Se condo-hotéis são uma opção pelo financiamento de empreendimentos hoteleiros, é importante que a estruturação seja feita de forma equilibrada, permitindo às bandeiras desenvolver o conhecimento no mercado, mas sem deixar de garantir os direitos de prestação de contas e aprovação de investimentos.

E essa discussão tem peso: em um total de quase 555.000 quartos de hotel no Brasil, mais de 41,1% representam empreendimentos que incluem flats e condo-hotéis, sendo 19,9% de bandeiras internacionais e 21,2% nacionais.

A união de conhecimento do nicho de mercado hoteleiro e a possiblidade de obtenção de financiamento sempre foi um desafio no Brasil, sendo condo-hotéis uma alternativa interessante, pois permite juntar a experiência de uma bandeira com indivíduos que, direta ou indiretamente, por pessoas jurídicas ou fundos, venham a investir neste mercado.

Apesar de o número de hotéis afiliados a cadeias ainda ser de 15,6%, é inegável a importância de sua profissional atuação mercadológica, da mesma forma que o financiamento pulverizado, mediante oferta pública de condo-hotéis voltou a se tornar uma forma efetiva de viabilização de empreendimentos hoteleiros.
Todavia, os investidores vão querer receber os frutos de seu aporte. Por outro lado, as bandeiras costumam exigir certa autonomia para desenvolver as atividades para as quais foram contratadas, a fim de garantir a manutenção da qualidade do serviço ao longo do tempo.

Assim, pode se tornar um desafio o conflito entre os interesses dos investidores, que sempre visam o lucro de forma mais imediata, e a necessidade de uma visão de médio longo prazo do negócio hoteleiro.
Acompanhando assembleias de investidores condôminos com as operadoras, vê-se que, enquanto as bandeiras buscam autonomia e reinvestimento no negócio, é costumeiro que os sócios ocultos das SCPs queiram distribuir os lucros da operação. Nesse sentido, alguns pontos costumam ser fonte de conflito:

  1. Reservas – As reservas são necessárias para fazer frente a eventuais imprevistos financeiros, aquisição de FF&E e manutenção periódica estrutural, dentre outros destinos. Pois bem, se a necessidade de manter tal percentual do faturamento é clara para permitir que o empreendimento mantenha sua qualidade e não seja necessária uma eventual chamada de capital, nem sempre o percentual, quando falamos de um negócio de maior porte, poderá fazer sentido para os proprietários à primeira vista;
  2. FF&E e Investimentos em Infraestrutura – o investimento em mobiliário, equipamento e instalações garante o padrão de empreendimento. Da mesma forma, a manutenção periódica estrutural é exigida em qualquer imóvel. Contudo, em vista do uso coletivo e de alta rotatividade, as exigências se tornam mais constantes e vultuosas que em outros negócios, o que por muitas vezes repercute em conflitos entre proprietários e operadores;
  3. Treinamento e investimento em Pessoal – investimento em qualificação de mão de obra pode ser um fator de debates;
  4. Remuneração – A taxas mínimas sempre vem a ser questionadas em momentos de menor rentabilidade do negócio, o que também pode dar margem a desentendimentos com o prestador de serviço; e
  5. Forma de prestação de contas – o detalhamento das informações para investidores que não tenham experiência no mercado pode ser um desafio, sendo que a CVM passou a exigir a auditoria externa pelo menos nos primeiros três anos do empreendimento.

Pois bem. Fato é que a necessidade de retenção de percentual do faturamento, exatamente para permitir investimentos e manutenção da qualidade dos produtos e serviços, sempre poderá ser um cabo de força: a bandeira defendendo a manutenção de recursos para manter o padrão e os proprietários visando o retorno de seu investimento.

Destarte, é imprescindível que se defina, em detalhe, os percentuais mínimos de retenção, sem prejuízo de aprovações adicionais por assembleia, bem como que reste claro, quando da estruturação, a periodicidade de upgrades e sua motivação, sem prejuízo de, no dia a dia, ter-se a prestação dos contas de recursos investidos.

Assim, não só no momento inicial da estruturação, quando a CVM – se houver oferta pública – exigirá um prospecto detalhando os riscos da operação e despesas, taxas e custos envolvidos, mas também periodicamente ao longo da operação, uma comunicação clara e regras precisas são necessárias.

Outro mecanismo comum, mas ainda pode bastante útil é a utilização de Asset Managers que, como especialistas no mercado, podem contribuir para minimização dos conflitos, discutindo com mais propriedade: a) a precisão das metas e potenciais de ações estratégicas propostas; b) os relatórios de resultados, despesas e reinvestimentos apresentados, comparando-os com o mercado; c) a prática mercadológica; e d) as avaliações de qualidade e hospedagem. Asset Managers podem, também, eventualmente colaborar com treinamentos periódicos para os funcionários, dentre outros serviços.

Entretanto, como já discutido em outro artigo nesta revista denominado “A figura do Asset Manager em Condo-hoteis”, existe a contrapartida de onerar mais o negócio, já que implicará em mais uma taxa a ser paga.

Assim, é importante fazer uma avaliação cuidadosa quando da estruturação e, eventualmente, reavaliações ao longo da vida do empreendimento, para verificar e buscar reduzir fatores de conflito, mantendo a qualidade do hotel a longo prazo, conscientizando os proprietários de que o negócio não encerra um investimento de curto prazo, mas garantindo a produtividade e rentabilidade do mesmo.

(1) Pelo estudo Hotelaria em Números da JLL há 554.989 quartos dentre os hotéis e flats inaugurados até julho de 2023.

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Ana Beatriz é Sócia do Perez & Barros, Masters of Laws pela New York University, Presidente da Comissão de Hotelaria e Multipropriedade do IBRADIM e Membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/RJ.

(*) Crédito da foto: arquivo pessoal/Ana Beatriz Barbosa Ponte