Há não muito tempo atrás, a experiência de entrar em diferentes propriedades de uma mesma marca era como se teleportar para o mesmo hotel de sempre: mesmo lobby, arquitetura, quartos, restaurante e experiência. A padronização sempre se mostrou um elemento importante na hotelaria, mas com o modelo lifestyle ganhando cada vez mais espaço, surge a dúvida: os hotéis padronizados estão com seus dias contados?

Para responder a essa pergunta, a co-fundadora e Managing Partner da Mapie, Carolina Haro, acredita ser necessário entender as diferentes conjunturas temporais em que as modalidades surgiram. “A hotelaria padrão faz parte de um contexto histórico em que o mundo não era tão globalizado e que o viajante precisava se sentir seguro. Saindo de sua terra natal, um executivo desejava encontrar um mesmo padrão em diferentes continentes”, explica. “É nesse cenário que a hotelaria padronizada surgiu e cresceu significativamente”.

“Atualmente, no entanto, não há mais essa necessidade de transmitir segurança, visto que vivemos em um mundo amplamente conhecido pelas pessoas”, continua Carolina. “Logo, a hotelaria lifestyle entrega algo mais próximo do que o viajante quer, como maior autenticidade, sabor local e conexão com seu próprio estilo de vida”.

Carolina Haro

Padronizados transmitiam segurança, diz Carolina

A revolução do lifestyle

Que a modalidade lifestyle surgiu para atender às novas demandas dos hóspedes não é novidade. Mas afinal, quais são os principais elementos que diferenciam estes hotéis dos mais tradicionais e padronizados? Para Eduardo Manzano, da EMDAStudio, como o próprio nome diz, esse tipo de empreendimento preza mais pela experiência.

“Se existem dois hotéis de luxo próximos e um deles oferece uma experiência um pouco melhor, desde um rooftop até um atendimento personalizado, este vai sair na frente”, afirma Manzano. “Nesse sentido, é uma competição em que o céu é o limite, portanto o hoteleiro deste segmento não deve medir esforços para atrair clientes. Qualquer investimento extra você consegue aumentar a sua diária, o que é ideal na formatação do seu produto”, avalia.

Entre esses esforços, Manzano destaca o investimento massivo nas áreas comuns, visto que o quarto do hotel hoje é pouco relevante no sentido de conexão entre pessoas – elemento bastante valorizado no pós-pandemia. “Por este motivo, se investe muito mais em restaurantes, jardins, rooftops e atividades”, lista o arquiteto. “Também é importante considerar as redes sociais, criando pontos instagramáveis em toda a área do hotel”, complementa.

Já Abel Castro, diretor de Desenvolvimento da Accor na América do Sul,  gosta de descrever um hotel desta modalidade como “descolado”. “É um hotel que tem um design forte, que nunca vai passar despercebido, posto que é projetado para impressionar não só os hóspedes, mas os clientes da comunidade local”, destaca. “Toda a entrega é diferente de um hotel mais tradicional, inclusive na forma em que os hóspedes são atendidos.”

Outro ponto que Castro considera relevante para o segmento são os departamentos de A&B (Alimentos & Bebidas) e entretenimento. “Mais de 40% da receita dos hotéis lifestyle da Accor vem dessas áreas. Para atingir essa grande parcela, esses empreendimentos oferecem uma entrega consistente e seletiva, em especial por conta da participação da comunidade local, que frequentam as unidades para trabalhar, comer, beber, entre outras atividades disponíveis.”

Contudo, como afirma Manzano, há um porém nessa equação. “A questão da personalização aumenta muito o preço de implantação do hotel. Portanto, a performance precisa contar muito. Durante a pandemia, por exemplo, foi necessário implementar tecnologias para aumentar a eficiência, além de fornecer conectividade de internet mais ágil”, exemplifica.

Abel Castro

A&B e entretenimento são relevantes, aponta Castro

Perspectivas

Certo, mas nossa pergunta inicial continua em aberto: é o fim dos hotéis padronizados? Não tão rápido assim. Segundo Castro, sempre haverá mercado para todos os segmentos. “Há mais de cinco a oito anos, os hotéis padronizados vêm mudando sua metodologia. O ibis por exemplo, atualmente conta com mais de 70% de personalização com características locais, para se adaptar a cidade e ao mundo”, conta o diretor.

Esse período coincide com o surgimento dos lifestyle, que, segundo Manzano, surgiram por volta de 2015 e 2016, quando a hotelaria de experiência verificou forte crescimento. A transformação chegou primeiro nos empreendimentos de alto padrão, mas logo foi migrando para os demais segmentos.

De acordo com Castro, as duas modalidades têm futuro, sejam as power brands, sejam as de lifestyle. “Sem dúvidas, este último está ganhando muito terreno, tanto é que já temos 12 marcas, em especial após a incorporação da Ennismore. Isso é uma prova esse mercado que vai se desenvolver muito rápido. Agora, para chegar à relevância que os outros têm, vão demorar décadas”, prevê o executivo da Accor.

Para se ter uma ideia, Castro analisa os portfólios das principais redes, incluindo o da Accor, e infere que os lifestyle contam por aproximadamente 5% do total. “Não é muito, mas quando você olha o pipeline, vem crescendo e ganhando importância a cada ano”, conta o diretor.

Tanto Castro quanto Carolina, acreditam que, embora o público sênior ainda tenha certa preferência pelos padronizados e os mais jovens por lifestyle, isso não é uma regra. “Sempre existirá aquele viajante que gosta do padrão e prefere a uniformidade. Mas é esperado que a geração mais nova exija transformações e inovações, conforme ganham maior importância como consumidores”, afirma Carolina.

“Creio que seja importante sempre estarmos de olho nas transformações e no comportamento do consumidor, do que ele deseja e pra onde que ele está indo”, ressalta a sócia da Mapie. “Vamos ter o lifestyle mais presente, e o padronizado menos presente, conforme o cliente deseje ver algo mais autêntico que se conecte com o local ou o destino”, finaliza a executiva.

(*) Crédito da capa: TuendeBede/Pixabay

(**) Crédito das fotos: Divulgação