O que era para ser um marco para a hotelaria brasileira se tornou um caso complexo de atrasos, queixas e investigações por irregularidades. Após a venda de sua participação nos negócios da Hard Rock Hotels no Brasil, a VCI SA foi adquirida pela Residence Club S/A — que passou a ser a detentora dos direitos de desenvolvimento dos hotéis. Porém, o projeto bilionário ainda enfrentará uma série de dificuldades pela frente.

Em dificuldades financeiras e investigado por suspeita de irregularidades em captações no mercado de capitais, o desenvolvimento dos empreendimentos de multipropriedade encolheu seus investimentos. As mudanças na gestão e no aporte são reflexos de esforços para levar os planos adiante, mitigar problemas de atraso na entrega das obras e uma avalanche de queixas de proprietários.

Em reportagem veiculada pelo Estadão, a empresa alega não poupar esforços para cumprir com seus compromissos com fornecedores, clientes e funcionários, com previsão de entrega das obras ainda em 2024. Já a Hard Rock International não respondeu às solicitações de esclarecimento.

De acordo com o jornal, a companhia enviou uma mensagem aos clientes no final de 2023, pouco antes do anúncio das mudanças, alegando que o primeiro passo do projeto será a injeção de R$ 100 milhões para acelerar as construções dos hotéis de Ilha do Sol (PR) e Lagoinha (CE).

Anunciados há mais de seis anos, os empreendimentos são parte de um plano audacioso de desenvolvimento da marca Hard Rock em solo brasileiro, que contemplava o projeto de oito hotéis com vendas equivalentes a R$ 8 bilhões.

Com a transferência de gestão, quatro propriedades foram canceladas. Além dos hotéis citados acima, estão previstos empreendimentos em Jericoacoara (CE) e São Paulo.

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Previsão de entrega era 2020

Obras em atraso

Os dois primeiros hotéis enfrentam atrasos, mesmo com repetidas tentativas de captação da companhia, as obras estão longe do fim. Em dezembro de 2023, os gestores afirmaram precisar de cerca de R$ 400 milhões para entregar os projetos.

Desde o lançamento do projeto no Brasil, a VCI levantou mais de R$ 400 milhões para transformar o esqueleto de dois hotéis abandonados nas primeiras unidades da Hard Rock. De acordo com o Estadão, uma das estratégias de captação de recursos foi a criação de uma moeda tokenizada. No período, a empresa também vendeu cotas para cerca de 17 mil clientes, num total equivalente a mais de R$ 1 bilhão.

A previsão de entrega era 2020, contudo, clientes e ex-funcionários não sabem dizer o real motivo do atraso, visto que uma boa quantia de recursos foi levantada.

Na semana passada, o Ministério Público do Ceará multou a companhia em R$ 12 milhões pelos atrasos na entrega da obra. A empresa tem até 10 dias para fazer o pagamento da multa ou apresentar recurso.

Reclamações

O grupo responsável pelo projeto vende cotas do empreendimento no Ceará desde 2018 e já soma mais de 10 mil contratos para o hotel de Lagoinha. Segundo o MP, clientes relataram dificuldade no cancelamento dos contratos, tiveram valores retidos e sofreram a aplicação de multas por distrato (cancelamento).

O MP diz que o Código de Defesa do Consumidor prevê que não haja retenção de valores, já que o distrato não se deu por culpa exclusiva do cliente. Procurada, a empresa diz que irá avaliar o tema. Os novos controladores, que assumiram o desenvolvimento dos empreendimentos há menos de um mês, informam que abriram diálogo com a base de clientes e que tentam solucionar os problemas deixados pela VCI.

Em mensagem enviada a um cliente obtida pelo Estadão, a companhia informa a previsão de entrega no Ceará para o final de 2025. Um consultor do setor hoteleiro ouvido pela reportagem estima que a construção de um empreendimento semelhante costuma demorar de dois anos e meio a três anos para ser finalizado. Isso sem contar o processo de licenciamento. No caso dos hotéis do Ceará e do Paraná, um fator favorável é a estrutura já existente dos prédios.

Uma das emissões feitas pela empresa no mercado de capitais, o lançamento de debêntures, entrou no radar das autoridades por suspeita de fraude e hoje é alvo de inquérito pelo Ministério Público Federal. Pela transação, a companhia e o sócio fundador, Samuel Sicchierolli, tiveram de pagar R$ 500 mil à Comissão de Valores Mobiliários. Sicchierolli deixou o negócio após a venda da VCI.

As mudanças estão sendo tocadas pela gestora Urca, uma das principais investidoras do projeto. O grupo injetou pouco mais de R$ 100 milhões numa das tentativas recentes feitas pela VCI para levantar recursos, por meio de um Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios. A transação foi coordenada pelo Itaú BBA.

Procurada pelo Estadão, a Residence Club afirmou que passa por um processo de reestruturação completo, envolvendo todas as áreas da empresa e contando com o apoio da Urca Capital e do Itaú BBA, dois dos principais investidores dos projetos, e do Hard Rock International, futuro operador dos empreendimentos. Em nota, o Itaú BBA afirmo que “A respeito da matéria ‘VCI Vende Participação nos Negócios da Hard Rock Hotels no Brasil’, publicada em dezembro de 2023, o Itaú BBA esclarece que, diferentemente do que diz a reportagem, não coordenou a operação de venda da rede hoteleira da VCI e não assumiu o controle ou possui participação no empreendimento”.

“A companhia, sem negligenciar os problemas da administração anterior, trabalha para não apenas resolvê-los de forma ágil, mas foca na entrega dos hotéis que representarão um marco no turismo brasileiro”, disse.

Atualizado em 08/03/2024 às 15h39

(*) Crédito da foto: Divulgação/VCI