pode te permitir chegar a um número considerável de hóspedes frequentes no seu canal proprietário. Isso possibilita ainda ter mais controle não só do processo de venda, mas da forma como você pode firmar seu reconhecimento e valorização da marca com os consumidores”, explica Marcelo Marinho, diretor executivo de Marketing, Vendas & Distribuição da rede gaúcha.

Segundo ele, e no caso da Intercity Hotéis, a estratégia é oferecer uma experiência tecnológica boa ao consumidor, com tudo passando pelo Orange. Mesmo lançado no ano passado, o app da empresa já tem mais de 10 mil downloads. “E com um engajamento excelente”, celebra Marinho. “O Orange nasceu como uma plataforma de fidelização. Ali, o consumidor compra, faz check-in e check-out, realiza pagamento e mantém sua ficha atualizada de forma segura e, claro, recebe benefícios. Então, como expliquei, é uma estratégia muito além de vender por nossos canais diretos”, acrescenta.

Venda direta - fenômeno passageiro ou não_marcelo marinho

Marinho: Orange é uma plataforma de fidelização que vem mostrando bom engajamento

E o futuro?

Que o momento é favorável às vendas diretas, ninguém tem dúvidas. Agora, a grande discussão global entre os profissionais de distribuição é se esse fenômeno é passageiro ou se a hotelaria conseguirá manter o fôlego frente às OTAs. Há quem considere que essa relação mudará para sempre, mas existem os mais céticos. É o caso de Peter O’Connor, professor da University of South Australia e analista da Phocuswright.

Para ele, as OTAs tendem a consolidar ainda mais sua relevância na distribuição hoteleira, apesar dos esforços do setor. “No geral, mas particularmente na Europa, a hotelaria vem se beneficiando do aumento das vendas diretas desde o início da pandemia. É claro que os hoteleiros dizem que isso é fruto do relacionamento profundo com o cliente, seu programa de fidelidade e etc, mas, quando são honestos, admitem que isso tem a ver com informação e confiança”.

Para reforçar o raciocínio, O’Connor cita as políticas de remarcação e cancelamento. Segundo o professor, os consumidores se sentem mais confiantes em comprar direto em função de se sentirem mais seguros em renegociar, como nos casos de mudanças nas viagens (algo comum durante a pandemia). Outro fato ligado à confiança: com as viagens domésticas em alta, o hóspede muitas vezes tende a conhecer melhor o hotel (e a cidade) para onde está indo.

O que o faz pensar que as OTAs voltarão a ganhar predominância, diz o analista da Phocuswright, é que vivemos um momento bastante particular em função da pandemia – e que tudo deve voltar ao normal. Além disso, O’Connor considera difícil para a hotelaria competir com os orçamentos bilionários de marketing das OTAs. Por isso, ele acredita que o único caminho viável para o setor seja garantir as melhores e mais relevantes informações sobre suas propriedades e destinos onde estão, bem como aumentar os gastos com marketing.

Certo é que, independentemente do porte, explorar todo potencial da venda direta é um dever de casa fundamental para qualquer propriedade. “Construir um canal direto forte é a forma mais eficiente de se blindar contra as variações de mercado, mudanças de regras dos intermediários e garantir que o futuro do hotel conte com uma estratégia digital eficiente, ainda mais diante da mudança de comportamento do consumidor no país, cada vez mais online”, indica Diego Corrêa, CMO da HSystem.

(*) Crédito da capa: jmexclusives/Pixabay

(*) Crédito da foto: Peter Kutuchian/Hotelier News