As pautas LGBTQIAPN+ estão fazendo cada vez mais parte das iniciativas ESG (Environmental, Social and Governance) da hotelaria e turismo. Além da sustentabilidade, elas também englobam apoio à diversidade. Por isso, a Hilton tem a primeira mulher trans a assinar o cardápio de drinks para hotéis da rede no Brasil. Rochelly Rangel tem 36 anos e atua no Hilton Copacabana, no Rio.

À Folha de São Paulo, ela conta que saiu de casa aos 15 anos, após sofrer agressões. Desde então, precisou recorrer a diversas formas de trabalho informal, como salões de beleza e até prostituição, quando começou a ter contato com entorpecentes. Após passar por dificuldades, reatou o relacionamento com a família e, não conseguindo mais emprego em salões, passou a trabalhar em quiosques de praia. Nesse momento, também dediciu retomar um hobby antigo: o vôlei.

Foi assim que conheceu Breno Cruz, professor de Gastronomia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que lhe apresentou um projeto chamado TransGarçonne, ainda em fase inicial, que tem o objetivo de reinserir pessoas trans no mercado de trabalho, com foco justamente no segmento de gastronomia.

Seis meses após o curso, Rochelly conseguiu seu primeiro emprego com carteira assinada no ramo. Em 2022, venceu a terceira temporada do reality show “Bar Aberto”. E finalmente, no começo dessa semana, mais especificamente no dia 26, chegou à Hilton.

Representatividade

Maria Paula Comaru, diretora de Vendas e Marketing dos hotéis Hilton no Rio de Janeiro, afirma que Rochelly é uma figura importante tanto no ramo brasileiro de bebidas, quanto na comunidade LGBTQIAPN+. “Estamos honrados em apresentar seu menu de drinks, que tem uma curadoria especial, inspirada em figuras femininas célebres”, destaca.

Para ela, o Mês do Orgulho é um dos momentos em que as empresas podem reforçar os princípios de diversidade, equidade e inclusão. Um dos principais nomes da Revolta de Stonewall, origem do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado hoje (28), a drag queen e ativista norte-americana Marsha P. Johnson é uma das homenageadas por Rochelly no menu de drinks.

Outras homenageadas são Oxum, orixá da fertilidade e do amor, e a jornalista Glória Maria, falecida em fevereiro deste ano. Rochelly diz que está há cinco anos sem usar drogas, em bons termos com a família e conquistou a independência financeira. Ela faz parte da primeira turma do projeto TransGarçonne, formada em 2019. O professor Renato Monteiro, idealizador junto com Cruz, diz que a iniciativa foi pensada para que fosse voltada ao mercado de trabalho, do qual, segundo ele, a universidade pública ainda é distante.

Ele diz que, em muitos casos, pessoas trans são contratadas apenas para ficar nos bastidores de restaurantes, na cozinha e em trabalhos pesados, como limpeza e organização de utensílios, equipamentos e louças. “A ideia do TransGarçonne é justamente dar visibilidade a estas pessoas em espaços de sociabilização, que é o ambiente do salão de um estabelecimento”.

Homem trans, o professor afirma que passou pelo processo de transição já como servidor público. A motivação para criar o curso veio de um reconhecimento de sua trajetória ser um ponto fora da curva dentro da comunidade. Segundo levantamento realizado pela TransVida, do grupo Pela Vida, apenas 15% das 147 pessoas trans entrevistadas no Rio de Janeiro em 2022 tinham carteira assinada.

Dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), na comunidade LGBTQIAPN+, travestis e mulheres trans, especialmente negras e periféricas, são a maior parcela desempregada, em subempregos e/ou na prostituição.

Projeto TransGarçonne

Desde sua criação, o TransGarçonne qualificou 40 pessoas para trabalharem como garçons e bartenders, entre outras funções no ramo da hospitalidade. Junto com a chegada de Rochelly à Hilton, o projeto começou sua terceira edição, com 20 novos alunos. O curso dura duas semanas e acontece no campus da UFRJ, na Ilha do Governador.

A grade curricular conta com aulas de higiene e segurança, etiqueta profissional, coquetelaria e prática de garçom. Das turmas anteriores, 22 pessoas foram contratadas em empregos formais, e outros atuam como freelancers. Um dos principais apoiadores do projeto é o SindRio (Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro), que ajuda a acompanhar as pessoas empregadas, segundo Danni Camilo, diretora da instituição.

Ela salienta que é preciso acompanhamento e adaptação dos estabelecimentos parceiros para receber os contratados. “O empregador precisa preparar o ambiente, não basta somente dar o emprego”, finaliza.

(*) Crédito da foto: Reprodução/Veja Rio