Desde o anúncio da demissão em massa na OYO Brasil, em fevereiro, a sensação geral no mercado era de que a carruagem do unicórnio virara abóbora. E de fato, após o comunicado, a base de hotéis da rede indiana enxugou significativamente e, atualmente na casa de 70 unidades, está bem longe das 500 atingidas nos tempos áureos da operação no país. Problemas de gestão e no modelo de negócio são hoje erros reconhecidos pelas lideranças da traveltech, que busca reinvenção sem ter mais ao lado um parceiro com bolso cheio, muito embora ainda desfrute de acesso ao mercado de capitais. O futuro a Deus pertence, mas a empresa fundada por Ritesh Agarwal quer novamente voltar aos seus tempos de Cinderela. Se vai conseguir, são outros quinhentos.

Certo mesmo é que os tempos de unicórnio admirada ficaram para trás, assim como todo o buzz em torno de marca e a agitação no mercado de trabalho que provocava aonde chegava. E isso vale também em escala internacional. A OYO, por exemplo, anunciou uma pausa nos planos de expansão na China e EUA, mercados estratégicos para qualquer corporação com aspiração global, para se concentrar no quintal de casa: Índia e o sudoeste asiático, além da Europa. O impacto dessa priorização no Brasil se traduziu em uma equipe reduzidíssima, menos de 10 pessoas, que se desdobram no atendimento aos hotéis atualmente na base.

Foi sobre a reestruturação da OYO Brasil, bem como sobre o impacto da pandemia – inicialmente subestimado – e os planos de retomada no mercado brasileiro, que o Hotelier News conversou com exclusividade com Gautam Swaroop, CEO Internacional da OYO Hotels & Homes. “Em poucas semanas pudemos ver um impacto visível do Covid-19 em nossos negócios no Sudeste Asiático, Índia, EUA e América Latina com a maioria das fronteiras internacionais fechando uma após a outra”, relembra o executivo, ao mencionar a tempestade perfeita observada na hotelaria mundial a partir da fatídica última semana de março de 2020.

E se já havia problemas antes da pandemia, a maior crise já vista na história do setor turístico acabou por escancará-los. Logo, revela o Swaroop, o modelo de negócio da OYO precisou ser imediatamente repensado. “Trabalhamos duro para minimizar o impacto financeiro reduzindo custos controláveis e pilotamos um modelo de negócio leve e focado em tecnologia em todas as áreas, quando vimos a doença se espalhando para vários países ao redor da América Latina, incluindo o Brasil”, afirma.

Erros e acertos

OYO - novos passos no Brasil

OYO Brasil viu base de hotéis enxugar: hoje são quase 70

Uma pandemia e muitos problemas depois, a OYO reconhece que deu um passo maior do que a própria perna buscando expandir o inventário a qualquer custo, sem mirar a sustentabilidade necessária da operação. Nesta nova fase, a rede indiana promete que fará diferente, priorizando proprietários, funcionários, consumidores e demais stakeholders.

“Crescendo no ritmo em que a OYO expandiu nos últimos anos, às vezes fomos além de nós mesmos, testando nossa organização à pressão em vários níveis. Embora tivéssemos que tomar algumas decisões realmente difíceis, aprendemos com esses erros, os corrigimos e agora estamos em um lugar melhor como resultado”, diz o executivo, em uma mea culpa com pinta de comunicado da área de Relações Públicas.

Sabendo das falhas cometidas no passado e enxergando um novo futuro, a OYO reconhece que o modelo de negócios foi muito mais falho do que lucrativo. Entre as premissas adotadas pela rede daqui para frente está o investimento em tecnologia. Um exemplo claro desse esforço é o recente acordo de cooperação firmado com a Microsoft, que visa otimizar serviços disponibilizados aos hóspedes.

“Nestes tempos sombrios e incertos, acreditamos que errar menos é muitas vezes melhor do que estar absolutamente certo. Cometemos nossa parcela de erros, aprendemos e melhoramos cada aspecto rapidamente. Nosso foco total para o futuro é fortalecer nossa tecnologia e construir relacionamentos mais profundos com nossos parceiros e clientes”, diz o CEO Internacional da OYO. “Resolvemos problemas com produtos e tecnologia, aos poucos, mas com segurança. Estamos reconquistando a confiança de nossos parceiros e dos clientes de nossos hotéis”, avalia.

As incertezas operacionais no Brasil

Após a chegada no Brasil e um crescimento rápido e desorganizado, que redundou em conversões equivocadas e em muitas críticas dos hotéis parceiros, a traveltech indiana se viu forçada a buscar alternativas para reorganizar a operação. Uma delas foi ter um dos principais investidores mais presente no dia a dia. Em 2019, a empresa remodelou sua estrutura organizacional na região com a criação da OYO Latam, fruto de uma joint venture com o SoftBank que passou a controlar mais de 1 mil hotéis no Brasil e no México. Na ocasião, executivos como Ralf Wenzel e Gonzalo Pozo chegaram à rede – hoje, ambos estão à frente da startup de entrega de supermercados JOKR.

OYO - saída Ralf Wenzel

Chegada de Wenzel coincidiu com criação de OYO Latam

Ao ser questionado sobre o fim dessa parceria mais estreita com o conglomerado japonês, Swaroop foi protocolar. “Agradecemos o apoio que recebemos de nossos investidores, incluindo o SoftBank, e valorizamos muito sua parceria. Somos uma empresa administrada e dirigida por um conselho, com um forte foco em economia de negócios. Trabalhamos em estreita colaboração com cada um dos membros do conselho para construir uma forte cultura de governança corporativa e responsabilidade e oferecer crescimento sustentável, excelência operacional e de serviços aos nossos parceiros e hóspedes”, comentou.

A saída do investidor coincidiu com a demissão em massa dos funcionários no Brasil. No comunicado enviado ao mercado, e divulgado com exclusividade pelo Hotelier News na ocasião, a rede indiana justificou os desligamentos informando que o momento era de transição do modelo de negócio, que caminhava para uma operação totalmente digitalizada no atendimento aos clientes e parceiros. Foi a partir daí que, para muita gente no mercado hoteleiro do país, a carruagem virou abóbora definitivamente. Não raro, especulava-se sobre a saída definitiva da traveltech do país, hipótese veementemente negada por Swaroop.

Ao contrário, o executivo diz que o Brasil é um mercado prioritário. “O Brasil é um mercado estratégico de crescimento para a OYO. Trabalhamos com mais de 64 parceiros hoteleiros e estamos presentes em mais de 34 cidades do país. A OYO está comprometida em fortalecer nossa presença no Brasil com um portfólio diversificado de produtos que vão nos ajudar a avançar nossa posição como líder de mercado na região, por meio de acomodações acessíveis para viajantes e turistas”, comenta.

Estratégias de crescimento

De acordo com Swaroop, a OYO se define como uma traveltech que capacita hoteleiros com uma proposta que combina design, hospitalidade, tecnologia e gerenciamento de receitas. Apesar da primeira palavra dessa lista ainda ser destacada, sabe-se que a era de investimentos e transformação nas unidades convertidas ficou para trás – a fonte secou. Em consequência, outros caminhos serão trilhados para expandir no país.

As apostas se concentram no recém-lançado OYO 360, produto por assinatura que não prevê a conversão do hotel – a propriedade parceira apenas utiliza a plataforma integrada de gestão (PMS), de precificação e de distribuição da rede indiana, que se remunera por meio de comissão sobre as vendas. Outro ponto forte da proposta de valor do lançamento é a integração rapidíssima do sistema, feita em apenas 30 minutos, segundo a empresa. Soma-se isso o já atuante suporte técnico digital, tanto para hotéis parceiros, quanto para consumidores finais.

OYO - OYO 360

OYO 360 ressalta mudanças no modelo de negócio

“Envolvemos todos os hotéis parceiros em nossa plataforma e os convidamos a se juntarem a nós no novo modelo. Em setembro, o primeiro mês de operação neste formato, convencemos mais 10 parceiros a se juntarem a nós e se beneficiarem do pacote de tecnologia da OYO”, revela Swaroop. “Ainda convidamos antigos colegas da área Comercial e de Operações a participarem deste esforço para garantir que os benefícios da tecnologia possam alcançar o maior número possível de consumidores e hoteleiros independentes no Brasil”, completa.

Quanto aos parceiros já existentes, Swaroop garante que os hoteleiros estão satisfeitos e que a OYO vem investindo na renovação das plataformas anteriormente existentes. “Realizamos melhorias no aplicativo de pesquisa, check-in sem contato, CRM personalizado com base em propriedades em que o cliente se hospedou, entre outras mudanças. Temos orgulho de compartilhar que nosso NPS dos parceiros do segundo trimestre no Brasil foi de 56%”.

Pelo que apurou a reportagem do Hotelier News, é provável que novos funcionários sejam contratados para retomar uma prospecção mais ativa de hotéis para conversão à base, com aposta mais firme no OYO 360. Paralisadas em função da pandemia e do enxugamento do time, as visitas das equipes operacionais às unidades pertencentes ao portfólio também devem ser retomadas à medida que o quadro de colaboradores for crescendo. Agora, é acompanhar de longe o trilho que a OYO Brasil seguirá daqui para frente. Que há bastante potencial no extremamente pulverizado mercado hoteleiro brasileiro, concorrentes com modelo de negócio parecido (caso da VOA Hotéis) não deixam dúvidas que existe.

(*) Crédito da foto: Montagem/Hotelier News