Que o ano de 2023 foi positivo para o turismo brasileiro, não resta dúvidas. Mês após mês, o setor vem batendo recordes de receita e, segundo dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), na alta temporada deve chegar ao faturamento de R$ 155,1 bilhões. Entretanto, os efeitos da pandemia ainda podem ser sentidos em diferentes frentes do segmento. E perante a complexidade da indústria, o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) seguirá como um benefício estratégico para a manutenção de empregos, investimentos e resultados.

Em março deste ano, a Abrape (Associação Brasileira de Promotores de Eventos) divulgou um estudo inédito que demonstra o papel do programa na retomada do setor, além de sua contribuição para a economia do país como um todo. Para os que não conhecem, o Perse nasceu da Lei 14.148/2021, que dispõe ações emergenciais e temporárias destinadas ao segmento, como forma de compensar os efeitos da crise.

Em 2023, o Perse completou um ano de existência, sendo um importante vetor da geração de emprego e renda. Para compreender essa iniciativa, a Fundação Dom Cabral realizou o estudo Os impactos da pandemia no setor de turismo e eventos e os efeitos do Perse na recuperação. De acordo com o documento, as renegociações de dívidas tributárias e não tributárias com a União, viabilizadas pelo programa, teriam ultrapassado a cifra dos R$ 18 bilhões.

Doreni Caramori

Setor tem dívidas a pagar, diz Júnior

O impacto na retomada dos eventos

Em entrevista ao Hotelier News, Doreni Caramori Júnior, presidente da Abrape, destacou a importância da continuidade do programa para a manutenção e crescimento do segmento, que deu início ao Perse. “Muitas empresas se endividaram, inclusive com o governo. Existe um conjunto de contas com fornecedores, entrega de eventos não realizados, entre outros débitos que devem ser pagos”, enfatiza.

De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do Ministério do Trabalho, o setor de eventos de cultura e entretenimento continua sendo o maior gerador de empregos do país. Só no mês de outubro, foram geradas 4,2 mil vagas de trabalho na indústria — o maior índice registrado desde janeiro de 2020.

No acumulado entre janeiro e outubro de 2023, o segmento teve crescimento de 46,6%. O número foi catalisado pelo desempenho do core business do setor, que abrange atividades como organização de eventos; atividades artísticas, criativas e de espetáculos; atividades ligadas ao patrimônio cultural e ambiental; recreação e lazer; e produção e promoção de eventos esportivos.

“Outro ponto é o potencial para realizar investimentos em novos eventos, equipamentos, estruturas e casas de shows. A descontinuidade do Perse seria muito ruim, pois o benefício é para a economia como um todo, uma vez que este é o setor que mais gerou empregos nos últimos trimestres”, enfatiza Júnior.

Em maio, o Senado aprovou o projeto de Lei de conversão, proveniente da MP 1147/2022, que alterou pontos do Perse. De acordo com o PLV 9/2023, ficou estabelecida a isenção tributária e inclusão de outros setores no programa, como serviços de alimentação em eventos, hotelaria em geral, discotecas, serviços de reservas, entre outros.

O texto também reduz a zero as alíquotas do PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) para empresas do transporte aéreo. A medida, que já estava em vigor desde 1º de janeiro, será válida até 31 de dezembro de 2026.

orlando souza

Perse é vital para os caixas, afirma Souza

Reforços no caixa hoteleiro

Na hotelaria, o impacto foi similar. Com atividades praticamente 100% paralisadas, o setor sofreu baixas dolorosas, como fechamento de empreendimentos icônicos, como o Maksoud Plaza e o Matsubara, na capital paulista. Já Porto Alegre amargou 15 encerramentos definitivos de atividades hoteleiras. E estes são apenas alguns exemplos de muitos casos similares pelo país.

Felizmente, o segmento está em fase de recuperação de indicadores, mas há muito o que recompor. Orlando Souza, presidente do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), defende a continuidade do Perse para quitação de dívidas, manutenção de mão de obra e novos investimentos em ativos.

“A pandemia esgotou os caixas, com hotéis que ficaram sem ocupação e sem eventos. Foi um setor que apenas queimou gordura financeira sem entrar nada de volta. Isso sem contar gastos com a manutenção dos prédios e das equipes. Muitas dívidas foram feitas para não quebrar de vez. O Perse veio para ajudar na recuperação dessa dificuldade, com pagamento de empréstimos e recomposição de caixa”, destaca o executivo.

Souza ainda aponta o papel do programa na rentabilidade dos empreendimentos, uma vez que os custos estão mais elevados. “É um setor que demanda treinamentos de pessoas, contratação de mão de obra extra para a alta temporada e investimentos constantes. E todo esse aporte precisa retornar aos investidores, caso contrário, ninguém mais vai querer colocar dinheiro no setor”.

Ana Biselli, presidente da Resorts Brasil, ressalta que o programa foi fundamental na recuperação dos caixas e manutenção de empregos. Com o benefício fiscal, os resorts têm a chance de elevar sua competitividade, agregar mais valor à experiência do cliente e maus oportunidades de captar demandas estrangeiras.

“Ficamos paralisados por meses e, se tratando de empreendimentos de grande porte, com alto custo fixo, recuperar o que foi perdido não é do dia para noite. Precisamos investir em renovações, tecnologia e sustentabilidade. O Perse evitou muitas falências e fechamentos, o que foi vital para o setor”, diz a executiva.

Ana Biselli

Investimentos serão necessários, pontua Ana

Manutenção de mão de obra

Alexandre Gehlen, diretor geral da ICH Administração de Hotéis, ressalta que o Perse foi crucial na retomada da competitividade do segmento. “Com o programa, conseguimos pagar melhores salários, dar mais condições de empregos, treinamentos e capacitações. E isso se reverte para o público”.

Como uma indústria que vive um apagão de mão de obra, a hotelaria vem buscando formas de atrair e reter novos talentos. “É um desafio muito grande, mas estamos atuando na qualidade dos empregos. As pessoas voltaram muito diferentes da pandemia e, com a falta de profissionais, estamos colocando colaboradores sem experiência. Ou seja, qualificar é prioridade. E este é um processo que envolve investimento”, pontua Ana.

A presidente da Resorts Brasil lembra que os empreendimentos do segmento, muitas vezes localizados longe de grandes centros, são importantes geradores de emprego para muitas regiões — o que reforça a relevância da manutenção do Perse.

“Na pandemia, quase 300 mil postos de trabalho desapareceram nos setores de hospedagem e alimentação. Em 2022, foram criados 100 mil vagas de emprego e, em 2023, outras 160 mil. Esse é um exemplo da velocidade de recuperação da indústria e o Perse é de extrema importância para que os hotéis voltem a contratar e empregar pessoas”, salienta Souza. “Em dois anos e meio, foram repostas 300 mil vagas perdidas na pandemia”, acrescenta.

Investimentos como catalisadores do setor

No segmento de resorts, o Perse também foi direcionado para a modernização dos ativos. Segundo Ana, os empreendimentos injetaram o benefício em ampliações das áreas de lazer, novas atrações e retrofit de apartamentos. “Os resorts ainda tem atuado na agenda ESG, algo absolutamente estratégico em todos os sentidos e que requer investimento para ser mais aderente ao desenvolvimento sustentável”, diz a presidente da Resorts Brasil.

O mesmo movimento pode ser observado na ICH. Gehlen conta que a rede realizou inovações e reformas em suas unidades com o Perse. “E isso gerou economia de compra de materiais, melhorias de infraestrutura, entre outras reformas que agregam valor ao cliente”.

Para o presidente do FOHB, o retorno ao investidor é mais um ponto a ser colocado na conta do Perse. “O melhor momento de remuneração ao investidor foi entre 2012 e 2013. Em 2023, haverá uma quebra de quase 30% comparado há 10 anos. Já melhorou muito, mas ainda não chegamos ao nível do passado”.

O papel do Perse em 2024

Com a entrada de um novo ano, o Perse seguirá como um benefício estratégico para o turismo. Ana avalia como um período de atenção para o lazer e eventos, com a necessidade de diversificação de segmentos de demanda nos resorts. “Teremos que atuar em nichos mais específicos, além de ocupar o nosso posicionamento no mercado internacional, aproveitando as estratégias que estão sendo desenhadas pela Embratur e Turistech Hub”.

Dentro desse contexto, a hotelaria precisará pensar ainda mais em personalização direcionada para cada tipo de público, assim como promover mais investimentos em ESG. “Tudo volta para o produto, serviço e competitividade, que se traduz em preço. Sem contar a qualificação de pessoas”, conclui Ana.

(*) Crédito da capa: thiagosanchez/Pixabay

(**) Crédito das fotos: Divulgação