Muito se fala nos benefícios da transformação digital no dia a dia das empresas e na importância do uso de dados nas operações. Antes de pensar na revolução interna, entretanto, é preciso saber de qual ponto partir. Medir a maturidade digital de um negócio é o pontapé inicial rumo à uma nova fase baseada em tecnologia, inovação e melhores processos (e resultados).

Primeiro, vale lembrar que a maturidade digital é definida como uma métrica que indica a capacidade de uma empresa se adaptar e gerar valor por meio de novas tecnologias. E ela pode estar relacionada diretamente ao setor em que estão inseridas. No Brasil, por exemplo, os mercados de varejo, telecomunicações e financeiro foram os pioneiros no investimento de tempo e recursos para elevar seus níveis de inovação.

E o processo de jornada digital do cliente não se limita apenas à experiência física, mas também a uma mudança em todas as etapas da relação com a empresa. É fundamental que essa transformação aconteça baseada nas necessidades do consumidor moderno, caso contrário o negócio corre o risco de perder competitividade de mercado.

Agora, o que significa aumentar a maturidade digital de um negócio? Para começar, a transformação é sinônimo de times mais integrados e produtivos que utilizam a tecnologia como um catalisador de resultados e vetor de desenvolvimento de capacidades.

“Não se trata apenas de trocar processos manuais utilizando meios digitais, mas incorporar no ecossistema da empresa a vivência digital. Significa pensar e executar tarefas olhando para essas nuances. É uma mudança de percepção de como as coisas devem ser feitas e atender ao que o consumidor deseja”, avalia Carlos Coutinho, sócio da PwC Brasil, empresa de consultoria e auditoria.

O profissional ressalta que a transformação começa quando o negócio prepara seus sistemas e processos para caminhar lado a lado com o consumidor digital, que tem sua jornada baseada no mundo virtual. “No caso do turismo, você tem reservas de hotéis, agendamento de passagens, compra de ingressos, tudo em um lugar só. A cadeia de valor está toda ali. E o setor hoteleiro foi um dos mais beneficiados com isso”, acrescenta.

maturidade digital - carlos coutinho

Coutinho: digitalizar a força de trabalho é fundamental

Maturidade digital: por onde começar

Como qualquer mudança, dar o primeiro passo é sempre o mais difícil. Primeiro, é preciso redirecionar o mindset dos hotéis. Para entender o consumidor digital, a empresa precisa trabalhar na mesma linha de pensamento, colocando-se no lugar do cliente. “Os processos precisam ser rápidos e precisos para garantir a confiança do hóspede. Para isso, é necessário formar pessoas, realizar um upskilling para digitalizar a força de trabalho de forma que ela converse com o consumidor. É uma questão de sobrevivência do negócio”, pontua Coutinho.

O executivo salienta que, para promover essa requalificação, é preciso identificar os agentes contaminadores. Ou seja, converter processos para o ambiente digital utilizando ferramentas disponíveis no mercado. “Existe uma série de softwares aplicáveis no dia a dia, mas o indivíduo precisa perceber isso. É necessário enxergar valor”, pontua.

Amy Secches, diretora de Vendas da Oracle Hospitality para o Brasil, explica que revisitar processos é um bom ponto de partida. E, mais ainda, entender o que essa transformação significa para o negócio. “É preciso rever processos internos, identificar o que já é automatizado, que ainda opera manualmente e o que precisa ser digitalizado. E não apenas no setor de vendas, mas na operação de ponta a ponta. Isso inclui limpeza, manutenção, recepção, reservas e etc. De nada adianta, contudo, se a empresa não entender o que isso significa, o que é muito individual”.

Por exemplo: para alguns empreendimentos, digitalizar o check-in pode ser uma boa ideia. Para outros, esse primeiro contato com o hóspede é parte relevante na experiência. “De repente, o check-in online não é uma dor daquele hotel, mas se for, já é um começo. Para outro, pode ser o atraso na cozinha. É algo muito particular. Visto isso, se estabelece um plano de digitalização do negócio”, diz Amy.

Comunidades e dados

Quando um hóspede faz uma reserva ou um check-in, uma série de dados valiosos são armazenados. Na hotelaria, especificamente, existe uma gama de informações capazes de oferecer um conhecimento profundo sobre quem é aquele cliente. E conhecer o consumidor é parte fundamental para o direcionamento das transformações internas.

“Os hotéis detêm uma série de dados como poucos lugares conseguem captar. É preciso utilizar essa informação para estabelecer uma conexão direta com o cliente. Isso coloca o setor em uma posição diferenciada. Um propriedade hoteleira sabe de onde o hóspede vem, como ele chega, idade, gênero, o quanto gasta, quanto tempo fica, enfim, são capazes de desenvolver bases de dados robustas”, avalia Coutinho.

Na mesma linha de raciocínio, Amy salienta a relevância das métricas dentro dos processos internos como forma de moderar os resultados das mudanças. “Como o A&B vai vender mais? Como o departamento de vendas vai captar mais clientes? É preciso rever métricas para medir a maturidade digital. E, alinhado a isso, avaliar quais ferramentas e objetivos o hotel está colocando o seu dinheiro. Não é tecnologia por tecnologia”, ensina a executiva.

No caso de empreendimentos de menor porte que não possuem o respaldo de grandes redes, buscar os serviços de consultores e startups é uma saída inteligente. “Hotéis independentes e familiares podem não montar sua própria equipe de tecnologia, mas contratar parceiros que possam ajudar criando relatórios e bancos de dados”, complementa o executivo.

Para o sócio da PwC, outra alternativa é criar comunidades entre empreendimentos menores com interesses e dores em comum. Segundo o profissional, ações conjuntas costumam gerar bons resultados não só para o setor, mas para o destino como um todo. “Criar comunidades de propósito no entorno pode facilitar alguns processos. As pessoas têm gostos específicos e é preciso encontrar a proposta de valor de cada região. Um exemplo é o Projeto Tamar, na Praia do Forte. É uma iniciativa que movimenta diversos setores, pois ela tem um propósito. E as entidades têm que liderar isso, provocar o associado”.

maturidade digital - amy secches

Amy: maturidade digital é uma adaptação constante

O humano por trás da máquina

Todo sistema é operado por uma pessoa e entender isso faz parte de um processo de maturidade digital saudável e sustentável. De nada adianta gerar custos com ferramentas sem colaboradores aptos a manuseá-las. E a mudança humana inclui também a capacitação de funcionários. “O humano é fundamental. Sem ele, não existe transformação. A tecnologia está ali, mas quem opera é uma pessoa. É um equilíbrio que precisa ser estabelecido para obter resultados”, comenta Amy. “Principalmente quando falamos em hotelaria, ela não existe sem seus funcionários. E este é um dos diferenciais do setor”, acrescenta.

E não necessariamente fazer uma transformação de recursos humanos é sinônimo de realizar demissões ou contratações. É identificar aqueles que estão dispostos a aprender, conhecer e mudar junto com a empresa. “A transformação tem que ser no próprio DNA do negócio. Uma nova cultura precisa ser construída. Agora, nem todos estão prontos para essa metamorfose”, avalia a diretora da Oracle.

Um caminho e não um destino

Antes de iniciar o processo de maturidade digital, as empresas precisam entender que ela não é um destino a ser alcançado, mas um caminho a ser percorrido. A tecnologia que temos hoje à disposição não é a mesma que tínhamos há cinco anos atrás e nem será igual nos próximos 10.

“O hotel precisa investir nesses processos como forma de agregar valor a si mesmo. E, principalmente, saber o que quer. Muitas vezes, o hoteleiro dono de uma pequena pousada não quer o local lotado todos os finais de semana, por exemplo. Agora, certamente a melhor forma de reduzir a distância entre o negócio e o cliente é o virtual”, diz Coutinho.

Ainda que seja um setor tradicionalista por natureza, a transformação já é latente na hotelaria, mesmo com um longo caminho pela frente. “O mais importante é iniciar o mais rápido possível. O futuro da tecnologia é incerto. A maturidade digital é um processo constante, sem final definido. Logo, os hotéis devem estar sempre se adaptando e absorvendo inovações”, finaliza Amy.

(*) Crédito da capa: imagens geraist

(**) Crédito das fotos: Divulgação