Pense em um hotel centenário no Rio de Janeiro? Se cravou Copacabana Palace na resposta, você quase acertou. Quase! De fato, o clássico hotel de luxo carioca está bem próximo da marca, mas o feito de chegar aos 100 anos de operações sem interrupção ou mudanças nas características pertence a outra conhecida propriedade na Cidade Maravilhosa. Bem-vindos ao Hotel Regina!

Há 10 décadas recebendo hóspedes, o Hotel Regina foi oficialmente inaugurado no dia 3 de setembro de 1922, na Rua Ferreira Vianna, no bairro do Flamengo, bem próximo do Palácio do Catete. Testemunha das transformações vividas pela Zona Sul carioca no último século, a propriedade abriu no mesmo ano do Hotel Glória, que teria completado seu centenário no dia 15 de agosto, mas vai virar um residencial.

É importante ressaltar que outros dois empreendimentos cariocas superaram a barreira centenária, ambos na região central da Cidade Maravilhosa. Bem próximo ao Hotel Regina, no Catete, o Hotel Riazor foi fundado em 1891. Mais antigo ainda, o Hotel Barão de Tefé fica na região do Porto Maravilha e também entrou em operação no século XIX, sendo uma referência no Rio durante a Belle Époque (1871-1914).

“Em função da proximidade com o Palácio do Catete, residência oficial da presidência da República até a fundação de Brasília, o Hotel Regina recebia muitos parlamentardes”, conta José Manuel Caamaño, um dos sócios do empreendimento, em entrevista ao Hotelier News. “Nesta época, portanto, o hotel era muito frequentado pela alta e média sociedade do Rio, sendo conhecido também pelos agitados bailes de Carnaval”, completa o empresário, que também é proprietário do Hotel Riazor.

Hotel Regina - história centenária - cartão postal

Cartão postal é relíquia guardada por Caamaño

Caamaño – liderança muito conhecida na hotelaria independente carioca e integrante há vários biênios da diretoria da ABIH-RJ – é membro da quarta família proprietária do hotel centenário. Com uma fachada bem preservada em tons de rosa claro, e com uma arquitetura típica dos anos 1920, a propriedade foi construída originalmente pelos Ribas, que por muitos anos atuou na hotelaria, sendo mais conhecida dos cariocas pela rede Luxor.

“O hotel ainda trocou de mãos duas vezes antes de o comprarmos em julho de 1998. Foi na véspera do início da Copa do Mundo da França”, relembra Caamaño, um flamenguista apaixonado, que, assim como o escriba que vos escreve, usa o mundial de futebol – realizado a cada quatro anos – como referência para acompanhar o passar das décadas.

“Adquirimos o empreendimento da família Gandara, que também tinha negócios na hotelaria, entre eles o Toledo Copacabana Hotel. A lenda que circulava era que o patriarca só comprou o Hotel Regina para homenagear a esposa, que tinha o mesmo nome”, acrescenta Caamaño, que tem a família Villar – também de origem espanhola e dona do tradicionalíssimo restaurante Cervantes – como sócia na propriedade.

“Meu pai sempre buscou vários negócios e se dava muito bem com o pai do Caamaño, que já era dono do Hotel Rondônia Palace, no Flamengo. Quando apareceu a oportunidade da compra, eles se juntaram e fizeram o negócio acontecer”, relembra Magali Villar, sócia diretora do Hotel Regina e que, diariamente, dá expediente na propriedade ao lado de Caamaño.

Mais história

Em 100 anos, é impossível um ativo imobiliário não passar por diferentes reformas. No Hotel Regina, a última de grande porte teve início em 2005, com uma reforma radical que durou três anos. O local teve o pé-direito rebaixado de 4,80 m (metros) para 3,60 m. Essa mudança, por exemplo, viabilizou a construção de uma garagem de dois andares. Já o último andar ganhou uma cobertura com ampla varanda que virou uma área comum bastante utilizada pelos hóspedes.

Hotel histórico - Hotel Regina

O hotel centenário tem a fachada tombada

“Originalmente, o hotel tinha 104 apartamentos divididos em seis andares, sem garagem e salas de eventos. O restaurante, que era no sexto andar, passou a funcionar no térreo. E a estrutura ganhou novos quartos, chegando aos 117 atuais”, conta Caamaño, que fez carreira no Banco Real e, com a compra do Hotel Regina em 1998, passou a ajudar o pai e focar integralmente nos negócios da família. “Nessa reforma, fizemos ainda cinco salas de eventos, que levam nomes de pintores espanhóis: Gaudi, Dali, Picasso, Velasquez e Goya”, acrescenta.

Como todo hotel, há sempre histórias e causos com clientes famosos. Para alegria de Caamaño, ele descobriu que jogadores do Flamengo da histórica geração do Zico, como Rondinelli e Adílio, concentravam-se para as partidas quando eram juniores no Hotel Regina. “O Bernardinho (técnico bicampeão olímpico de vôlei) também concentrava seus times com a gente. Quando era deputado federal, antes de construir Brasília, o Juscelino Kubitschek era outro habitué.”

Na memória afetiva do sócio do Hotel Regina, contudo, nenhum hóspede famoso se compara à experiência vivida com outro político conhecido. Durante a Rio+20, conferência organizada em junho de 2012 pelas Nações Unidas no Rio de Janeiro, a propriedade recebeu Raul Castro, à época presidente cubano e irmão de Fidel Castro, morto em 2016.

“Muitos chefes de estado ficaram nos hotéis cinco estrelas da cidade. O Barack Obama, por exemplo, ficou no JW Marriott, em Copacabana”, relembra Caamaño. “A equipe de segurança do Raul Castro escolheu nosso hotel pela questão de segurança. O chefe da segurança veio um mês antes vistoriar. Eles mapearam coisas que nós nunca havíamos reparado”, relembra o empresário, destacando que fez várias adaptações para receber o líder cubano.

“Lembro bem que o Raul Castro tinha um provador de comida, que era o neto dele. Fizemos uma boa amizade com um dos seguranças e, no dia que ele partiu, que foi no meio da madrugada, cercado de preparativos, consegui entregar uma lembrança para ele”, diz o sócio do Hotel Regina. E, obviamente, foi uma camisa do Flamengo!

Pandemia e momento atual

A pandemia foi dura para toda indústria de viagens e, claro, para o Hotel Regina não foi diferente. Ainda assim, pelo que contam José Manuel Caamaño e Magali Villar, a situação foi menos dramática do que a vivida por outras propriedades espalhadas pelo país, e algumas delas ficaram pelo caminho.

Hotel Regina - história centenária - José Manuel Caamaño

Caamaño: mais de duas décadas no hotel

“Em março de 2020 veio a paulada e ficamos fechados por uma semana, o que nos permitiu dar uma geral na manutenção. Passamos dois meses muito difíceis, o que nos ensinou a sermos especialistas em cortar custos. Achamos coisas que não entendíamos que eram desnecessárias antes da pandemia”, conta Caamaño.

A salvação veio com a demanda oriunda do mercado offshore, que é forte no estado do Rio de Janeiro. Em função do período de quarentena, os clientes ficavam períodos longos de estada, o que permitiu ao Hotel Regina não ter grandes prejuízos durante o período mais agudo da pandemia. “Em paralelo, investimos muito em segurança e higiene e isso nos ajudou muito para que as empresas da cadeia offshore nos procurassem”, acrescenta.

Hoje, o Hotel Regina vem registrando bons resultados. A demanda corporativa segue firme, até em função da proximidade da propriedade com o Centro, que reúne boa parte das principais empresas da cidade, mas um novo tipo de hóspede vem aparecendo, conta Caamaño. “O turismo de lazer regional vem ganhando força. Nossos finais de semana estão muito bons, o que não acontecia no pré-pandemia.”

De fato, no dia da visita da reportagem do Hotelier News, a recepção estava cheia. Em um momento em que o Rio de Janeiro perde propriedades históricas, conhecer a história de um hotel centenário é um baita de um alívio. Que o Hotel Regina continue próspero assim por mais 100 anos!

(*) Crédito da capa: Vinicius Medeiros/Hotelier News