Em sua passagem como empreendedor em uma franquia de supermercados na Espanha, Lucas Infante vivenciou de perto o desperdício de alimentos no setor — problema que também atinge fortemente o Brasil. A partir de um incômodo pessoal e profissional, o executivo optou por arregaçar as mangas e buscar uma solução. Ali, se formava o embrião da Food To Save — plataforma de consumo consciente que recentemente se aliou ao segmento hoteleiro.

“Aquilo me incomodou de uma forma profunda, o que despertou meu interesse pelo tema. Fui entender a cultura europeia do desperdício de alimentos, que me levou a buscar na tecnologia uma alternativa”, explica o CEO da empresa em entrevista ao Hotelier News. “A Food To Save tem o objetivo de construir um legado que impacte pessoas e o planeta, como a realização de um sonho pessoal e profissional”, acrescenta.

A startup, que opera como um marketplace que liga empresas e consumidores finais, tem como missão primordial reduzir o desperdício de alimentos, mas acaba sendo muito mais do que isso. Além de evitar que itens em bom estado de consumo sejam descartados, a plataforma é também um complemento de receita para os estabelecimentos parceiros. Ou seja, todos saem ganhando.

Com mais de 1,7 mil empresas em sua base, composta por padarias, restaurantes, bares, sorveterias, hotéis e demais serviços do setor de gastronomia, a Food To Save já evitou que cerca de 800 toneladas de alimentos fossem parar na lata do lixo nos últimos dois anos. “Em linhas gerais, são produtos que estão próximos ao vencimento, com pequenas imperfeições ou excedentes de produções diárias , mas aptos para o consumo”, salienta Infante.

food to save - sacola

Sacolas possuem itens surpresa

Como funciona

Primeiramente, é importante ressaltar que a Food To Save não cobra taxa de adesão para incluir um novo estabelecimento em sua base. As empresas alimentam a plataforma com sacolas contendo produtos a serem comercializados com descontos de até 70% para o público final.

As sacolas são montadas pelas próprias empresas e divididas em três categorias: salgada, doce e mista. Os valores reduzidos são para incentivar a compra dos produtos que seriam descartados. E vale ressaltar que o consumidor não sabe quais alimentos serão entregues, o que torna a experiência ainda mais surpreendente.

“Hoje, mais de 95% dos consumidores compram via aplicativo, disponível para Android e iOS. Porém, nosso marketplace também pode ser encontrado em nosso site, onde os clientes podem adquirir as sacolas com toda a segurança”, reforça o CEO, que revela que ainda é possível retirar o pedido no próprio estabelecimento, se assim o cliente desejar.

Atualmente, a plataforma conta com parceiros como Havanna, Natural da Terra, Rei do Mate, Didio Pizzas, dentre outros. E desde o final de 2022, a empresa firmou uma aliança com o setor hoteleiro, que já contempla nomes como Accor e Intercity.

“Buscamos promover o capitalismo consciente que favorece todos os envolvidos. As empresas têm receita incremental, enquanto nós geramos um novo fluxo de clientes que muitas vezes não conheciam a marca”, ressalta Infante.

Uma solução para a hotelaria

O desperdício de alimentos é um problema latente nas operações hoteleiras, que enxergam a Gastronomia como seu maior desafio quando o assunto é sustentabilidade. Chega a ser quase inevitável que algo se perca nos vastos bufês de café da manhã, por mais que a oferta de produtos seja fabricada de acordo com a demanda de hóspedes.

“É um segmento de produção em grande escala, logo, o descarte acaba acontecendo. A hotelaria é um setor que já olhávamos há bastante tempo, mas ainda não havia acontecido a oportunidade de nos conectarmos. Queremos levar soluções para dar uma nova oportunidade para esses alimentos”, complementa Infante.

Indo de encontro com as políticas da Accor para reduzir o descarte de alimentos, o Pullman Guarulhos é um dos parceiros da Food To Save desde dezembro do ano passado. “ O Pullman Guarulhos sempre buscou opções para descarte adequado dos alimentos. Já havíamos iniciado no ano passado uma ação de doação. Agora, com a plataforma do Food to Save, teremos também a opção de venda”, conta Matheus Cunha, gerente Operacional do hotel.

Cunha explica que o empreendimento realiza uma pesagem semanal de alimentos para acompanhamento e análise de excedentes em sua produção. Caso a fabricação seja acima do consumido, o restante é destinado para doação ou venda via Food To Save. “Importante enfatizar que todos os alimentos doados ou vendidos pela plataforma estão de acordo com os parâmetros de qualidade validados pela nossa equipe de nutrição”, destaca o gerente.

Flávia Cavalcanti

Solução teve boa aceitação, diz Flávia

Redução de desperdício

Desde o início do projeto de doação, em agosto de 2022, foram repassados 350kg de alimentos. Já para a Food To Save, foram vendidos 15kg em sacolas variadas. “Estimamos que as ações reduzam em até 20% o desperdício de alimentos. Essas ações também minimizam a quantidade de lixo e, consequentemente, as emissões de CO2”, acrescenta Cunha.

Até o momento, o Pullman Guarulhos disponibilizou 33 sacolas, mas o objetivo é aumentar o número. Os itens selecionados são excedentes do café da manhã, almoço e coffee break. “Nosso maior número de sacolas é do almoço. Selecionamos itens que ainda estão em qualidade de consumo direto após o fechamento do bufê”, explica o gerente.

Por enquanto, o Intercity Ibirapuera apenas comercializa sacolas de café da manhã, com planos para expandir a ação para outras refeições. Desde dezembro, quando a parceria foi firmada, 36kg de alimentos foram salvos e 60kg de CO2 não foram emitidos na atmosfera.

“Não existe uma regra, tudo depende de quanto temos de excedentes de café da manhã. Em média, conseguimos montar cerca de cinco sacolas, pois nosso bufê é produzido de acordo com a ocupação”, diz Flávia Cavalcanti, gerente geral do hotel.

A executiva revela que as sacolas são comercializadas com a margem de 70% de desconto, seguindo a proposta da plataforma. Contudo, ela ressalta que nem todos os itens performam bem na entrega. “O ovo mexido, por exemplo, não consideramos. Incluímos pães, bolos, folhados, entre outros alimentos”.

Aceitação e perfil de público

Assim como outros aplicativos de entrega, a Food To Save mostra os estabelecimentos por localização, o que permite que as empresas alcancem uma fatia pulverizada de público. “Temos usuários de diferentes regiões. Ainda estamos definindo a persona, mas o que podemos afirmar é que temos muitos clientes da nova geração em função do consumo consciente e poder aquisitivo, já que muitos são estudantes”, revela Flávia, que afirma que a expansão no Intercity Ibirapuera virá a partir dos resultados das vendas e gerenciamento de logística.

“Fiquei impressionada com a aceitação do público. É um projeto que tem tudo para dar certo, pois tem uma capilaridade bacana e já conseguimos boas avaliações de nossas entregas”, completa a gerente geral.

No Pullman Guarulhos, a produção de sacolas não é diária, mas cada uma gera entre R$ 10 a R$ 20 de lucro, uma vez que parte da venda fica para a Food To Save. “Os produtos estão com boa aceitação e tem rápida saída após serem colocados na plataforma”, avalia Cunha.

Em linhas gerais, os consumidores da Food To Save estão inseridos na classe C, mas o perfil pode variar. “Nosso propósito é democratizar o acesso a produtos de boas marcas também como forma de reduzir a desigualdade. Hoje, atuamos em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Campinas, Guarulhos e arredores. Em breve, chegaremos a todas as capitais do país”, finaliza Infante.

(*) Crédito das fotos: Divulgação