O acordo entre o governo e empresas do setor para disponibilizar uma cota de passagens aéreas mais acessíveis pode não resultar em uma redução significativa nos preços médios dos bilhetes domésticos. Especialistas entrevistados pelo jornal O GLOBO indicam que essa medida pode apenas formalizar uma prática de mercado já existente no mercado.

Antes das festas de Natal e Ano Novo, que tradicionalmente lotam os aeroportos, o governo e as principais companhias aéreas do país anunciaram um plano para diminuir os preços das passagens de voos domésticos. As empresas se comprometeram a oferecer 25 milhões de bilhetes com preços entre R$ 699 e R$ 799 por trecho, contanto que sejam adquiridos com pelo menos 14 dias de antecedência.

No entanto, analistas expressaram ceticismo em relação à iniciativa, e o próprio governo afirma que os resultados só serão percebidos ao longo do próximo ano. O valor promocional anunciado está acima da média atual de mercado, que, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), é de R$ 602,74 no período de janeiro a setembro deste ano.

Em setembro, o preço médio das passagens aéreas atingiu R$ 747,66, o maior valor desde março de 2009, conforme dados mais recentes da Anac. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou os altos preços das passagens, afirmando que o governo e o Legislativo precisarão abordar a questão.

O governo ainda planeja implementar o programa “Voa Brasil” para reduzir os preços das passagens aéreas, oferecendo bilhetes por R$ 200. Embora esperado para este ano, o lançamento oficial do projeto deve ser adiado para 2024.

O pacote de medidas parece formalizar práticas já existentes, como a oferta de preços mais baixos para quem compra passagens com antecedência e promoções relâmpago para determinados trechos. Não há uma obrigatoriedade para as empresas oferecerem tarifas mais baixas em todas as rotas.

Especialistas apontam que, pela lei da oferta e demanda, quem compra com antecedência ou viaja para destinos menos procurados já costuma obter preços mais vantajosos. Além disso, a falta de obrigatoriedades específicas no plano do governo permite que as empresas concentrem a oferta de bilhetes mais baratos em voos de menor demanda, compensando com valores mais altos em destinos populares.

Equilibrando pratos

O economista Cleveland Prates, da FGV, argumenta que, para alguns pagarem menos, outros terão que arcar com custos mais elevados, uma vez que as empresas precisam atender às expectativas de seus acionistas. A exclusão das companhias aéreas da lista de setores com tratamento tributário diferenciado durante a votação da Reforma Tributária também reduziu a margem de manobra para promoções mais expressivas.

Além de melhorar os indicadores econômicos, especialistas enfatizam a importância de o governo aumentar a oferta de voos, reduzir a judicialização e atrair novas empresas para promover uma competição que leve à redução dos preços.

O professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Alessandro Oliveira, observa que é difícil determinar se as promoções das companhias aéreas são um esforço adicional para oferecer preços mais baixos ou se já estavam planejadas independentemente do programa do governo. A fiscalização do acordo ainda não está clara.

Ele sugere que a medida pode, no entanto, atrair investimentos e novas empresas para o setor. Prates discorda, argumentando que o preço é resultado da competição, e o governo deveria priorizar investimentos em infraestrutura para estimular a entrada de companhias de baixo custo no Brasil, aumentando a concorrência e, consequentemente, reduzindo as tarifas.

Prates também avalia que o programa “Voa Brasil” pode funcionar como um “subsídio cruzado”, onde alguns grupos terão que pagar mais caro para garantir a saúde financeira das companhias aéreas. A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas ) destaca a necessidade de ações estruturantes e de longo prazo para efetivamente reduzir os custos do setor e retomar suas condições de oferta.

As medidas adotadas pelas empresas, como a Azul, a Gol Linhas Aéreas e a Latam, variam, mas todas visam oferecer um número específico de passagens a preços mais baixos em 2024. No entanto, a eficácia dessas ações ainda está sujeita a avaliação, e a fiscalização do programa do governo permanece como uma incógnita.

(*) Crédito da foto: rauschenberger/Pixabay