Aberto ontem (19), no Costão do Santinho, em Florianópolis, o 2º Encontro de Gestores Operacionais de Resorts seguiu sua programação hoje (20), levando aos cerca de 80 profissionais de Operação dos resorts presentes um conteúdo focado na experiência do cliente. Logo no início do dia, Ana Biselli e Felipe Castro, presidente executiva e vice-presidente de Operações da Resorts Brasil, respectivamente, subiram o palco para a palestra Pilares da gestão da experiência do cliente.

O objetivo era mostrar que, no contexto atual de margens de crescimento mais baixas nos preços das diárias e na receita das propriedades na comparação com os últimos dois anos, ser mais eficiente e cuidar da experiência do cliente serão vitais para alcançar bons resultados. Em sua fala introdutória, a presidente executiva da Resorts Brasil destacou que o conteúdo de ontem foi permeado por insights ligados ao aumento de competitividade dos resorts. “Hoje, vamos avançar em discussões mais objetivas sobre o tema central do evento, que é a experiência do cliente e como dar atenção a ela, possibilitando sermos mais eficientes e ter diferenciais competitivos”, comentou.

Felipe Castro

Castro questionou a aquedação e preços dos resorts

Logo depois, a presidente executiva da Resorts Brasil pontuou que o setor precisa focar no que está no seu controle – e a área de Operação é uma delas. “Hoje, temos toda essa importante discussão do Perse e da Reforma Tributária em Brasília, que são questões que vão impactar diretamente a competitividade do setor, mas, ao mesmo tempo, são coisas totalmente fora do nosso controle. Em minha tese de mestrado, resolvi estudar o que está no nosso controle, e isso tem relação total com práticas de gestão. E, de fato, temos muito o que fazer para melhorar a experiência do cliente e a eficiência da operação”, disse Ana.

Para ela, o tema é bastante relevante não somente por conta do contexto atual de limitação de expansão das margens de crescimento, mas também para o futuro de médio e longo prazo do segmento de resorts. Ana lembrou que existe uma oferta de multipropriedade para entrar no mercado, o que deve pressionar as tarifas no segmento de lazer.

“Diante disso, sem fazer o dever de casa, sem inovar e trazer mais tecnologia para o seu negócio, como ficará nossa diária média? São vários questionamentos que são necessários para deixar nossa gestão mais eficiente”, ponderou. Perante esse cenário, o que significa, de fato, fazer uma boa gestão da experiência do cliente? Segundo Ana, existem dois pilares principais:

  • Adequação da experiência: ela está de acordo com o interesse do público? Faço uma comunicação adequada? E, o mais importante, entrego essa experiência complicada? Há um alinhamento e integração do que é proposto e entregue?
  • Sensibilidade da entrega da experiência: aqui entra o time, a autonomia que ele tem, a capacitação que ele tem executar os procedimentos previstos. E fica um questionamento: será que consigo entender e ler melhor o cliente para dar o tratamento que ele necessita?

Já Castro sugeriu algumas reflexões aos presentes. Em sua fala, fez algumas perguntas aos participantes: como estão nossos produtos? Estão adequados ao preço que cobramos e ao que é proposto ao cliente? “Precisamos fazer essa reflexão. A Disney é a Disney porque sua operação foca o detalhe do detalhe. Estamos longe disso, mas temos que tentar fazer igual”, ponderou.

O  vice-presidente de Operações da Resorts Brasil reforçou que processos são sempre importantes na indústria hoteleira, mas lembrou que antes deles estão as pessoas. “Damos autonomia para elas decidirem na ponta? Acho que essa reflexão é válida para todos, e veja o nosso exemplo. No Carnaval, tínhamos 200 extras em Atibaia (SP). Será que esse grupo de colaboradores estava realmente capacitado e engajado para entrega que prometemos? Enfim, sem esse profissional treinado, é certo que não há processos. Em resumo, para ter o pilar de experiência adequados aos eixos citados pela Ana, existe um trabalho dentro de casa para ser feito”, finalizou.

A importância dos processos

Depois da dupla Ana Biselli e Felipe Castro, foi a vez de Marcelo Traldi subir ao palco da área de eventos do Costão do Santinho para continuar explorando o tema experiência do cliente no encontro da Resorts Brasil, só que a partir de uma perspectiva principal. Especialista em gastronomia, o professor e pesquisador do Centro Universitário do Senac-SP focou na importância dos processos para desenhar uma jornada do consumidor bem feita.

Para começar, Traldi destacou que processos bem desenhados necessitam de intencionalidade. Isso ganhou ainda mais relevância diante do aumento da competitividade do Food Service e das mudanças do mercado em si. “A estrutura de conceituação do produto e da entrega está muito mais complexa do que no passado. Quer um exemplo? Quem nunca chegou em um restaurante já sabendo o que queria comer? Hoje, as redes sociais elevam a expectativa do cliente, e nós precisamos atendê-la e até superá-la”, comentou.

Contratado para gerir toda operação de alimentação da Vila dos Atletas da Rio2016, Traldi fez várias referências a esse case pessoal durante sua fala para mostrar, na prática, como intencionalidade é essencial para desenhar uma boa experiência do cliente. “Eram 70 mil refeições por dia, 2,5 milhões de pratos servidos ao fim da Olimpíada e da Paraolimpíada. Tudo isso sem nenhuma suspeita de intoxicação alimentar. Por quê? Porque tivemos processos. Agora, estruturar isso é chato, é lento e enche o saco, mas, sem os processos, jamais teríamos feito essa entrega”, disse.

Marcelo Traldi

Traldi destacou a internacionalização

E para criar bons processos (e uma boa jornada ao cliente), o especialista alerta que boa intenção é importante, mas não é tudo. Por isso, ele destaca a função estratégica de mapear processos, e seus erros e acertos, para entender como melhorar o que está sendo planejado. “Só assim vai funcionar melhor. Para chegar no detalhe, só planejando, executando e medindo os resultados”, acrescentou.

Outro ponto destacado por Traldi foi a questão da intencionalidade. Novamente recorrendo ao case da Rio2016, ele falou que não queria que os atletas se sentissem em um grande refeitório, o que certamente impactaria a experiência deles. “Então, para entregar algo individualizado, fomos em busca de alternativas, caso das apresentações dos pratos”, revelou o especialista, que deu também outro exemplo. “Não queríamos servir pão no buffet, então criamos estantes de autosserviço onde os colocávamos, além de frutas. Funcionou muito bem tanto para o cliente final, como para a reposição que minha equipe tinha que fazer”, completa.

Ele reconheceu que todos o planejamento demandou muito trabalho e, principalmente, medição de resultados e ajustes provenientes disso, citando ainda um dificultador a mais. “O engajamento das pessoas foi vital para tudo dar certo, porque era todo mundo temporário ali. Afinal, o funcionamento do refeitório tinha data para começar e terminar, que era a duração das duas competições”, afirmou.

“Novamente, só consegui entregar tudo porque tinha muito processo. Então, foi o desenho deles e a mensuração dos resultados que me permitiram alinhar expectativas e fazer uma boa entrega final”, concluiu Traldi.

Um olhar (sustentável) para toda a cadeia

Diante das perspectivas mais modestas de crescimento para a hotelaria nacional este ano frente aos resultados dos anos anteriores, olhar com atenção para a operação é um dever de casa obrigatório de todo gestor hoteleiro. Neste contexto, o evento da Resorts Brasil destaca como a busca por ganhos de eficiência operacional é vital, o que também passa por fazer uma boa gestão da cadeia de suprimentos.

Para ir mais a fundo neste tema, o 2º Encontro de Gestores Operacionais de Resorts promoveu palestra Produto: o que faz com que você se diferencie?, que teve a participação de Fernando Picasso. Ao longo de toda a sua fala, o professor do Insper mostrou a importância da cadeia e, diante das transformações na sociedade atual, como fazer isso de maneira sustentável.

“A pandemia, de certa forma, ressaltou como a boa gestão da cadeia de suprimentos é importante. Em tempo recorde, por exemplo, a vacina foi produzida e levada até a ponta (o consumidor)”, destacou Picasso, que fez um comentário interessante sobre como se estrutura essas cadeias produtivas. “Tudo o que acontece até chegar ao cliente, que é a única fonte de receita, é custo para a cadeia. Então, a partir do momento que há esse entendimento, é possível ter melhor conhecimento sobre o que o cliente quer. Se, por algum motivo, algum elo tenta maximizar seus resultados em detrimento dos demais, todo mundo sai perdendo”, continuou.

Neste contexto, o que a gestão de suprimentos precisa olhar com atenção? Picasso apontou algumas perguntas que todo hoteleiro precisa se fazer para ter essa resposta:

  • Como o processo é feito?
  • Onde minha operação acontece?
  • Quem são os fornecedores locais?
  • Qual produto/serviço estou criando?
  • O cliente está disposto a pagar por isso?

Na visão do especialista, há ainda outros conceitos a serem levados em conta na gestão de fornecedores:

  • Compartilhamento de riscos e benefícios: melhor o fornecedor estar comigo nas boas e nas ruins.
  • Mire uma relação de longo prazo com os fornecedores.
  • Pandemia mostrou que é vital ter fornecedores alternativos na manga.
  • Busque sempre a manutenção e a qualificação da cadeia.

“Já pensando no relacionamento com os clientes, toda empresa precisa pensar na criação de valor por meio da experiência, o que passa por entender quanto ele está dispostos a pagar. Outros pontos relevantes são: fazer uma boa gestão da demanda e ter foco em toda a jornada do consumidor”, alertou. “No fim da linha, uma boa gestão de suprimentos mira um fluxo eficiente e efetivo do ponto de origem até o cliente final”, acrescentou.

Fernando Picasso

Picasso debateu sobre cadeia de suprimentos

Sustentabilidade

Agora, é possível fazer tudo isso incluindo conceitos de sustentabilidade? Na visão de Picasso, este é um caminho sem volta e, para ilustrar isso, ele faz um alerta: “Nos dias de hoje, uma agenda ESG fraca gera riscos reputacionais, enquanto o contrário tende a aumentar a lealdade do cliente. Basta lembrar o caso recente de uma produtora de vinhos no interior do Rio Grande do Sul que, acusada de ter trabalhadores em situação análoga à escravidão, perdeu muitos contratos”, relembrou.

O professor do Insper também mostrou como o conceito de sustentabilidade aplicada à cadeia de suprimentos evoluiu nos últimos anos. Segundo ele, há mais de uma década, as organizações tinham apenas foco no produto. “A sustentabilidade era mal vista por representar aumento do custo potencial. Mais ainda, à época, o lado social era deixado de lado”, ensinou.

Ao final do evento da Resorts Brasil, Picasso acrescentou que muitas organizações já colocam um propósito por trás do produto, com a visão sobre o social ganhando muito mais espaço. E como será o futuro? Bem, para ele, colaboração e parcerias estratégicas serão palavras-chaves. “A evolução para o conceito ESG colocou esse tema como parte integrante da estratégia do negócio, em vez de ser custo como era lá atrás. É a sustentabilidade gerando negócio e ganhos sociais, tudo integrado”, finalizou.

Xcaret: muito mais do que um case

Para fechar a programação do segundo dia do evento da Resorts Brasil, nada melhor do que uma história inspiradora. Pois foi exatamente este o papel cumprido pela palestra Case Xcaret: o que temos a aprender?

Ao longo de 40 minutos, Gustavo Colin, diretor de Vendas para o México, América Latina, Europa e Ásia do conglomerado de turismo e entretenimento mexicano, explicou aos presentes no encontro da Resorts Brasil como foi estruturada a governança corporativa da empresa, que criou um dos melhores estudos de caso de experiência do cliente na indústria de hospitalidade global.

Para quem não conhece, o Grupo Xcaret foi fundado em 1985 e, hoje, tem uma série de marcas, que inclui parques de diversão, hotéis e resorts, além de clube de viagens. “O que, no início, era um parque de diversões, transformou-se em um amplo complexo de turismo, entretenimento e hospitalidade que tem na sustentabilidade um pilar fundamental”, disse Colin logo no início de sua fala.

Colin apresentou o case do Grupo Xcaret

E, para criar experiências turísticas únicas e sustentáveis, a empresa se estrutura em alguns eixos importantes, como pessoas e biodiversidade. “Temos mais de 14 mil colaboradores, dos quais 36% são mulheres. Esse não é um percentual pequeno em qualquer indústria, e fazemos questão de destacar isso”, disse o executivo. “Queremos cada vez mais mulheres ocupando diferentes funções na empresa. Temos um programa formal para estimular esse crescimento”, completou.

Programas bem estruturados nessa frente importante (pessoas), aliás, não envolvem apenas o público feminino. Há iniciativas muito mais amplas, das quais Colin destaca a grande preocupação com o bem-estar dos funcionários. “Esse é um pilar importante nesse eixo (pessoas), que engloba desde os seus deslocamentos até o trabalho até o estímulo para que se desenvolva academicamente”, revela.

Preservar o patrimônio histórico e cultural do México por meio do envolvimento da comunidade é outra frente importante no eixo Pessoas, mostrou Colin. “Temos muitos funcionários que são oriundos das comunidades onde atuamos. Criamos um senso de pertencimento muito grande e, de certa forma, são esses conjuntos de iniciativas que nos ajudam a criar um ambiente propício para ter colaboradores engajados com nosso espírito e cultura organizacional”, destacou.

No pilar biodiversidade, existem também várias iniciativas, que vão desde a criação de uma arquitetura eco-friendly passando por um amplo programa de reintrodução da flora e fauna local. “O nosso propósito nos fez compreender que ser os mais respeitadores possíveis do meio ambiente era vital para que tudo funcionasse”, finalizou.

(*) Crédito das fotos: Peter Kutuchian/Hotelier News