“Por que somos tão cobradas a trabalhar como se não tivéssemos filhos e a exercer o papel de mãe como se não trabalhássemos?”. Certamente você, mãe, que está lendo essa frase, em algum momento de sua carreira se identificou com esse questionamento, certo? Que pautas sobre igualdade de gênero se tornaram obrigatórias no mercado de trabalho não é novidade, mas existe um recorte que ainda está à margem do debate: as demandas da maternidade.

Segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a participação de mulheres no mercado de trabalho teve alta pelo quinto ano consecutivo. O levantamento mostra que a taxa de profissionais do sexo feminino atuantes aumentou 2,9 p.p em oito anos, enquanto dos homens caiu 1,1 p.p na mesma base de comparação. Em contrapartida, a remuneração delas é, em média, 22% menor, chegando a 38% abaixo quando falamos em cargos gerenciais.

Colocando uma lupa nos números, a pesquisa do IBGE ainda aponta que filhos pequenos seguem como uma das muitas barreiras que as mulheres enfrentam quando se trata de trabalho. Em 2019, o nível de ocupação por profissionais sem filhos de até três anos de idade era 67,2%. Entre mães com crianças nessa faixa etária, o índice cai para 54,6%. Para mulheres pretas e pardas com filhos de até três anos, o nível de ocupação é ainda mais baixo, de 49,7%.

Ironicamente (só que não!) entre os homens foi observado exatamente o oposto. O percentual entre os que tinham filhos pequenos (89,2%) foi maior do que aqueles que não possuem filhos (83,4%).

O estudo ainda mostra que as mulheres dedicavam, em média, 21,4 horas semanais aos afazeres domésticos em 2019, quase o dobro da média masculina, de 11 horas semanais. Tudo isso em um cenário sem pandemia, sem home office e sem homeschooling.

maternidade e hotelaria - alinne souza

                     Alinne optou por migrar para a hotelaria familiar quando o filho nasceu

Maternidade na hotelaria

Quando pensamos em qualidades atribuídas à hotelaria, como acolhimento e aconchego, é quase possível dizer que se trata de um setor maternal. Mas será mesmo? O Hotelier News conversou com quatro mães para saber como elas atendem às demandas dos filhos e da rotina desenfreada dos hotéis.

Chefe de recepção do Hot Beach Resort, Alinne Souza é um exemplo clássico de profissional que deu uma “pausa” na carreira quando descobriu a gravidez. Mãe do João Pedro, de oito anos, ela abdicou de uma promoção e migrou para a hotelaria de pequeno porte para se dedicar ao seu novo “cargo”. “Quando descobri minha gestação tinha acabado de ser promovida a subgerente de Operações. Para mim foi um desafio, pois queria trabalhar, sentia-me disposta. Quando voltei da licença-maternidade, meu filho estava com cinco meses, mas o ritmo de trabalho era acelerado, pois era um volume grande de um complexo de 1 mil apartamentos. Não estava conseguindo ser mãe, tinha um bebê para dar conta e refleti sobre o que era prioridade naquele momento”, relembra.

Sem querer deixar de atuar na área, Alinne optou por buscar uma posição na hotelaria familiar, com demandas mais brandas de trabalho. “Foi preciso colocar na ponta do lápis e equacionar. Dei uma pausa na minha vida profissional na questão de crescimento para criar um vínculo com meu filho”, revela.

Veterana na hotelaria e na maternidade, Ana Maria Santos Pollak atuava como gerente de Operações do Sofitel Costa do Sauípe quando surgiu o convite de fazer a implantação do Sofitel Jequitimar, no Guarujá (SP). Grávida de sete meses, mudou-se para lá com dois grandes projetos: o hotel e a maternidade.

“Conquistei muitas coisas nesse momento. Nós nos empoderamos de uma maneira inexplicável com a maternidade. Existe um ser que depende de você. Ou você senta e chora ou vai à luta. E é preciso entender que não é sobre conciliar tudo. Existem medos e inseguranças que são próprias dessa fase. Enquanto executiva, passei muitas horas fora, mas criei momentos do dia de conexão com meu filho, como a hora de dormir e acordar”, relembra.

maternidade e hotelaria - ana santos

                                           Ana gestou o filho e o Sofitel Jequitimar na mesma época

A importância da rede de apoio

Em 2020, Tatiane Marques deixou a correria do dia a dia como gerente geral do Grand Hotel Rayon e mudou-se para Porto Alegre com o marido e a filha, Rafaela, de sete anos. Atualmente trabalhando em home office com sua própria empresa de consultoria, ela destaca a importância do suporte das empresas no retorno ao trabalho.

“Engravidei enquanto trabalhava no Bourbon Curitiba Convention e me lembro de ter tido apoio desde os funcionários aos gestores. No puerpério, precisava sair para dar de mamar de três em três horas. A maternidade nunca foi vista como um empecilho, tanto que fui convidada para participar de um programa de potenciais sucessores de gerentes gerais na época e consegui o cargo”, salienta.

Com apenas dois meses de vida, Nina estava nos braços da mãe, Juliana Nogueira, durante sua entrevista para reforçar o time de vendas da Master Hotéis. “Parei para amamentar no meio da entrevista. Se eu conto ninguém acredita. Naquele momento eu precisei recusar a proposta por conta da maternidade, mas voltamos a nos falar um ano depois e topei”.

Apesar de nunca terem se conhecido, Tatiane e Juliana tem uma coisa em comum: tiveram o privilégio de serem acolhidas pelas empresas, mas esta, infelizmente, não é a realidade de muitas mulheres. Sem rede de apoio, dentro e fora de casa, as profissionais acabam perdendo autonomia.

Para Paula Kindermann Fuzetti Morano, psicóloga perinatal, a ascensão das mulheres no mercado de trabalho reduziu ainda mais o suporte às mães quando se trata de rede de apoio. “Antes, quando o papel da mulher era cuidar da casa e dos filhos, mães, sogras e vizinhas ajudavam. Hoje em dia, essas mulheres também estão trabalhando fora de casa. Atualmente, a mulher pode fazer o que ela quiser, mas com pouquíssima ajuda e as mesmas cobranças dos homens”.

De volta à ativa após quatro meses do nascimento da filha, Juliana contou com o suporte da mãe em viagens a trabalho, quando ainda era colaboradora da Atlantica Hotels. “Me programava para levar minha mãe junto comigo e pagando à parte os voos e hospedagens, pois eu ainda amamentava. Foi muito puxado, porém reconfortante saber que estava dando conta”, relembra.

Com tantas demandas, a psicóloga ressalta uma idealização tóxica por parte da sociedade e como a falta de auxílio pode agravar quadros de depressão pós-parto, estresse e ansiedade. “Quanto mais pessoas uma mãe puder contar, melhor. Quando falamos em rede de apoio, se trata de uma sociedade inteira. Com a pandemia, essa ajuda ficou ainda mais escassa, deixando todo o peso em cima da mulher. A falta desse auxílio é um fator de risco”.

maternidade e hotelaria - tatiane marques

                      Tatiane destaca a importância da rede de apoio por parte das empresas

A falta de suporte no setor

Com 75% de sua força de trabalho composta por mulheres, a Master Hotéis se declara uma empresa humanizada, mas afirma não ter um programa específico de suporte às mães. “Temos um DNA familiar e nos preocupamos muito com o bem-estar dos colaboradores. Somos bastante flexíveis quanto a alterações de horários e mudanças de função, caso seja necessário. Entendemos que o funcionário precisa estar tranquilo para trabalhar”, pontua Livia Trois, diretora geral da empresa.

Já o Sofitel Jequitimar oferece convênios com creches para crianças de até dois anos de idade com valores diferenciados para filhos de funcionários. “As empresas precisam encarar isso como um benefício de ter o trabalhador mais engajado e com uma melhor percepção do trabalho. É bom ver companhias que têm interesse pelo colaborador, que sabem que existe uma história por trás daquele profissional”, destaca Ana.

Apesar de não disponibilizar ações pontuais para as mães do seu quadro de funcionários, Livia garante que quando a pandemia cessar, a Master Hotéis tem planos de construir um programa de auxílio. “Temos direcionado nosso foco para a manutenção dos empregos e da sustentabilidade dos hotéis, mas pensamos em maneiras de valorizar esse grande percentual feminino da nossa empresa”.

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                                             Juliana levava a filha em suas viagens a trabalho

Mesmo com bons exemplos, a hotelaria ainda é falha quando se trata apoio às mães. Em contato com grandes redes do setor e empreendimentos independentes, o Hotelier News não recebeu nenhum parecer sobre programas de auxílio à maternidade, fato que reforça a falta de lideranças femininas que chamem essas pautas para si.

“Sempre atuei no departamento comercial e já visitei grandes empresas. Principalmente no varejo, enxergamos muitos benefícios como licença paternidade e creches dentro da própria companhia. A Master Hotéis me trouxe muito acolhimento e abertura, mas na hotelaria em geral, ainda há muito a ser feito”, complementa Juliana.

Muito além de enxergar as necessidades das profissionais com filhos, o mercado precisa aprender com elas. Saindo do estereótipo de super heroína, uma mulher que faz duplas e até mesmo triplas jornadas mostra muito a respeito de sua capacidade, competência e força de vontade.

“A hotelaria ainda é um segmento predominantemente masculino em suas lideranças e nem todos são sensíveis a essas necessidades. Precisamos de uma mudança nessa mentalidade. É uma luta constante trazer o valor da maternidade para o mercado de trabalho”, finaliza Ana.

(*) Crédito da capa: one_life/Pixabay

(**) Crédito das fotos: arquivo pessoal