O vinho, bebida milenar, popular no mundo todo e com grande valor real e simbólico para diferentes culturas, sociedades e religiões, tem participação de destaque em inúmeros acontecimentos históricos, manifestações artísticas e sociais. Inclusive no mundo da política e filosofia chegou a ser considerado e usado como instrumento para obter a verdade nas relações humanas porque se acreditava que, depois de alguns goles, as pessoas seriam mais sinceras nas reuniões e discussões. Ou seja, assim como para os romanos in vino veritas, gregos, chineses, judeus, entre outros também compartilhavam a ideia da verdade e sinceridade vindas do consumo de vinho.

Pois bem, Brasil ano de 2023, na região da Serra Gaúcha, polo turístico e grande produtora de vinho no país, mais de 200 trabalhadores de uma empresa terceirizada foram resgatados pelas autoridades por estarem sendo mantidos em trabalhos análogos à escravidão na colheita das uvas para grandes e conhecidas vinícolas. Péssimas condições de moradia, superlotação nas acomodações, sujeira, agressões, jornadas de trabalho de 15h e alimento estragado são algumas das denúncias registradas e em processo de confirmação.

Ao serem questionados, os representantes das empresas de vinho, espumantes e sucos de uva contratantes dos serviços dos trabalhadores resgatados se manifestaram surpresos, indignados e entristecidos pela situação. Alguns representantes do setor, além de reforçar o desconhecimento das empresas quanto às condições de trabalho nos próprios processos produtivos, ainda culparam o sistema econômico e falta de mão de obra por criar o ambiente propício para a exploração de trabalhadores.

Assim, de duas, uma. Ou, mais uma vez na história, o vinho trouxe consigo o poder da revelação (contém ironia), ou estamos diante de mais um ponto frágil nos processos de comunicação praticados na nossa sociedade, especialmente durante a gestão de uma crise.

E se trata de um ponto frágil importante exatamente por demonstrar um hábito, muito frequente, de se eximir de culpa ao, simplesmente, alegar ignorância sobre algo real que ocorre, sistematicamente, sob a própria responsabilidade. E o pior: esse hábito de fugir da realidade, acompanhado por um pedido de desculpas, costuma ser bem recebido e aceito como suficiente por boa parte da opinião púbica.

Dessa forma, acabamos validando e considerando natural e coerente uma organização ou empresa não ter controle sobre pontos fundamentais dos seus processos de trabalho, como no caso, a existência ou não de trabalho escravo na própria cadeia produtiva.

Evidentemente existem grandes dificuldades para se empreender, empregar e produzir no país, mas a flexibilização de conceitos que levam a uma aceitação de atos irresponsáveis ou de crimes, traz mais danos à sociedade que a improdutividade, e assim a imagem da organização sofrerá impactos importantes e muitas vezes irreparáveis.

A terceirização de serviços é uma tendência em diferentes categorias e setores, principalmente diante das modificações legislativas recentes. O turismo e a hotelaria têm praticado alterações nas suas práticas trabalhistas e utilizado esse tipo de mão de obra de forma ampla. Por outro lado, também é uma tendência a exigência pela aplicação de práticas responsáveis com relação ao meio ambiente, o papel social e a governança das empresas (ESG).
Portanto, o importante é que nesse contexto de flexibilização e variação da mão de obra e de fornecimento de produtos e serviços, não haja, de forma ativa ou passiva, qualquer prática ou evidente inobservância das condições adequadas de trabalho, excessos, ou qualquer tipo de erro ou exploração em toda a cadeia produtiva, seja no próprio quadro de funcionários, ou nas atividades de fornecedores, prestadores de serviços e afins, que podem significar possíveis perdas humanas, de negócios e de imagem.

E diante das diversas possibilidades de situações sensíveis, para a comunicação de crise cumprir seu papel, essa deve ser realizada a partir de análise holística prévia dos processos internos e externos de trabalho e suas vulnerabilidades e riscos. Assim, verificando os pontos frágeis, teremos a oportunidade de tomar , e cobrar dos parceiros, as providências para conhecer cada fragilidade e atuar efetivamente para a solução de cada uma.

Só assim os statements ou posicionamentos diante de uma crise serão mais fortes e eficientes por serem coerentes com a realidade ao mostrarem a maturidade e controle e ações das empresas quanto as suas responsabilidades intransferíveis.

Diante disso e por fim, propomos aqui um brinde à verdade e à capacidade de olharmos amplamente e com sinceridade para as nossas fraquezas. E assim caminharmos com consistência no sentido do fortalecimento das ações e argumentos que constroem nossas responsabilidades e posicionamentos diante das adversidades.
Tim tim!

Otavio Novo é profissional de Gestão de Riscos e Crises, atuando desde o ano 2000 em empresas líderes nos setores de serviços, educação e hospitalidade. Consultor e idealizador do projeto Novo8, mencionado pela ONU no IY TOURISM 2017.  Advogado, coautor do livro “Gestão da qualidade e de crises em negócios do turisno” , durante 6 anos foi responsável pelo Departamento de Segurança e Riscos da Accor Hotels para cerca de 300 propriedades e 15 mil colaboradores em nove países da América Latina.

Contato: [email protected]​ | www.novo8.com.br

(*) Crédito da foto: Arquivo pessoal