Embora apresentado uma boa recuperação econômica depois da pandemia e ter registrado bom desempenho hoteleiro este ano, o Brasil ainda tem muito a crescer no que tange o desenvolvimento turístico. Mesmo com o enorme potencial, motivado pelas belezas naturais, diversidade cultural e calendário de festas, o país não é destaque na indústria global de viagens. Os motivos para isso são vários, avaliam especialistas.

A despeito de sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada de 2014 a 2019, o total de turistas internacionais que visitaram o Brasil no período ficou praticamente, pulando de 6,31 milhões para 6,35 milhões. Mesmo com essa rara oportunidade de ter dois grandes eventos, o país nem ao menos se encontra na lista da OMT (Organização Mundial de Turismo) dos 50 países que mais recebem visitantes estrangeiros.

Para se ter uma ideia, um único destino do Vietnã, a Baía de Ha Long, recebeu 6,2 milhões de visitantes anuais, apontam dados do Euromonitor. No total, o país asiático soma 18 milhões de viajantes internacionais anualmente. Com características socioeconômicas semelhantes, muito embora seja beneficiado pela proximidade com os Estados Unidos (um dos maiores mercados emissores do mundo), o México registra 45 milhões de turistas internacionais.

Para especialistas, em ambos o casos, esse resultado positivo pode ser atribuído ao papel que o turismo desempenha dentro da estratégia econômica dos países. É possível fazer o mesmo por aqui? Bem, potencial existe, certo?

Potencial desperdiçado

Embora as comparações possam ser relativizadas pelas condições de cada país, o mercado brasileiro conta com trunfos turísticos conhecidos, como o Rio de Janeiro, a Amazônia e as Cataratas do Iguaçu (PR), que, na visão de muita gente na indústria, estão aquém do seu potencial. 

Rio de Janeiro

Rio fica atrás de outros destinos internacionais

Segundo análise feita ano passado pela Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade, vinculada ao Ministério da Economia, o Brasil não faz parte das rotas do turismo global, visto que 93% dos visitantes são locais. Além disso, em 2019, a participação do setor no PIB era de 7,7%. Destaques para a alta empregabilidade do segmento, que, por sua vez, apresenta um crescimento estagnado.

Concorrência de várias áreas, incompreensão dos pontos positivos do turismo como vetor e alavanca de inclusão social, valorização da cultura e diversificação de pensamentos e aprendizados. Esses são, na avaliação de Alexandre Panosso Netto, coordenador de pós-graduação em Turismo da USP (Universidade de São Paulo), alguns dos principais motivos do porque o estado brasileiro não investe com firmeza no setor. 

“O turista estrangeiro gastava por volta de US$ 110 por dia no Brasil até a pandemia. Em 2019, foi por volta de US$ 6 bilhões o total do que os estrangeiros trouxeram ao país. Então, dobrar ou triplicar o número de visitantes representaria dobrar ou triplicar esse montante”, avalia Netto, em entrevista ao G1. “Não é só financeiro, o aumento do número de empregos gerados e o efeito multiplicador do turismo seriam grandes”, complementa.

Na entrevista, o acadêmico também apontou os quatro principais fatores que, na visão dele, impedem o setor turístico brasileiro de atingir seu potencial máximo. Veja abaixo a análise de Netto.

Reputação

No imaginário do estrangeiro, o Brasil é um país violento, corrupto e hostil para o público LGBTQ+. É também para mulheres, segundo do ranking de países mais perigosos para mulheres que viajam sozinhas. Somado à deterioração recente da imagem do país sobre o meio ambiente e gestão da pandemia, Netto acredita que o país não passa uma visão muito atraente para turistas o considerarem com destino. 

O slogan oficial do turismo brasileiro adotado em 2019 também não colaborou, avalia o especialista. A frase Visit and love us (Visite e nos ame, na tradução livre), adotada para as campanhas de divulgação internacional, foi considerada de pouca fluência e de construção pouco usual no inglês, além de poder ser interpretada com conotação sexual para alguns turistas estrangeiros.

Continuidade

Gruta do Lago Azul - Bonito

Gruta do Lago Azul é destaque no turismo

Para que o setor se desenvolva de forma saudável, é necessário um planejamento contínuo e a longo prazo. Para isso, também é preciso que o MTur (Ministério do Turismo) e a Embratur trabalhem juntos com grande qualidade técnica. Também é importante identificar oportunidades em diferentes mercados, como o latino-americano, e se preparar para receber um número variado de tipos de turistas da região.

“Há ótimos exemplos de boas práticas turísticas nos interiores do Brasil”, comenta Netto. “Bonito (MS), com sua diversidade ecológica e turismo de alto nível, é um exemplo. Agora, essa qualidade de Bonito não foi alcançada de uma hora para a outra. Começou no início dos anos 1990. Estamos falando, portanto, de mais de 30 anos de trabalho”, explica.

Ainda assim, Bonito sofre com problemas de conservação ambiental, ocasionados pelo desmatamento. A cor das águas da cidade está deixando de ser um dos grandes marcos da cidade, por conta do impacto da abertura de áreas para agricultura. Vale dizer que 70% da população local depende do turismo.

Qualidade dos serviços

Na visão de Netto, a falta de profissionalização no setor de serviços é um dos principais problemas, ressaltando que o turismo poderia ser um caminho para o desenvolvimento do empreendedorismo no país.

“O turismo é a porta de entrada de muitos empreendedores de primeira viagem”, afirma Netto. “Temos que transformar isso em um ponto positivo a nosso favor. O governo pode criar programas de formação continuada do turismo, tal como já existiram no passado, a exemplo do Curso de Formação de Gestores de Políticas Públicas do Turismo Nacional”, recomenda o coordenador

No entanto, há outro problema estrutural. “A dificuldade em acessar crédito para o investimento em empreendimentos turísticos pequenos também é imensa”, pondera o professor da USP.

Transporte

O setor aéreo evoluiu bastante nas últimas duas décadas, especialmente em relação à conectividade dos grandes centros urbanos. Segundo Netto, no entanto, o acesso regional ainda é caro e, na maioria dos casos, insatisfatório. “O preço do querosene de aviação e a política de impostos dos combustíveis, além de taxas aeroportuárias, seguem impactando os preços das passagens. Fora as rodovias, que, se não estão em más condições, custam caro para cruzar os pedágios”, continua.

Embora o tamanho continental do Brasil seja uma vantagem por garantir maior variedade de ofertas, o deslocamento exige maior atenção. “Acredito que os destinos regionais devam se unir mais para compartilharem os turistas que por eles passam. Ou seja, a gestão regional do turismo deve ser fortalecida, junto com a criação de roteiros com produtos e serviços de alta qualidade”, opina Netto.

“É necessário alinhar o ambiente regulatório, jurídico e tributário que rege a aviação brasileira ao contexto internacional”, continua o acadêmico da USP. “A evolução que viveu o setor nestes 20 anos não permite que sigamos admitindo que o Brasil tenha sérias diferenças e distorções entre nossas regras nacionais, que acabam gerando ofertas e produtos mais caros aos consumidores, e o que se pode oferece no exterior”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Arterra / Universal Images Group via Getty Images

(*) Crédito de imagem do Rio: Omaz Silva / Agência Brasil

(*) Crédito de imagem da Gruta: Divulgação / Prefeitura de Bonito