Um esqueleto de concreto no meio da Floresta da Tijuca. Por décadas, essa é a imagem que o projeto do Gávea Tourist Hotel deixou no imaginário carioca, mesmo que a maioria dos moradores da cidade desconheçam a exata localização do hotel abandonado. De volta aos holofotes depois que uma reportagem relembrou sua história, o empreendimento voltou a pulsar e tem uma revitalização em planejamento para relançá-lo com uma roupagem diferente da original. Agora, se seguirá perdido no tempo ou operando e vivo na memória, só o tempo dirá.

Embora estejamos sempre torcendo para que novos produtos cheguem e prosperem no mercado, viabilizar um projeto desse porte provavelmente não será uma tarefa simples para os desenvolvedores, mas isso será abordado melhor no final desta reportagem. Por enquanto, vamos rememorar essa curiosa história, que começou em um Rio de Janeiro MUITO distinto do atual e que poderá ter um desfecho em um outro mais diferente ainda.

O Gávea Tourist Hotel foi apresentado pela Companhia Califórnia de Investimentos ao mercado imobiliário carioca em 1953, explorando um modelo de negócio inovador para o período: venda de cotas de participação com direito a uso. Localizado na Estrada das Canoas, o empreendimento ficava, à época do lançamento, quase na fronteira com o fim do mundo, o que, traduzindo em miúdos, era a então distante e inabitada Barra da Tijuca.

O projeto arquitetônico original desenvolvido pelo escritório de Décio da Silva Pacheco resultou no esqueleto da foto abaixo. Pode não parecer, mas o empreendimento tem três blocos conectados sob pilotis (pavimento de acesso e uso comum) e 16 andares, somando uma área construída de 30 mil m² (metros quadrados). O hotel desenhado por Pacheco teria 480 apartamentos de 32 m², além de restaurante e outras amenidades, como uma bela piscina próximo ao portão de entrada.

Hotel abandonado - Gávea Boutique Hotel - esqueleto

O produto era tão à frente do seu tempo que, combinado à localização “quase virgem” em meio à Floresta da Tijuca, acabou não tendo o retorno comercial esperado. Ao todo, 11.520 cotas de participação foram vendidas, o que acabou arrastando a incorporação do projeto por mais de duas décadas. Até que, em 1977, a Companhia Califórnia de Investimentos sucumbiu, “presenteando” a paisagem carioca com um esqueleto de concreto abandonado no meio da Mata Atlântica.

Novos tempos

Agora, leitor, acelere bem a linha do tempo até chegar à segunda década do novo milênio. À época, o Rio vivia um otimismo que há muito não se tinha. A “marolinha” do segundo governo Lula legou à Cidade Maravilhosa um ciclo de grandes eventos, casos da Rio+20 (2012), a Jornada Mundial da Juventude (2013), a Copa do Mundo (2014) e a tão esperada Olimpíada (2016), atraindo a reboque um caminhão de investimentos e elevando as expectativas em relação à demanda turística.

Foi em meio a esse momento de euforia coletiva que, em 2011, o Gávea Tourist Hotel foi arrematado em leilão pela Gávea Residence e Incorporações, que integra o portfólio da CICB (Centro Internacional de Convenções do Brasil). Oriundo de Brasília, o grupo comprador também atua no turismo, mas concentra seus negócios na área de eventos. Entre outros empreendimentos, participa do consórcio que levou, em 2018, a concessão do Centro de Convenções Ulisses Guimarães, principal equipamento do Distrito Federal.

“É um grupo com característica de family office e que, na época, buscava um ativo no Rio de Janeiro. Então, o leilão do Gávea Tourist Hotel foi uma grande oportunidade”, conta Marcos Cumagai, chief consultant do CICB, em entrevista exclusiva ao Hotelier News.

“Hoje, temos poucos ativos, mas todos geram grande valor à carteira”, completa Cumagai, que tem sido o porta-voz da empresa para falar do projeto do hotel abandonado no Rio de Janeiro.

O executivo conta que, ao entrar no leilão, a ideia inicial do grupo era aproveitar o boom da Copa do Mundo e da Olimpíada para renovar e relançar o empreendimento de acordo com o projeto original. “Seria, portanto, um hotel de 480 UHs, mas aí…”. Bem, Cumagai não precisa nem completar a sentença, pois toda hotelaria do Rio conhece bem essa história: crise econômica pós-Olimpíada, sobreoferta hoteleira e consequente queda de ocupação e de diária média, com efeitos negativos e prolongados no mercado carioca.

Hotel abandonado - Gávea Boutique Hotel - projeto

Projeto do futuro empreendimento no Rio de Janeiro prevê dois hotéis em um

 

Ele conta também que, até 2019, recebeu muitas consultas de parceiros, além de ter sido abordado por incorporadoras, para desenvolver um projeto de condo-hotel no hotel abandonado. “Na época, contudo, decidimos não avançar em nada para focar na busca de parceiros para recuperar toda a estrutura. A partir de 2019, já tínhamos tudo pronto para recomeçar, e já entendendo que o produto deveria ser outro, mas aí…”

Novamente, Cumagai não precisa nem completar a frase. “Nosso negócio principal é o centro de convenções, que também foi severamente afetado pela pandemia. Dessa forma, só em 2022 conseguimos recuperar nossa situação de caixa para voltar a focar no Gávea Tourist Hotel”, comenta o executivo, acrescentando que a reportagem do G1 trouxe holofote surpreendente ao projeto. “Foi uma repercussão muito grande. Muita gente me ligou, mas já estávamos nos mexendo antes disso para retomá-lo”, revela.

Próximos passos

Quando o executivo diz que o grupo já se mexia, ele se refere ao trabalho de remodelação completa do conceito do produto. Com isso, o projeto original de um hotel tradicional com 480 UHs será “dividido em dois”, com o empreendimento contando com um hotel boutique Triple A e uma propriedade de perfil long stay.

“A tese que levaremos ao mercado é de um hotel boutique com 80 apartamentos e metragens variando de 32 m² a 75 m². Já o que chamaremos de Gávea Extended Stay terá de 150 UHs a 180 UHs com área de 60 m² até 90 m²”, explica Cumagai. “Vamos testar o mercado para descobrir o que melhor se encaixa. Por isso, ainda não cravamos o tamanho das suítes no long stay, por exemplo. Entender esse público primário carioca é o que vai nos ajudar a definir”, completa.

De acordo com o projeto, os hóspedes do Gávea Hotel Boutique e Gávea Extended Stay teriam recepções independentes. Na área gastronômica, estão previstos lobby bar 24h, coffee shop e restaurante, além do rooftop Mountain & Ocean View, que também poderia ser explorado para banquetes e festas.

Hotel abandonado - Gávea Boutique Hotel - anúncio original

Flyer do lançamento do projeto, em 53

Haverá ainda um piso com serviços e conveniências destinados aos hóspedes e residentes de longa permanência, como ambulatório, spa e beauty center, além de petshop, pet hotel e salas de reuniões (para até 50 pessoas) e coworking (para até seis participantes).

Cumagai acrescenta que todas as suítes do long stay terão varanda e ambientes individualizados: sala de estar, cozinha equipada e quarto com closet, bem como banheiro com box e banheira separados. Além disso, todos os residentes terão serviços do hotel e outras mordomias como compras de supermercado e motorista.

O projeto prevê ainda automação completa dos apartamentos destinados à longa permanêcia, incluindo controle da temperatura, da iluminação, do som e das cortinas, além da operação dos eletrodomésticos e acesso por biometria. “Infelizmente, não podemos aumentar área construída do projeto original, mas vamos apostar em todos esses serviços e na tecnologia para nos diferenciar”, explica Cumagai.

No curto prazo, revela o executivo do CICB, todos os esforços estão voltados para a recuperação e revitalização estrutural, além do paisagismo, cujo projeto original é de Roberto Burle Marx. “Já estamos buscando uma empresa para executar a recuperação estrutural e, em simultâneo, iniciar a revitalização, que é a limpeza geral da infraestrutura, aproveitando para já fazer algumas alterações”, revela.

Segundo o executivo, o plano é terminar essa etapa entre março e abril de 2024. “Após esse etapa, que será feita com recursos próprios, nossa ideia é testar a interesse do mercado a partir da tese citada. Só depois disso, vamos lançar o projeto oficialmente para, enfim, partir para o projeto arquitetônico, fazer elétrica e hidráulica e etc”, comenta.

“Diferentemente de uma obra normal, o prédio está mais ou menos pronto, faltando modular o tamanho das UHs a partir do teste que faremos. Por isso, a fase atual é muito importante para atrair atenção do mercado”, acrescenta Cumagai.

Uma pergunta óbvia relacionada ao futuro projeto é se a Gávea Residence e Incorporações pretende embandeirar os dois hotéis. Prudente, o porta-voz do CICB disse que ainda é muito cedo para qualquer tipo de definição neste sentido.

“Temos bastante pragmatismo em relação a essa questão. Primeiro, vamos trabalhar forte na revitalização e, posteriormente, testar o mercado para chegar a alguma definição”, explica Cumagai. “Digo isso porque as marcas hoteleiras têm uma série de padrões a serem seguidos e, portanto, não podemos avançar até ter tudo revitalizado e nossa hipótese testada”, acrescenta.

“Agora, sim, as marcas de redes hoteleiras agregam branding e alto poder de distribuição, e isso faz sentido para qualquer projeto hoteleiro e para o grupo”, continua.

Viabilidade

Como citamos no início do texto, o Hotelier News está sempre torcendo para que novos produtos cheguem e prosperem no mercado. Agora, não dá para descartar o fato de que o projeto de relançamento do antigo Gávea Tourist Hotel é um grande desafio para o desenvolvedores. Afora a complexidade da obra de revitalização, há arestas mercadológicas importantes para serem aparadas.

Primeiro de tudo, o ponto. Se, em 1953, o desafio era o fato de o hotel fazer fronteira com o fim do mundo (a Barra da Tijuca), agora sua proximidade com a Rocinha é uma questão que não pode ser ignorada. Mais ainda, há pouco sentido em ter três propriedades upscale naquela microrregião (São Conrado), onde já estão o Sheraton Grand Rio Hotel & Resort e o Hotel Nacional (veja Hotel in Loco).

Além disso, o mercado hoteleiro no Rio mudou muito nos últimos anos, com a criação de uma polarização turística entre a Zona Sul e a Barra da Tijuca, e São Conrado fica exatamente no corredor entre as duas regiões. Então, apesar do apelo de contato com a natureza, o bairro está em uma zona menos clara a nível de destino turístico atualmente.

Hotel abandonado - Gávea Boutique Hotel - escombros

Escombros do hotel: revitalização é complexa

Além disso, o acesso viário pela Estrada das Canoas (endereço do hotel) não é algo tão trivial, não se podendo descartar questões relacionadas à segurança pública na parte da noite. Esses dois fatores somados (acesso viário e insegurança) podem também afastar eventuais interessados em contratos de long stay.

Mais ainda, apesar do apelo de luxo buscado, seria difícil convencer clientes em potencial – muitos deles cariocas – a pagar caro pelo serviço naquela localização, destacam consultores imobiliários especializados em hotelaria ouvidos pela reportagem. “Natureza e experiência maravilhosas. Tudo muito lindo e complicado como só o Rio de Janeiro pode proporcionar”, disse um deles, que não quis se identificar.

Agora, como mostramos em reportagem recente sobre o Praia Ipanema Hotel, há várias possibilidades a serem exploradas. De multipropriedade a um hotel com um programa de timeshare, existem alternativas para transformar o projeto em realidade.

Certo, contudo, é que sua viabilidade fica mais fácil com uma bandeira de luxo reconhecida. Entre outras coisas porque o funding se torna potencialmente mais fácil e ágil, bem como a atração de investidores. Em contrapartida, os custos da obra podem crescer uma enormidade diante dos padrões de exigência das redes. Ah, como a hotelaria é complexa!

Mesmo que nada dê certo, a interessantíssima história do Gávea Tourist Hotel será sempre notícia. No Hotelier News e em vários outros canais, sejam eles especializados ou não. Em todo caso, desejamos todo o sucesso para os desenvolvedores do projeto. Estaremos sempre por aqui para contar suas novidades!

(*) Crédito da capa: Divulgação/Gávea Residence e Incorporações

(**) Crédito da foto: Josué Luz

(***) Crédito do infográfico e flyer: Divulgação/Gávea Residence e Incorporações

(***) Crédito da foto: Gustavo Wanderley/G1