No Dia Internacional do Turismo, celebrado hoje (27), sem dúvidas existem motivos para comemorar. Afinal, dois anos e uma pandemia depois, e a despeito das muitas dificuldades e das empresas que ficaram pelo caminho, o setor se mostrou resiliente, sólido e mais unido. Ainda assim, uma pergunta fica no ar: ainda podemos pensar e fazer turismo como no “velho normal”?

Com as eleições batendo à porta, a reflexão se torna ainda mais importante. Pois, o que o turismo quer e precisa dos próximos governo e legislatura? Independentemente de partidos e ideologias, os candidatos eleitos terão muitos desafios pela frente. Agora, um dos setores que mais emprega no país tem poder de barganha para aumentar sua relevância em Brasília e na economia, se bem trabalhado, obviamente.

Um dos maiores legados da pandemia é a união inédita entre entidades e agentes do turismo. A crise sanitária impulsionou uma integração que fez a diferença para a recuperação de uma indústria que é formada por players com interesses e necessidades diversos, mas que sentiu exatamente as mesmas dores perante uma paralisação nunca antes vista.

Para garantir a sobrevivência do setor, entidades formaram blocos de trabalho para levar suas principais demandas a Brasília, caso do G20. Em 2022, contudo, o momento é outro. Diferentemente do experimentado em 2020, os movimentos turísticos seguem firmes e fortes em busca de novas vitórias e demandas.

Novos movimentos turísticos

Para entender quais as prioridades do turismo e o que a iniciativa privada espera da nova gestão pública, o Hotelier News conversou com representantes de diferentes elos da cadeia produtiva. No geral, a indústria de viagens demanda um olhar mais sensível ao setor, entendendo sua real relevância dentro da economia nacional. Pleitos antigos, como a desoneração da folha de pagamento e reforma tributária, seguem no radar, mas se somam a outros pontos relevantes (e novos).

Dia Internacional do Turismo - Ana Biselli

Movimentos são complementares, diz Ana

Uma das cabeças pensantes à frente do Vai Turismo, Alexandre Sampaio, presidente da FBHA (Federação Brasileira da Indústria de Hospedagem e Alimentação) revela que o objetivo do movimento é formular propostas de políticas públicas de forma participativa, com o intuito de repassar as necessidades do setor aos candidatos do poder Executivo.

Visando conectar instituições e integrar propostas, a iniciativa reúne sindicatos, Fecomercios, Sesc, Senac, representantes do terceiro setor, operadoras, empresas de transporte, gestão de destinos, meios de hospedagem, estabelecimentos de alimentação, parques entre outros elos do ecossistema turístico.

“Nossa abordagem é mais abrangente, pensando em todos os agentes envolvidos no setor. Estamos em busca de um 2023 mais confortável para o turismo e, para tal, entregamos nossas propostas aos candidatos do Executivo. Para nós, não existe a percepção de projetos de lei específicos, mas premissas que devem ser observadas na transição de governo”, explica Sampaio.

O Vai Turismo promoveu lives, oficinas de trabalho e diagnósticos do segmento, além de estudo de benchmarking do setor em outros países para identificar boas práticas. “A iniciativa permite que os candidatos tenham uma visualização das demandas das entidades. Após as eleições, vamos alinhar as prioridades e batalhar pelas propostas e caminhar com os pleitos. É um trabalho contínuo”, salienta Sampaio.

Pensado para apresentar demandas aos candidatos do poder Legislativo, o movimento Vamos com Eventos e Turismo é uma coligação composta pela Abrape (Associação Brasileira de Promotores de Eventos); Resorts Brasil; Adibra (Associação das Empresas de Parques de Diversões do Brasil) e Sindepat (Sistema Integrado de Parques e Atrações Turísticas).

Ana Biselli Aidar, presidente executiva da Resorts Brasil, afirma que as iniciativas são complementares, mas com focos distintos. “O Vai Turismo identifica os temas relevantes em vários ambientes, como uma extensão dos desafios apontados pelo G20. O movimento que estamos inseridos é ao lado do setor de eventos, com o objetivo de dar visibilidade aos parlamentares que estão trabalhando pelos segmentos.”

sérgio souza

Turismo precisa ser política de Estado, avalia Souza

Sérgio Souza, diretor executivo da Resorts Brasil, conta que o objetivo principal da ação é transformar o turismo em uma política de Estado e não de governo. “Talvez essa seja a nossa demanda mais importante. Enquanto o Executivo e o Legislativo não tiverem esse olhar, enfrentaremos dificuldades na manutenção de qualquer avanço. Queremos uma estruturação sólida, independente de quem for eleito”.

Agora, ter um ministro da área facilita nessa mudança de olhar por parte das lideranças políticas do país? Qual o perfil ideal para esse cargo e como isso poderia auxiliar o mercado de viagens. Para Mariana Aldrigui, presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP, o ideal não é alguém técnico, como sempre se idealizou na indústria.

“Sempre achei que o mundo ideal era alguém técnico, mas Brasília é um mundo à parte”, comenta. “É melhor que a pessoa nesta cadeira tenha conhecimento mais aprofundado das dinâmicas do legislativo, com boa interlocução com parlamentares. Agora, obviamente, esse perfil ideal precisa se cercar de quadros técnicos muito bons, e não só no primeiro escalão. Em resumo, precisamos de alguém que saiba abrir as portas e, ao mesmo tempo, consiga trazer inteligência de mercado para a pasta”, completa.

Demandas prioritárias

Os setores de turismo e eventos são responsáveis pela geração e manutenção de mais de 7,4 milhões de empregos diretos e indiretos nas cinco regiões do país, movimentando bilhões todos os anos, respondendo por 6,4% do PIB brasileiro de 2021. As atividades desempenhadas possuem efeito multiplicador da economia nacional e capacidade descentralizadora, pois promovem o desenvolvimento econômico e social em cidades de todos os portes.

O Brasil possui alto potencial de se tornar ainda mais relevante em ambos os segmentos, uma vez que a nação detém diversos atributos essenciais para que as atividades sejam realizadas. Segundo o índice de competitividade em Viagens e Turismo 2021, desenvolvido pelo Fórum Econômico Mundial, o nosso país detém aspectos que despertam o interesse da demanda, ocupando a terceira posição nos recursos naturais e 10ª em recursos culturais, entre os 117 países avaliados.

Os players envolvidos no Vamos com Eventos e Turismo (saiba mais aqui) dividiram suas demandas em três eixos: ambiente de negócios adequado, melhores condições de atuação para as empresas e ampliação da base de consumidores.

“O Brasil é reconhecido por suas riquezas naturais e culturais, mas temos gargalos relevantes quando olhamos para infraestrutura, ambiente de negócios e potencial inexplorado. Selecionamos as pautas mais relevantes para dar o salto que merecemos como setor produtivo”, pontua Ana.

Sampaio salienta que a Lei Geral do Turismo precisa de atenção no Legislativo, com a atualização de demandas e necessidades do setor. “A questão da legalização dos cassinos também é uma pauta importante, que precisa ser desmistificada, avaliada longe de aspectos religiosos. Precisamos de propostas consistentes, que protejam a população do vício e com segurança para evitar possíveis lavagens de dinheiro”.

Um dos pontos mais latentes entre as necessidades do setor está relacionado à geração de demanda. Com o impacto econômico, grande parte da população foi afetada economicamente, logo, alcançar níveis turísticos de massa é vital para a manutenção das atividades.

doreni caramori

Caramori: deputados estão mais sensíveis às demandas

“Temos que retomar o turismo em massa, que contempla a classe trabalhadora, por meio de sistemas semelhantes aos implementados em outros países. O Brasil precisa adotar ofertas a partir de uma sistemática, com poupanças e fundos de empresas que completem os valores para viagens, além de benefícios fiscais que deem a oportunidade do trabalhador comprar as férias”, acrescenta Sampaio.

Mariana concorda integralmente com Sampaio. Ela acrescenta que o Canadá é um espelho. Segundo dados da Pnad Turismo, do IBGE, apenas 15% da população brasileira tem orçamento para viajar, contra 65% do Canadá. “Não dá para o turismo ser um privilégio da elite. Uma política de crédito mais abrangente pode melhorar esse quadro”, comenta a doutora da USP, que faz um alerta.

“Ainda assim, esse crescimento precisa ser acompanhado de responsabilidade ambiental. Não temos uma agenda futura ainda clara para nossa indústria, mas acho que ela deveria estar conectada a um compromisso sustentável”, completa.

No que abrange o universo dos eventos, Doreni Caramori, presidente da Abrape, explica que existem mais de 270 projetos de lei que envolvem as questões do setor. “O segmento é difuso, mas contempla pontos específicos como as gratuidades e meia entrada, que são injustiças históricas. Também temos as demandas de direitos autorais, que é um modelo amplamente discutido em relação a quem paga e quem recebe”.

O executivo da Abrape ainda ressalta a necessidade de simplificações no setor, que opera sob um grande conjunto de regulamentações que está em constante renovação. “São normas desde filas para determinadas categorias, estruturas, número mínimo de detectores de metais, entre outros pontos. Buscamos a simplificação desde o licenciamento até as regulamentações”.

Mais investimentos

A presidente da Resorts Brasil afirma que a luta das entidades é pela melhoria da competitividade, com incentivos de recuperação no setor para fomentar investimentos em equipamentos. “Sabemos que a hotelaria, historicamente, faz caixa para reposição de ativos. Contudo, com tamanhos desafios, é quase impossível manter os aportes”.

Pleitos antigos na hotelaria, a desoneração da folha de pagamento e a reforma tributária seguem no topo da lista de demandas do mercado, bem como as dificuldades de contratação de mão de obra especializada. “É importante ressaltarmos o impacto da reforma, que oferece a redução substancial dos impostos e protege o setor financeiro. Quem paga a conta é o setor de serviços, o maior empregador do país e o mais diluído em micro e pequenas empresas”, diz Souza.

“O Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) foi uma das nossas maiores conquistas, pois nos dá fôlego tributário para investir na recuperação. Esse equilíbrio é essencial, mas ainda não ouvimos propostas de linhas de créditos específicas para o turismo — o que acontece no mundo todo — menos no Brasil”, acrescenta o diretor da Resorts Brasil.

Mais do que incentivos, Mariana Aldrigui vê outras questões estruturais, não diretamente ligadas aos interesses diretos da indústria, que também precisam avançar, de forma que o mercado de viagens atraia mais investimentos. “O Brasil é um destino que emana insegurança jurídica para investidores internacionais. O setor de cruzeiros, por exemplo, fala que há muitas legislações sobrepostas que precisam ser revisadas, por exemplo.”

O diálogo com Brasília

Fomentar a promoção do Brasil ao lado da Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo) está nos planos da iniciativa privada. Em 2022, a agência teve orçamento recorde de US$ 20 milhões, ainda que aquém de outros países latino-americanos.

“Temos que refletir sobre a construção de uma imagem e que mensagem queremos mostrar lá fora, de forma coordenada. No pós-pandemia, as coisas mudaram com novos segmentos de mercado, o que nos permite sermos mais agressivos internacionalmente”, avalia Ana.

O Vamos com Eventos e Turismo possui uma plataforma que lista uma série de candidatos a deputado federal e estadual que dialogam diretamente com os setores. Os parlamentares são categorizados de acordo com seu envolvimento e entendimento de ambos os mercados, independente de partidos e posicionamentos políticos.

Mariana Aldrigui - turismo

Mariana: ministro precisa abrir portas no Congresso

“Todos são bem-vindos. Contamos com candidatos de direita, esquerda e centro. O turismo é transversal e apartidário, sendo um setor amigável a todos. Queremos reunir quem agrega ao segmento e contribui com o fomento de nossas atividades”, ressalta Souza.

O movimento garante que não existe uma seleção, mas sim uma curadoria para categorizar os deputados de acordo com suas expertises e propostas relacionadas ao turismo. “Contamos com parlamentares que já são atuantes no setor e outros que demonstram interesse e disposição em lutar por nossos pleitos”, esclarece Caramori.

Os presidenciáveis também vem buscando abrir frentes de diálogo com o turismo. No último dia 20, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), promoveu um encontro com o trade com o intuito de ouvir as propostas de representantes do setor. Contudo, Souza afirma que não existe má vontade de nenhum candidato ao cargo mais alto do Executivo. “É uma questão de divulgação e oportunidade. Enviamos nossas demandas aos candidatos e sabemos que outros presidenciáveis se reuniram com lideranças do turismo”.

“Os parlamentares estão se mostrando mais sensíveis com as nossas demandas. Estamos muito otimistas com as relações governamentais, abrindo diálogo com as principais campanhas. Não enxergamos portas fechadas, mas ainda falta profundidade nas propostas nos planos de governo. Nossa expectativa é poder mergulhar no debate e incentivar a indústria”, finaliza o presidente da Abrape.

(*) Crédito da capa: kimaplay/Pixabay

(**) Crédito das fotos: Divulgação