Como noticiamos no final de abril, a operação do Praia Ipanema Hotel foi encerrada no dia 30 do mês. O fechamento da tradicional propriedade carioca começou a ganhar forma após os herdeiros do empresário libanês Nicolau Chami decidirem vendê-la, no final de 2021, para a Bait Incorporadora. À época do anúncio do negócio, a empresa carioca informou que pretendia transformar o imóvel em um residencial de luxo. Quase dois anos depois, no entanto, novos acontecimentos alteraram o rumo dessa história, alimentando especulações sobre a destinação final do ativo imobiliário.

A maior atenção do mercado sobre o futuro da propriedade, na verdade, começou no final da semana passada, quando o jornal O Globo publicou uma reportagem sobre o projeto (leia aqui). Antes, um parêntese importante ajuda a contextualizar a matéria. Em setembro de 2022, em uma transação avaliada em R$ 180 milhões, a Gafisa comprou a Bait, fechando a negociação por meio de uma combinação de pagamentos em ativos imobiliários, que somam R$ 90 milhões, e um componente em espécie, de igual valor, que estaria vinculado a eventos futuros, informou o Valor Investe.

Praia Ipanema Hotel - futuro - vista praia

O HN esteve outro dia no hotel e viu esse visual

A reportagem do O Globo, portanto, explica (parcialmente) os planos da Gafisa para o prédio do antigo Praia Ipanema Hotel, que está localizado em uma área com um dos m² (metros quadrados) mais caros do Brasil. Antes de citá-los, segue outro parêntese relevante. Na matéria, a incorporadora – uma das maiores do país e fundada em 1954, no Rio de Janeiro, com o nome de Gomes Almeida Fernandes Ltda (GAF) – informou que o processo de compra do edifício foi iniciado ainda em 2021 pela Bait, até então conhecida pelos seus lançamentos residenciais de alto padrão na Zona Sul do Rio.

Com o M&A (Merger and Acquisition) entre as duas incorporadoras no ano seguinte, a Gafisa ficou com o direito de concluir a transação, informou a empresa ao O Globo. A mesma reportagem fala que a compra do Praia Ipanema Hotel acabou sendo fechada por R$ 180 milhões, o que corresponde a R$ 1,782 milhão por cada uma das 101 UHs existentes. Como o empreendimento tinha habitações de 30 m² e 60 m², pode-se calcular um valor médio de quase R$ 44,5 mil por metro quadrado pago por cada apartamento.

Em resumo, pelo que o Hotelier News ouviu de especialistas no mercado imobiliário, a Gafisa pagou caro pelo imóvel, apesar da sua privilegiadíssima localização. Como uma reforma para relançar o projeto é inexorável, independentemente da destinação que será dada ao prédio, calcula-se que o investimento da incorporadora cresça pelo menos uns R$ 60 milhões, que é o custo estimado em um bom retrofit no edifício. Ainda assim, como se tem poucos detalhes sobre o negócio em si, a não ser o montante divulgado, fica difícil de cravar se o payback só chegaria a partir de R$ 240 milhões. Essa dúvida aumenta porque, coincidentemente, a operação de compra da Bait tem exatamente o mesmo valor pago pelo Praia Ipanema Hotel.

Planos para o projeto

A Gafisa informou na reportagem que pretende fazer uma remodelagem arquitetônica no ativo para transformá-lo em um lançamento de alto luxo. Surpreendentemente, a incorporadora disse que não vai transformar o Praia Ipanema Hotel em um residencial puro e simples, sua área de atuação mais tradicional. Na entrevista, a empresa dá a entender que o plano será mesclar a finalidade hoteleira do edifício com aspectos de um residencial de alto luxo, buscando atingir o maior VGV (Valor Geral de Venda) da companhia na cidade.

“Nesse segmento (alto luxo), a localização é talvez o atributo mais importante, já que é irreplicável. E a localização desse hotel, com um rooftop de visão livre de 360 graus, do oceano à Lagoa, é inigualável para os nossos planos. E também será nosso quinto projeto em andamento de frente para o mar no Rio. Com isso, você atrai um público maior”, explicou Luis Ortiz, vice-presidente de Negócios da Gafisa, ao jornalista Rennan Setti.

Também entrevistado, Frederico Kessler, diretor-executivo de Incorporação da Gafisa, explicou um pouco mais sobre o que a empresa pretende fazer, citando o milagre, mas sem revelar o santo. “Será um projeto não-residencial. Vai continuar sendo um hotel, um empreendimento de unidades autônomas com base hoteleira, mas estamos formatando um modelo de negócios que é inovador. Os detalhes ainda não estão fechados”, pontuou. Agora, o que será? Quais opções a Gafisa teria para o lançar o empreendimento? É exatamente isso que vamos discutir a partir de agora.

As possibilidades

Antes de começar, é importante citar que, pelo que apurou o Hotelier News, a hotelaria  carioca está receosa em relação à possível destinação final do empreendimento. O temor maior é que o imóvel seja convertido para um modelo de residencial com serviços, com as UHs distribuídas em plataformas de aluguel de curta temporada. Seria, portanto, algo similar ao que vem sendo planejado para o Hotel Everest, que fica em um ponto uma quadra atrás, também em Ipanema. Guarde a informação sobre essa localização, pois ela é importante.

Lideranças da hotelaria vem mantendo conversas com a prefeitura do Rio para tentar impedir que projetos de conversão de hotéis em residencial avancem na cidade, apurou o Hotelier News. Entre outros argumentos, citam a concorrência desleal que o modelo de short-term rentals impõe ao setor diante do abismo tributário que os separa. Além disso, a performance vem melhorando, o que vem desestimulando os proprietários de hotéis. Ainda assim, esse debate vem agitando a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, como aponta reportagem recente do Extra.

Praia Ipanema Hotel - futuro - vista Lagoa

Do rooftop é possível ver o Cristo Redentor

A julgar o que os executivos da Gafisa falaram ao O Globo, a conversão para residencial parece bastante improvável, e vamos explicar melhor agora. Especialistas do mercado imobiliário ouvidos pelo Hotelier News informaram que a legislação municipal veda a transformação de projetos hoteleiros em residenciais na orla do Rio de Janeiro. Guardou a informação do Hotel Everest? Entendeu o porquê do projeto ter seguido um caminho diferente?

Se questões legais já não são suficientes, um componente imobiliário contribui para afastar essa hipótese: o Praia Ipanema Hotel não tem uma garagem suficientemente grande para dar conta de um residencial de alto padrão, que seria o melhor encaixe para aquela localização. Vale lembrar que o público-alvo primário desse tipo de produto normalmente necessita de bem mais do que uma vaga. Neste cenário, eles vão parar suas Mercedes na orla da praia? Em princípio, esse mesmo racional se aplica para um eventual conversão para short-trem rentals, que também precisa de um bom estacionamento.

Sendo assim, praticamente afastada a possibilidade de uso residencial naquele imóvel, o que a Gafisa pode fazer naquela super localização? Que tipo de modelagem imobiliária-financeira melhor se encaixa naquela incrível propriedade à beira mar, em um dos destinos mais conhecidos do mundo? O Hotelier News conversou com vários especialistas do mercado imobiliário-turístico para, em um exercício de futurologia, encontrar possíveis destinações para aquele ativo. Veja abaixo:


Multipropriedade

Como a incorporadora mencionou um modelo inovador com VGV alto, não dá para descartar essa possibilidade. Pesa contra a ideia a complexa modelagem imobiliária-financeira necessária para colocar isso de pé. A falta de um mercado secundário consolidado também é uma barreira, assim como o baixo número atual de chaves do edifício, que deixaria o desenvolvedor em uma sinuca de bico mercadológica. Sim, vender apenas cotas de uma semana para potencializar o VGV reduziria o apelo de luxo e exclusividade pretendido, apesar de elevar o montante vendido.

Em contrapartida, não se pode descartar o fato de que a privilegiadíssima localização do imóvel potencialmente atrairia clientes de diferentes partes do mundo. Afinal, quem não iria se interessar por uma fração (de uma ou mais semanas de férias) em uma propriedade em plena Vieira Souto, com vista para o Cristo Redentor e as praias de Ipanema e Leblon?

Fractional

Em linhas gerais, o fractional usa o conceito da multipropriedade. Ou seja, diferentes pessoas dividem a propriedade de um mesmo imóvel. Então, à exceção da terminologia, a única diferença está na segmentação de cliente e, portanto, também de conceituação de produto. Nos Estados Unidos, por exemplo, os projetos de fractional comercializam frações de, no mínimo, duas semanas (geralmente três) com um tíquete médio de US$ 250 mil. É comum também a oferta de serviços hoteleiros exclusivos, em um formato pay-per-use

Ou seja, são empreendimentos de luxo, com UHs normalmente de maior metragem do que as de multipropriedade e timeshare. No Brasil, o case de sucesso mais conhecido é o InCasa, da Aviva. Com essa modelagem, portanto, a Gafisa manteria o apelo mercadológico do produto (luxo e exclusividade). Mais ainda, associando o projeto à uma bandeira internacional de luxo, potencialmente seria possível conseguir um “prêmio” no valor do metro quadrado comercializado.

Hotel tradicional + timeshare

Bem, o imóvel está lá, com infraestrutura já pronta para operar como hotel, bastando a reforma. Então, por que não lançar um programa de tempo compartilhado atrelado a ele mesmo antes da reabertura? Com certeza, apelo comercial haveria pela localização privilegiada e a atratividade do destino nos mercados nacional e internacional, tal qual existe na multipropriedade. Essa modelagem, apesar do esforço comercial implícito, proporciona um fluxo de recebíveis que acelera o payback do negócio.    

Novamente, uma bandeira internacional inédita tem potencial para valorizar o preço das semanas oferecidas aos clientes em potencial. No entanto, a sinuca de bico mercadológica retorna, já que o apelo de alto luxo e exclusividade perde força, visto que os programas de timeshare tradicionais no mercado vendem uma semana.

Praia Ipanema Hotel - futuro - fasano itaim

Gafisa comprou o Fasano Itaim da Even para revendê-lo algum tempo depois; será?

Hotelaria tradicional

Resta ainda mais uma modelagem possível para a Gafisa, e essa tampouco tiraria o sono da hotelaria carioca. Agora, necessariamente, o projeto teria que envolver uma bandeira hoteleira internacional de alto luxo, de preferência inédita no mercado carioca. Só assim seria possível gerar uma diária média alta que, por sua vez, proporcionaria um fluxo de caixa que tornasse o empreendimento atrativo para que investidores profissionais e institucionais fizessem uma proposta de compra. No início do ano, tivemos um exemplo em São Paulo desse tipo de transação e, curiosamente, ela também envolveu a Gafisa.


Enfim, vamos ver as cenas dos próximos capítulos. Agora, Gafisa, o mercado está ansioso para ver de perto esse milagre, mas, sobretudo, conhecer o santo!

(*) Crédito da capa: Vinicius Medeiros/Hotelier News

(**) Crédito das fotos: Vinicius Medeiros/Hotelier News