Embora muitas vezes consideradas sinônimos, equidade e igualdade são palavras díspares em seus significados, principalmente quando aplicadas no universo empresarial. Em uma sociedade que vem, a duras penas, buscando equilíbrio e diversidade de gênero, raça e orientação sexual, dar nome aos bois é fundamental. No contexto corporativo, a igualdade consiste em oferecer o mesmo tratamento e oportunidades a todos, sem distinções. A equidade, por outro lado, determina a ideia de eliminar as vulnerabilidades que provocam diferenças, promovendo um ambiente mais justo.

Ainda que a hotelaria tente mitigar as discrepantes assimetrias entre homens e mulheres, ao colocar uma lupa no setor, é preciso entender que há muito a ser feito. Grande parte das empresas – e é importante ressaltar – não apenas no segmento de hospitalidade, acreditam que aumentar o número de funcionárias do sexo feminino é o suficiente para oferecer a tão sonhada equidade de gênero. Acredite, não é disso que se trata!

Nos últimos anos, o Hotelier News vem buscando promover a reflexão do setor hoteleiro frente a algumas questões relativas ao 8 de março. Por aqui, já debatemos temas como assédio sexual, apoio à maternidade, equidade salariallideranças femininas, entre outros assuntos relacionados ao Dia Internacional da Mulher.

Após tantas discussões, chegamos a uma reflexão importante: a conscientização, tão difundida não só na hotelaria, está dando resultado? Ou a equidade, igualdade e diversidade seguem apenas como conceitos presos ao plano das ideias?

Para a JLL, as empresas estão se apegando apenas à equidade, mas sem olhar para a igualdade. Contratar mais mulheres não resolve o problema se o ambiente de trabalho não for inclusivo, respeitando as peculiaridades e atribuições que são delegadas às profissionais do sexo feminino. Artigo publicado no último dia 1º pela consultoria global de real estate, que tem uma liderança feminina na área de hospitalidade, aponta que o caminho para tornar o setor mais justo para elas é árduo.

O tempo necessário para acabar com a disparidade salarial entre homens e mulheres, por exemplo, aumentou de 100 para 132 anos desde o início da pandemia, segundo o relatório Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Um dado mais desanimador ainda é a distância para alcançar a plena igualdade de gênero – nada menos que 286 anos.

Conscientização não é nada sem ação

Desde que o debate acerca da diversidade e equidade ganhou novos contornos nos últimos anos, muito tem se falado sobre o assunto, mas pouca iniciativa foi, de fato, implementada. Para Nana Lima, sócia e co-fundadora do Think Olga & Think Eva, o tempo da conscientização acabou. “Passamos muito tempo debatendo os problemas. Agora, estamos no momento de partir para ações e políticas internas. Precisamos de atitudes afirmativas, com protocolos, processos e encaminhamentos para que a mudança aconteça.”

Nana Lima

Para Nana, chegou a hora de ir para a ação

A executiva salienta que questões como parentalidade, assédio e diversidade em cargos do alto escalão devem ser tratadas com maior envolvimento por parte dos empregadores. E que muito além de oferecer soluções e rede de apoio para as profissionais, as empresas precisam parar de estereotipar cargos de acordo com gênero.

“Quando falamos em parentalidade, é preciso entender que não é só a mulher que cuida dos filhos, que leva para a escola ou ao médico. Muitas vezes, existe uma rede de apoio que divide a criação e que também precisa ser acolhida. As companhias saem ganhando quando se questionam como lidam com famílias com duas mães, dois pais entre outras configurações”, avalia Nana.

Para colocar um exemplo prático, vamos imaginar uma situação hipotética. Um hotel tem 50% de seu quadro de funcionários composto por mulheres, mas o gestor acha ruim quando uma mãe precisa se ausentar para cuidar do filho. Ou impede que o pai ou outro familiar que ajuda na criação o faça.

“As lideranças precisam ter consciência do que é um ambiente de trabalho inclusivo, com cuidado de gênero. Passar do discurso para ações concretas que vão além do letramento. A diversidade não caminha sozinha, a empresa precisa fomentá-la no dia a dia, com inclusão e pertencimento. Caso contrário, de que adianta ser aliado a uma causa?”, questiona Nana.

Segurança e atenção para a base

Muito se fala sobre a falta de mulheres no topo da cadeia corporativa, enquanto as necessidades das profissionais na base da força de trabalho ainda são negligenciadas. Áreas operacionais, como limpeza e governança, são majoritariamente compostas por colaboradoras. Pensar nas particularidades de pessoas que não estão em cargos administrativos e gerenciais também faz parte de um ambiente de trabalho inclusivo.

“O setor hoteleiro, como um segmento que opera 24h por dia, atua com horários e turnos diferentes. É preciso pensar na chegada e saída dessas profissionais, adotar medidas de segurança e proteção que fazem parte de um local de trabalho acolhedor. Pode parecer uma bobagem, mas muitas vezes esses empreendimentos estão localizados em bairros pouco iluminados e sem policiamento adequado”, enfatiza Regina Madalozzo, pesquisadora associada ao GEFAN – sociedade de estudos de gênero e família.

Com a premissa de que equidade é para todos, e não apenas para determinada fatia do quadro de funcionários, os hotéis precisam considerar o modo de vida de seus colaboradores de maneira macro. “Temos dois mercados de trabalho: um para as profissionais de gerência e outro para as mulheres que atuam em serviços de base, que vivem um setor mais agressivo. Como representantes da iniciativa privada, esses empreendimentos também devem se mobilizar para garantir políticas públicas em prol dos direitos de suas funcionárias”, avalia Regina.

E quando falamos de equidade, é preciso pensar também em mulheres negras, com deficiência, homossexuais, trans e seniores como parte da inclusão no ambiente corporativo. “São diversos perfis que fazem a diferença no resultado final. Faz-se necessário falar sobre como o hotel mantém essas profissionais, em quais condições ou se a rotatividade é grande. Não adianta contratar, é preciso incluir, fomentar e engajar”, ressalta a pesquisadora.

Regina Madalozzo

Regina: setor deve olhar também para a base

Representatividade segue como ponto fraco

De acordo com dados do relatório Os números por trás das mulheres na liderança: lazer, desenvolvido pela empresa de consultoria privada Aptamind Partners, com apoio do WTTC (World Travel & Tourism Council), apenas 7% das mulheres ocupam cargos de presidência e CEO na indústria de lazer ao redor do mundo.

A pesquisa foi realizada com grupos hoteleiros, cassinos e empresas de entretenimento, considerando que a desigualdade de gênero aumenta conforme escalamos a pirâmide corporativa. Representando 50% da força de trabalho do setor, as mulheres ocupam 42% dos cargos de média gerência e 33% em gerência sênior. Em nível executivo, o percentual cai para 20%.

“As empresas precisam entender que elas mesmas se beneficiam com um time mais diverso, colocando as profissionais para aplicar conhecimentos técnicos, fomentar inovação e abordar pontos de vista diferentes. O ESG atravessou os negócios e com a sigla vieram questões que impactam diretamente a empregabilidade, reputação e o desejo das pessoas de estarem ali”, acrescenta Nana.

CEO da Nobile Hotels & Resorts desde o final de 2022, Renata Rocha acredita na evolução da representatividade feminina em posições de destaque. “Com a evolução dos tempos, a indústria hoteleira tem se tornado mais diversa. Hoje, é possível observar um contínuo crescimento no número de mulheres em cargos de liderança. A Nobile é uma empresa que valoriza e oferece oportunidades aos seus talentos, independentemente de gênero, e atualmente as mulheres são a maioria em nosso quadro de colaboradores”, revela.

Para mudar o cenário de desigualdade, Renata aposta em uma cultura corporativa inclusiva. “A Nobile é uma empresa que prioriza e valoriza as pessoas,  oferecendo oportunidades pelas habilidades, conhecimento, ética, caráter e o quanto o profissional veste a camisa da empresa”, pontua.

Infelizmente, fornecer os mesmos recursos – como remuneração – não elimina desafios para alcançar a igualdade, como preconceitos enraizados que impactam a carreira das mulheres, como a licença maternidade, por exemplo.

Então, o que fazer?

À frente das operações da B&B Hotels, Flávia Lorenzetti avalia que a cultura machista na qual estamos inseridos é um paradigma difícil de ser quebrado, em que muitas mulheres se sentem inaptas ou preteridas.

“Acredito que não basta apenas oferecer vagas, mas também capacitação. E quando me refiro a isso, não falo só dos aspectos técnicos, mas também emocionais. Hoje, não temos muitas mulheres em posições de liderança porque falta encorajamento para ocupar esses espaços. Para conseguirmos ter equidade, é necessário oferecer construção profissional pelo lado emocional”, avalia Flávia.

Flávia Lorenzetti

Flávia aposta na capacitação de mulheres

Para mudar o cenário atual, a executiva da rede francesa acredita que programas de incentivo, flexibilização de horários devido à dupla jornada e benefícios que ofereçam espaço para o desenvolvimento profissional são algumas alternativas.

“Temos flexibilização de horários, além de um programa forte de liderança para trabalhar mulheres. A cada dois meses, são realizados encontros com toda a equipe para plantar nos colaboradores a semente do desenvolvimento pessoal”, explica Flávia. “Hoje, muitos dos nossos hotéis da B&B têm mulheres na diretoria e no corporativo, assumindo posições de liderança. Dar condições para essas profissionais é essencial para vermos elas se desenvolvendo e se empoderando”, acrescenta.

As iniciativas da B&B visam não apenas trabalhar a humanização das mulheres, mas também destacar a conscientização dos funcionários do sexo masculino sobre a importância de um ambiente de trabalho acolhedor. “Sofri muito preconceito, comecei como garçonete, passei por várias situações de assédio, e foi assim a cada passo dado. Por isso, trago muito da minha história, para de certa forma servir de inspiração para essas profissionais”, conta.

Na Nobile, a cultura organizacional é priorizada, com adoção de políticas, treinamentos e comunicação. “É necessário buscar sempre novos conhecimentos, novas habilidades e formações, aliado com forte networking para construção de relacionamentos profissionais e encontrar outras mulheres que sirvam de exemplo, inspiração e coragem”, diz Renata. “A mudança de mentalidade vem com a quebra de percepções estereotipadas”.

Exceção à regra, Gabriela Schwan afirma que nunca teve problemas em sua carreira pelo fato de ser mulher. CEO da Swan Hotéis, a executiva considera o setor hoteleiro avançado em relação aos demais quando o assunto é equidade de gênero.

“Sabemos que existe esse estigma, mas consideramos uma força e não um problema. Sinto que, por ser uma mulher em um cargo de CEO, tenho ganhado mais visibilidade de todo mercado, desde o público ao privado”, declara Gabriela. “Ser mulher CEO hoje é algo que tem me aberto portas e não fechado”, complementa.

Nas unidades da rede gaúcha, a CEO garante que as contratações não são pautadas por gênero. “Contratamos apenas pessoas, indiferentemente se são homens ou mulheres. O que me interessa são as competências”, diz a executiva.

Entre as ações da Swan Hotéis para promover um ambiente de trabalho inclusivo, Gabriela destaca a flexibilização de horários, auxílio creche e auxílio leite. “Sempre fazemos tudo da forma mais natural possível, sem discriminação”, garante.

Reação em cadeia

Nana avalia que a pandemia escancarou ainda mais a necessidade de adaptações para as profissionais do sexo feminino, expondo a importância das redes de apoio. “Entendemos que não somos tão autossuficientes assim. Se a escola não abre, se a saúde mental não está boa, todos são afetados. O trabalho é impactado e, consequentemente, o mercado e o lucro da empresa”, acredita.

Renata Rocha

Mulheres são maioria no quadro da Nobile

Logo, prezar pelo bem-estar e dar condições de trabalho alinhadas à vida pessoal faz parte de uma cultura empresarial ajustada. A executiva da Think Olga ainda enfatiza a relevância de planejamento organizacional para que a igualdade aconteça. “É uma iniciativa estratégica que demanda um ambiente consciente e uma liderança engajada que evita crises internas, de imagem e de comunicação. Uma empresa jamais inicia o ano sem um planejamento orçamentário, mas não percebe que a estruturação desse acolhimento e da gestão de pessoas ajuda a alcançar outros indicadores”.

Regina complementa dizendo que a disparidade no mercado cresceu durante a pandemia, retirando muitas mulheres do mercado de trabalho. “Algumas ficaram desempregadas e outras se retiraram de seus cargos, pois não havia a possibilidade de equilibrar o emprego e as demandas familiares. Aí que enxergamos a diferença, uma vez que a família pesa mais para profissionais do sexo feminino”.

A pesquisadora ainda pontua que as capacitações devem se estender também para mulheres de baixa renda e escolaridade, pois só com educação essas profissionais estarão em linha de evolução em suas carreiras. “A automatização do setor, por exemplo, é uma questão quando existe um déficit de letramento digital, o que impede muitas mulheres a retornarem ao mercado”, finaliza.

*Com colaboração de Lucas Barbosa e Matheus Alves

(*) Crédito da capa: Reprodução/MPMS

(**) Crédito das fotos: Divulgação