Não tem mais jeito: a personalização se tornou uma das bases da hotelaria, independente da categoria. Afinal, quem não deseja uma estada pensada sob medida, de acordo com suas preferências e necessidades? Pode parecer simples, mas oferecer uma entrega fluida de ponta a ponta requer uma série de cuidados que vão muito além da hospedagem em si.

Como já abordamos anteriormente, a jornada do cliente começa na busca, ainda no ambiente digital. Muitas vezes, uma experiência ruim em um site ou aplicativo faz o cliente desistir da compra. E eliminar tais barreiras é o início de uma conversão bem-sucedida.

Facilidade, conveniência, fluidez e integração de processos são alguns pontos para que o consumidor possa fazer sua reserva de maneira ágil e simples. Com o e-commerce ganhando cada vez mais relevância, o cliente do outro lado da tela se tornou exigente, logo, atritos digitais não serão tolerados.

Para Rodolfo Delphorno, diretor de Vendas da Omnibees, toda a indústria de serviços possui um grande desafio para entregar uma boa personalização. “Quando falamos sobre a economia digital e como as indústrias terão que se adaptar, a personalização é apenas um dos pilares, pois precisamos pensar em como digitalizar essa jornada, como automatizar e como entregar o produto ou serviço”, explica.

Quando observamos outros nichos de mercado, como o de streaming, por exemplo, podemos aprender com bons cases de personalização, como é o caso da Netflix e Spotify. “O que elas têm em comum é um forte investimento em tecnologia, escala de negócios para aprender e um volume enorme de dados para transformar em inteligência. Em resumo, sem uma grande evolução e investimento tecnológico é muito difícil chegar a um nível elevado de personalização”, acrescenta Delphorno.

Dentro da jornada do cliente, o executivo destaca dois desafios: IN (coleta das informações) e OUT (entrega dos serviços). De acordo com o diretor da Omnibees, tais pontos demandam digitalização de processos, automação e integração de sistemas, capacidade de personalização e entrega, além de tornar o serviço escalável.

“O caminho para personalização da indústria hoteleira, portanto, está muito atrelado à maior adoção de tecnologia e integração nos mais diversos momentos da jornada do hóspede. O que certamente vai depender da evolução de outras indústrias, até que tudo isso seja uma realidade e possa ser completamente digital”, salienta Delphorno.

rodolfo delphorno

Investimento tecnológico é essencial, diz Delphorno

Personalização e escala: é possível?

As duas palavras podem parecer antagônicas, mas ambas podem coexistir dentro da realidade de entrega da hotelaria. Para Delphorno, uma saída são os hotéis se debruçarem com mais afinco em conceitos de Customer Experience e Service Design. “Que basicamente está atrelado a entender melhor a jornada do seu hóspede, seus pontos de interação e em como melhorar a experiência dele — mesmo que a personalização não seja completa, entregar uma experiência especial já pode ser um enorme diferencial”.

O executivo ainda cita cases de fora do setor hoteleiro, como a Disney e sua maneira de encantar os consumidores a cada experiência. Outro exemplo apontado pelo diretor é o Nubank, que entrega um atendimento rápido e eficiente. “Não estamos necessariamente falando de personalização e sim de atenção e muito conhecimento sobre a experiência do cliente”.

E como colocar isso em prática na hotelaria?

• Valorização dos funcionários e capacitação;
• Metas e objetivos claros;
• Definição correta das expectativas dos clientes;
• Uso adequado da tecnologia nas diversas etapas da jornada do hóspede;
• Feedback como parte da estratégia;
• Parceiros estratégicos para apoiar com serviços ou tecnologia especializadas.

Tecnologia como aliada

Especialista e top voice no LinkedIn sobre o assunto, Cezar Taurion complementa dizendo que uma jornada de compra sem fricção depende, primeiramente, da vontade da empresa em melhorar a experiência do consumidor em seus processos, fazendo o uso de ferramentas estratégicas para cada momento.

“A experiência começa antes da estada, ainda no momento da reserva, até a hora do check-out. A tecnologia é uma aliada em muitos pontos, mas sozinha não resolve nada. É preciso ter vontade de mudar, identificar onde existe ineficiência e processos repetitivos ou demorados. Então, será possível verificar quais tecnologias e sistemas operacionais farão parte do negócio de ponta a ponta”, destaca Taurion.

Muitos empreendimentos adotam novas tecnologias, mas muitas delas sem integração, utilizam sites ruins e entregam processos demorados, como é o caso do check-in. “E não podemos esquecer que quando falamos de serviços, por mais soluções que sejam inseridas no processo, jamais devemos tirar o foco das pessoas”, salienta Taurion.

“A ‘tecnologia humana’ precisa sempre ser potencializada pela ‘tecnologia convencional’. Portanto, implementar um sistema de CRM, precificação, assistente virtual, CRS, etc, sempre deve estar associado a como tornar a personalização uma experiência de pessoas para pessoas”, reforça Delphorno.

Dentre as soluções que auxiliam na personalização, a IA (Inteligência Artificial) é uma das mais citadas. Mas será que apenas esta tecnologia é o suficiente para entregar uma boa experiência?

Delphorno pondera que depende do nível de personalização que o hotel deseja. “Para evoluir como em outras indústrias, certamente o uso da IA e ML será fundamental para que tenhamos um nível de personalização escalável. Mas, isso não deve ser desculpa para começar a adotar medidas simples, que vão oferecer uma experiência muito melhor para os hóspedes. É o que costumo dizer: fazer o básico bem-feito traz resultados incríveis”.

Taurion avalia que a personalização se torna mais difícil no setor, pois existe uma coleta de dados em grande volume. “Não é preciso nada muito sofisticado, a tecnologia atual entrega algoritmos prontos para essa coleta. E um hotel pode fazer isso. Com uma análise estatística da própria base, utilizando algoritmos de recomendação, assim como as plataformas de streaming. Não é perfeito, mas dão boas dicas”.

Cezar Taurion - personalização

Taurion: algoritmos são bons aliados

Os desafios da hotelaria

O segmento hoteleiro possui uma distribuição complexa, que demanda soluções full commerce e omnichannel, diz Delphorno. Segundo o executivo, é preciso olhar para os canais prioritários para oferecer a cada hóspede uma jornada única. “Quando conseguimos implementar esse conceito, transformamos reservas em relacionamentos e isso faz com que os resultados dos canais diretos dos hotéis sejam ainda mais relevantes”.

Como uma indústria que ainda engatinha quando o assunto é base de dados, a hotelaria trabalha com ferramentas distintas e sem integração, além de contar com uma mão de obra pouco capacitada para manejar tais soluções. “Hoje a implementação de um CRM, e-commerce e ferramentas para equipe de vendas já pode ser feito e trazer muitos resultados positivos”, afirma Delphorno.

O diretor da Omnibees acredita que o setor hoteleiro ainda está longe de contar com processos automatizados ideais, mas salienta que o importante é começar. “A indústria de turismo e hotelaria como um todo não tem a cultura de adoção de inovação e tecnologia no seu DNA. Isso faz com que seja um segmento mais tradicional. O lado bom é que já existem muitas soluções, formas e cases de outros setores que podem ser facilmente implantadas nos hotéis”.

Taurion acrescenta que existem diferenças dentro do próprio setor, como as discrepâncias entre grandes redes e empreendimentos independentes. “Não conheço nenhuma empresa do segmento que utiliza tecnologias adequadas para fornecer uma boa experiência de ponta a ponta sem fricção. Ainda existe muita ineficiência. Falando como consumidor, os sites, por exemplo, são bem ruins”.

Para o especialista, há uma falta de visão ampla do segmento, uma vez que não adianta implementar uma nova tecnologia sem entender o processo de compra como um todo. “São problemas que podem ser resolvidos com sistemas simples. Tudo depende da vontade do hotel”.

“Um case que gosto muito da nossa indústria é o da Selina, num aspecto diferente de posicionamento com a proposta de criar experiências únicas ao redor do mundo nos vários destinos em que atua. Tem a ideia de oferecer uma imersão local, trazendo um mix de características modernas da economia compartilhada, colaborativa e/ou social tendo no seu espaço um hub cultural que propõe a integração social e de multiuso”, avalia Delphorno.

Direto e focado em dados

Desde a sua abertura, o Fuso Concept Hotel pautou sua estratégia em dados. Com foco em venda direta, o empreendimento catarinense optou por atuar apenas com seus canais e operadoras parceiras, ficando de fora de grandes vitrines de distribuição, como as OTAs.

“Pensamos em um caminho mais fácil para o hóspede fazer a reserva. Não estamos em OTAs, apenas em nosso site para reserva direta e em portfólios de parceiros. Assim que o cliente conclui a compra, três dias antes do check-in a recepção entra em contato para buscar informações sobre o cliente, como objetivo da viagem e restrições alimentares. Abrimos espaço para o hóspede falar de si e suas motivações”, explica Dlis Neto, gerente geral do Fuso.

Neste momento, o hotel inicia a personalização da estada. Neto afirma que o Fuso trabalha com muitos mimos, alguns deles já prontos e outros desenvolvidos para ocasiões e públicos específicos.

“Quando entendemos qual o objetivo da hospedagem, oferecemos experiências e pacotes que possam atender às expectativas. Podemos citar mimos feitos pelo chef, decoração com flores, velas, jantares privativos no terraço, experiências gastronômicas e imersivas na natureza”, revela Neto.

A estratégia do Fuso de estreitar relações com o cliente permanecendo longe dos intermediários é, justamente, para evitar atritos de compra. “Nos relacionamos com o público desde o momento da reserva. A jornada é toda digital, mas a partir do momento que o cliente finaliza a compra, nosso contato é via email, WhatsApp ou telefone. E uma vez dentro do hotel, nosso atendimento é totalmente humanizado”, complementa o gerente.

Para evitar fricção, o Fuso escolheu a dedo suas ferramentas, sempre pensando na experiência do usuário. “Nossa decisão é pautada na comunicação direta e como minimizar fricções, elevando as vendas diretas, mas sem deixar de atender o trade — que representa uma fatia importante para nós”, declara Neto.

Com uma proposta de hospedagem exclusiva, o Fuso mantém seu foco no cliente, mas sem buscar grandes volumes. “Nosso produto é pequeno e específico. Precisamos do hóspede certo comprando. Somos de low profile, com uma proposta de luxo sóbrio e sem ostentação”, diz o gerente.

E a proximidade com o hóspede também faz parte da estratégia de fidelização de clientes. Por meio do CRM, o Fuso consegue filtrar sua base de dados para identificar quem são os habitués. “Desta forma, realizamos ações diretas para essas pessoas, com descontos, mimos e benefícios. Ainda não temos um programa de fidelidade, mas está em nossos planos desenvolver esse serviço”, adianta Neto.

E muito se engana quem pensa que a personalização só vem do digital. No Fuso, a experiência mais importante é fruto do atendimento humanizado para atender às necessidades dos hóspedes. “O digital otimiza processos, mas em nosso hotel a experiência é totalmente humanizada”, finaliza o gerente.

(*) Crédito da capa: TesaPhotopraphy/Pixabay

(**) Crédito das fotos: Divulgação